segunda-feira, 9 de julho de 2012

Vae Victis


                                              
        Esta imprecação famosa foi dita em 390 a.C. por Brennus, chefe gaulês, aos romanos. Com exceção do Capitólio – a derradeira fortaleza, sita no ponto mais alto da urbe – toda a Roma estava em mãos da horda gaulesa.
        Derrotados, os romanos negociavam a partida dos bárbaros. Ao contestarem a quantia em ouro exigida, Brennus cortou a altercação, jogando enorme espada na balança.
       O seu ‘Ai dos Vencidos’ não é, no entanto, uma frase arcaica, peculiaridade da idade antiga, para sempre sepulta na progressão inexorável dos milênios.
      A sua validade continua intata. Os vencidos têm de submeter-se às rendições incondicionais, com a respectiva aparente brutal carga de injustiça, esta libra de carne não só exigida nos tribunais do teatro, mas também na áspera realidade dos séculos.    
      A pena de talião na sua concretude terá muitos avatares através da caminhada milenar do bicho homem. Sem embargo, a crueldade dos vencedores trará consigno, no eterno embate de ação e reação, elementos da húbris dos perdedores, que com a sorte de seu lado, no princípio, cometeram toda espécie de iniquidades.
       Talvez em nenhum momento da História haja surgido regime tão demencial e maligno quanto o nacional-socialismo de Hitler. Nascido de um revés parcial, que um tratado desequilibrado exacerbara, o processo de horrores do século XX seria marcado pela chaga do nazismo.
      Importa pouco se no lado vencedor se incluiu também Jossif W. Stalin – cujo total de mortes rivaliza com o de Adolf Hitler – eis que o desequilíbrio é acintoso. A cumplicidade no Holocausto dessa hidra do perverso faz ,senão justificar, entender Dresden, as forçadas migrações para satisfazer fomes de terra da continental URSS, e as cortes-canguru do imediato pós-guerra. É bom que se frise nada ter a ver com estas últimas a corte de Nuremberg. Apesar de ser o exemplo típico da justiça do vencedor, com normas adrede fabricadas, a necessidade de reparação era evidente, diante do  descomunal flagelo representado pelo poder nazista. É um caso único em que a exceção confirma a regra.
       Nazismo e justiça são conceitos antinômicos. Aqueles que esquecem o passado se descobrem condenados a repeti-lo no presente, ainda que, como diria Karl Marx, sob a forma de farsa.
      O rio  Letes correrá sempre, com a sua enganosa placidez que vai amaciando o áspero, tornando louçãs rugas e verrugas,  lançando sobre o feio e hediondo o sedoso, solerte véu do esquecimento. O perdão integra muitas religiões. É um elemento importante do juízo, desde que não seja carregado pelo olvido. E é aí que mora o perigo, porque a amnésia será o campo preferido para o replantio de ódios e rancores.
      Daí a necessidade de destruir os ovos da serpente, e não agir como Brennus. Terá ficado nos anais da história, com a sua frase. De que lhe valeu o ouro arrancado dos romanos, se vendeu a oportunidade, que voltaria implacável contra seu povo na figura de outro conquistador, Júlio Cesar, e de outra célebre sentença – Vim, Vi, Venciesta última como dístico de conquista que nada teve de efêmera.   

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