domingo, 29 de julho de 2012

Colcha de Retalhos CXVIII

                                        
A  Senhora  da  Birmânia

        Luc Besson é o diretor da película ‘The Lady’, traduzida no Brasil por mais um desses títulos sem sentido, que proliferam nas cópias da filmografia importada: Além da Liberdade.
       A correção política e o ceticismo imperantes desconfiam, por princípio, de heróis e heroínas. Vivendo-se em uma fase de personagens medíocres, alguns críticos e jornalistas se empenham na inglória tarefa de desmistificar os eventuais candidatos nos tempos que correm, enquanto historiadores, ensaístas e livre-atiradores buscam tirar de seus pedestais as personalidades de um passado que se acreditara mais dignificante.
      Ainda a tal contexto voltarei mais tarde. O filme de Besson retrata a trajetória de Aung San Suu Kyi (Michelle Yeoh), sobretudo a partir do momento em que ela deixa de ser dona de casa, casada com Michael Aris (David Thewlis), professor universitário inglês, e acolhe o chamado para defender  seu povo.
     A Birmânia está entregue à corrupta e supersticioosa ditadura do general Ne Win (Htun Liu). A mãe de Suu Kyi ( e viúva do herói nacional Aung San) sofrera um derrame, e por isso Suu deixa a Inglaterra e vem  cuidar da enferma.
    Breve flashback nos mostra o assassínio do general Aung San, herói da independência e defensor da democracia. Os homicidas são bandidos fardados, que logram  livrar-se do general tão popular quanto idealista.
    Se a genealogia incomoda ao boçal Ne Win – o nome e o sangue de Suu Kyi o inquietam - estes mesmos traços levam professores e ativistas birmaneses a procurar a filha de Aung San, e a encarecer-lhe que assuma a causa do povo.
    Suu Kyi não hesita muito, e com o estímulo do marido, veste nos negros cabelos a flor que o pai, no dia de sua morte, lhe colocara na  cabeça de criança.
    Malgrado nunca tenha discursado, as palavras lhe vem à mente, traduzidas em linguagem de simples verdades acessíveis ao público, que gosta de ouvi-las porque lhes acenam com a justiça de futuro melhor.
    Não é à toa que o nome de Suu Kyi recebeu do povo o título de Daw, reservado aos personagens que lhe são caros. Na própria existência se dão as mãos os exemplos de serena, indômita coragem (passa por pelotão de soldados com armas apontadas com o comando de atirar), e  a brutalidade castrense, nos seus ridículos uniformes, em que pululam os alcaguetes e os torturadores.
    A junta chefiada por Ne Win teme as consequências de eliminar fisicamente o surpreendente desafio apresentado pela filha do herói nacional, que alia plácida  coragem  ao carisma da líder, na pregação da não-violência e da união. Isso tudo faz com que Suu Kyi nao deixe a Birmânia. Para sorte desse infortunado país, Suu se vê forçada a permanecer em Rangoon, ao invés de acompanhar o esposo e os filhos no regresso à Inglaterra.
     É escolha dilacerante, provocada pela crueldade militar que falha defronte do apoio da família e da firmeza de Suu Kyi. Michael Aris, o marido, não vacila nem na força que dá à esposa, nem na dedicação que conduz à candidatura  e posterior designação para o prêmio Nobel da Paz.
      Aos tiranos – e os exemplos abundam no presente (2010), com Liu Xiaobo (RPC), e no passado (1935), com o pacifista Carl von Ossietzky – desagrada sobremaneira prêmio atribuído pela Academia norueguesa. São exemplos disso  tanto os gerarcas chineses, quanto  Adolf Hitler. Se nesses dois casos, a cadeira do premiado ficará vazia, com  Suu Kyi, em prisão domiciliar, pelo menos o marido Michael Aris e os dois filhos a representarão em Oslo.
     O mando militar passou de Ne Win, para o esperto (e também corrupto) Than Shwe, mas a situação de Suu Kyi, apesar de idolatrada pela população, não muda. O filme de Luc Besson se ocupa dos padecimentos da heroína birmana, de inquebrantável resistência, que reflete, na  firmeza, a singela pujança de sua perene eleição pelo sofrido povo de Myanmar.
     Daí o prazer que sente o espectador em seguir uma história verdadeira. Aung San Suu Kyi é  unanimidade nacional – e ela a recebe mais qual  encargo do que como título. Se o povo não tem dúvidas sobre o próprio significado da filha-heroína do general-herói da independência, tais qualidades podem até irritar mentes contorcidas, a que, dir-se-ía, semelha aborrecer a imagem do bem. A explicação que reponta seria a de tomarem  por simplórios tais relatos. Pecam por  não satisfazerem às baixas expectativas que sóem conceder a um tipo de raro e incômodo personagem, o qual não logram encaixar dentro da respectiva visão de vida.
     Se provoca consternação que revista conceituada, editada em cidade que se crê capital do universo, dê preferência nesse capítulo a cronistas que mais se especializam nas insinuações sem base e em estranhas alusões, não me lamento deveras contraditá-los pois é com prazer que sinalizo  a satisfação de assistir  filme que não se peja de espelhar  o bom e o generoso.
     Diante das homenagens – dúbias porque de torpe origem – que o vício, vestido com os trajes lustrosos da hipocrisia, faz à virtude -, não está certamente o filme de Luc Besson. Nessa época, com o deserto de valores à volta, é um lenitivo poder participar, ainda que vicariamente, da existência de pessoas como Daw Aung San Suu Kyi.     

             
Erenice Guerra e o escândalo da Casa Civil

     A sucessora de Dilma Rousseff na Casa Civil foi Erenice Guerra. Ao desincompatibilizar-se Dilma, Erenice – que fora a sua auxiliar direta – surgira como a candidata natural ao cargo.
     Não esquentou muito a cadeira, no entanto, em virtude das investigações da Polícia Federal – segundo noticia a Folha de S. Paulo – que denunciaram Israel Guerra, filho da ministra e Vinicius de Oliveira Castro, então assessor da pasta. Ambos operaram para ganhar dinheiro por meio de consultorias a empresários interessados em contratos com o governo.
   Embora o relatório resulte de investigação que durou quase dois anos, por considerar que houve falta de provas de tráfico de influência, o Ministério Público pediu e a Justiça Federal mandou neste mês arquivar o inquérito.
   Se causa desalento esta solicitação do M.P. – assim como a concordância do juiz encarregado do caso – pode-se acaso afirmar que tal desenvolvimento provoque surpresa ?
    No Brasil, aos escândalos administrativos não se sucedem amiúde ações penais. Posto que não seja vocalmente expressa a observação, semelha existir a impressão de que a perda do cargo já terá sido castigo bastante.



A Família Sarney nas Malhas do COAF


    O Coaf, órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, confirmou irregularidades em transações financeiras e, nesse sentido, aplicou multa a Teresa Murad Sarney, nora do Senador José Sarney.
     Teresa controlava a empresa São Luis Factoring, intermediária de operações financeiras da família. Foram as atividades da empresa de factoring que levaram a Polícia Federal a investigar Fernando Sarney na operação Boi Barrica (depois Faktor), realizada em 2007.
     Como se sabe essa Boi Barrica teve sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) impondo censura ao Estadão (o que continua de pé).  Por outro lado, a  dita operação teve as provas anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça, em setembro de 2011. No capítulo, os ministros do STJ consideraram ilegais as quebras de sigilo da P.F.
    Sem embargo, o Coaf manteve o procedimento administrativo. O inquérito do Boi Barrica – que quebrara sigilos e realizara escutas telefônicas – apontou indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.  De 2002 a 2006, a empresa de factoring movimentara R$ 42 milhões, apesar de haver informado ter obtido receita de R$ 1,7 milhão, em valores da época.
    Como se verifica, a ação do Coaf continua, posto que a operação tenha tido as provas anuladas pelo STJ.



Mensalão no Supremo


     Na semana entrante, depois de muito choro e ranger de dentes, o Mensalão chega ao Supremo. Antes que comece o juízo propriamente dito, assistiremos ao terçar armas dos hábeis advogados, à frente o ex-Ministro Marcio Thomaz Bastos. Não se excluem ulteriores postergações, a par do suspense acerca de que juízes se hão de declarar impedidos. Serão acaso muitos ? Se me permitem humilde palpite, esse total, malgrado protestos eventuais, será de zero.
    A banda de música do PT, com Rui Falcão à frente, alçará o diapasão. Injustiça ou caixa dois ?
    E a jamais olvidada absolvição de Fernando Collor pelo Supremo Tribunal Federal será acaso um precedente ?
     Como há de terminar mais este célebre processo ? Em que elenco de causas, e que motivos de júbilo, espanto e consternação há de deixar registro ?

   


( Fontes: Folha de S. Paulo,  O  Globo )

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