quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Mercosul e o Subdesenvolvimento


        As últimas peripécias no Mercosul me fizeram relembrar frase ouvida de colega já há bastante tempo, em que, a propósito de um reclamo de representante platino, sentenciara nada haver de seguro no subdesenvolvimento.
        Os anos passam e se por vezes trazem o benefício da experiência para alguns, não raro o tempo não será equânime para outros. Tal será ainda mais provável se persistir a mentalidade subdesenvolvida a despeito de sinais exteriores de riqueza.
       Com a vantagem dos dias transcorridos, o que se acoimou de ‘golpe legislativo’ no processo político que culminou no impeachment de Fernando Lugo – e não há negar que tudo foi demasiado rápido, não se dando sobretudo ao Presidente o tempo necessário para preparar a sua defesa – a retribuição de parte de Rousseff e Kirchner não parece muito diferente na esfuziante brevidade.
      Reclama-se - e com razão - do Congresso paraguaio. Sem embargo, em que difere a reação dos países dominantes do Mercosul ?  A justiça não casa bem com a extrema celeridade. Os magistrados – e bem o fazem – sóem examinar os assuntos contenciosos com a devida prudência. Tal característica em geral pressupõe um especial cuidado em não proceder a toque de caixa. A pressa, dizem os nossos maiores, é a inimiga da perfeição. Vejam no caso no que deu o afobamento do Congresso paraguaio.
     O Mercosul, fruto do bom senso dos então governantes no Cone Sul, e sob o impulso de Brasil e Argentina, vem avançando com as dificuldades próprias do subdesenvolvimento. Se nos seus mais de vinte anos não crescera em número de membros, tampouco enfrentara problemas da gravidade dos últimos dias.
     Apanhados de surpresa, os demais membros do Mercosul mandaram às carreiras para Assunção delegação de ministros das relações exteriores. Só o futuro dirá se o instrumento diplomático foi o adequado para lidar com o desafio.  Mal preparada  a empresa teve o resultado que acompanha tais tentativas, i.e. o malogro.
    As semelhanças entre os dois processos continuaram a manifestar-se, sobretudo no afogadilho que presidiu às decisões lá e cá.
    A respeito,há algumas perguntas que carecem de resposta. O Mercosul é um organismo que pretende ser sério, formado por quatro países fundadores. Firmado por tratado e submetido a normas e rituais, causa espécie a fulmínea rapidez da suspensão de um dos seus membros. Acaso a questão não deveria ter sido tratada com a atenção e o cuidado que o assunto requer ? Por outro lado, a plena titularidade dos membros respectivos se assinala pela fragilidade evidenciada nos prazos, como verificado no caso do Paraguai e seria também aplicável, se pertinente, aos demais membros, inclusive os de maior peso econômico como Brasil e Argentina ?
     Mas os problemas motivados pelo açodamento do parlamento paraguaio não param por aí. De forma quase concomitante, e valendo-se na aparência da ocasião oportunista, similar velocidade foi empregada para abrir as portas do Mercosul para o companheiro Hugo Chávez, que solicitara faz muito participar do organismo, em caráter de membro pleno.
     Na Inglaterra, uma das censuras que se fizeram a Cromwell, o Lord Protector, foi o de valer-se do Rump Parliament[1] e dos  parlamentos que se seguiram para forçar a aprovação de disposições do interesse do Protetorado. Nesse contexto,  terá sido porventura apropriado decidir pela admissão da Venezuela, malgrado a oposição do Paraguai ?
    Surpreende, a propósito, que o motor principal de valer-se da feliz conjunção entre a compulsória ausência paraguaia e a continuada vontade de Chávez foi acionado pela companheira Dilma Rousseff ? Para tanto, a Presidenta empregou no exterior o seu mandonismo de que se vale no gabinete do Palácio do Planalto.
    De saída, afastou os pobres chanceleres da reunião, sob a desculpa de ser política a motivação do conciliábulo. Política ? E não são acaso políticas todas as agendas dos presidentes ?
    Dona Dilma preferiu conversar com os restantes membros en petit comité, sem a presença de quaisquer assessores. É um direito seu, dirão, para um problema delicado como este – que a fizera trazer o Advogado Geral da União, Luiz Inacio Adams,  para dissipar inquietudes jurídicas – mas cabe indagar se não seria mais conveniente ter à disposição o conhecimento indispensável,  que um chanceler poderia disponibilizar.
    Sabemos agora o porquê do empenho em restringir a participação na reunião. O Ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Luis Almagro, afirma que o ingresso da Venezuela no Mercosul só ocorreu por causa da intervenção de Dilma Rousseff.
      E, não obstante as tentativas de desmentir o modus faciendi da entrada na bruta do companheiro Chávez, o Vice-Presidente do Uruguai, Danilo Astori, a condenou, chegando a verberá-la como uma ‘ferida institucional’.
     Será que é indispensável perguntar se o companheiro (e Presidente) José Pepe Mujica, deixado sozinho, não terá  podido obtemperar com firmeza aos irresistíveis argumentos da Presidenta em prol do companheiro e muy amigo Hugo Chávez ?
     Nessa caixa de surpresas, a discrição de Cristina Kirchner  - que tantos sinais de amizade política recebeu no passado do líder da Alba – parece comovente.
    E na próxima eleição do presidente paraguaio, o Brasil – com tantos interesses comuns que partilha com o país mediterrâneo -  o que deverá esperar em termos de suas  relações com Assunção ?
     Valerá a pena desgastar-se tanto para ter companhia tão problemática e tão incerta quanto a do companheiro Hugo Chávez Frias ?




( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )      



[1] em tradução livre, o que restou do parlamento, depois de cassados muitos de seus membros.

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