sexta-feira, 20 de julho de 2012

Direto do Front Sírio (e alhures)

                             
          Nada como o abuso de instrumento para evidenciar a necessidade de ou eliminá-lo, ou adaptá-lo às urgências do presente. O Conselho de Segurança das Nações Unidas se descobre na incômoda posição de receber reprimendas de soldados que vêem a necessidade e a premência de atuar no cenário de uma crise internacional, com vistas a zelar por  Plano de Paz em  país conflagrado.
          A ação do Conselho de Segurança – o único órgão das Nações Unidas com autoridade para medidas impositivas e não simplesmente recomendatórias, como é o caso da Assembleia Geral – está paralisada pela sistemática recusa de dois membros permanentes do Conselho em aprovar a tomada de iniciativas que pressuponham  ação coercitiva das forças das Nações Unidas.
          A Federação Russa – e a seu reboque, a República Popular da China – anula pelo veto as eventuais resoluções do Conselho ( já está no seu terceiro veto) que poderiam criar condições para reduzir o morticínio na Síria, assim como encaminhar as partes na guerra civil a negociações e a  possível resolução pacífica de  conflito que já entrou no décimo-sétimo mês.
         Esta ação do Governo de Vladimir Putin corresponde, no entanto, a  efetivo direito da Rússia, como estado sucessor da União Soviética que, na constituição das Nações Unidas, obteve o direito do veto (junto com mais quatro outras potências, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a República da China, então sob o governo de Chiang Kai-shek).
        Esses cinco países, na sua qualidade de membros permanentes do Conselho, podem inviabilizar qualquer projeto de resolução do principal órgão das Nações Unidas, através de voto isolado, com poder de veto.
        Embora o Ocidente, no caso em tela, tenha verberado os repetidos vetos da Federação Russa (e de seu acólito, a RPC), é mister fazer duas qualificações: os vetos em apreço podem não ser legítimos, mas são legais e bastantes para tornar írritas os increpados projetos de resolução do CSNU; e nenhum dos membros permanentes do Conselho, a começar pelos Estados Unidos da América, pode ignorar que muita vez se tem valido do mesmo direito de veto para anular projetos de resolução do Conselho, que corresponderiam ao desejo da grande maioria dos Estados Membros, não só do Conselho, mas da própria Assembleia Geral. A esse respeito, semelha suficiente lembrar os inúmeros projetos de resolução que, por motivos de política interna, Washington têm derrubado a instâncias de seu estado-cliente, Israel. Tais projetos atenderiam à vontade de justiça do Povo palestino, e que decerto contribuiriam para resolver um dos principais problemas internacionais, que é uma solução justa e equitativa para a Questão Palestina.
       A presente paralísia do Conselho não constitui, portanto,  fenômeno novo, mas ela aponta uma vez mais para a necessidade de solucionar de maneira apropriada o abuso de um direito, que na verdade é herança de uma situação desde muito superada, qual seja a derrota incondicional das potências do eixo. Se a Segunda Guerra Mundial foi em parte provocada pela inoperância da Liga das Nações, é mais do que tempo de virar a página e tornar a utilização do Conselho de Segurança mais consentânea com os imperativos de verdadeira manutenção da paz e da justiça internacional.
       Grita aos céus que o presente direito  de veto isolado e incondicional não corresponde aos reais anseios da assembleia das nações. Se a notória Razão de Estado (Staatsräson) está por detrás dessa faculdade das grandes potências – reais ou históricas – não mais corresponde à realidade diplomática que se mantenha um instrumento que, na prática, não difere do direito isolado de veto de que dispunham individualmente os membros do parlamento polonês. Bem sabemos a que levou tal abusivo direito: ao fim do Reino da Polônia, que foi cinicamente repartido pelas potências circundantes (o Império Russo, o Império Austríaco e o Reino da Prússia).
      Não é hora de manter vivas velhas práticas que não refletem a equa justiça. A esta, todos entoam loas, mas muitos a deixam de aplicar se não se enquadra ao que acreditam seja o seu próprio interesse.
      A diplomacia é sobretudo a arte da paciência e da perseverança. O Kremlin pode fingir que não se desgasta com os seus iterados vetos. Mas a injustiça, como todo ferimento mal curado, tende a persistir, inda que sob rígidas ataduras, e de forma purulenta. Uma questão mal resolvida não leva a nada de bom, e o tempo que parece ganhar será cobrado com pesados juros.
      Cada vez mais Bashar al-Assad se acerca do carro que conduziu à seu destino Muammar Kaddafi, na caricatura de Ali Ferzat. Serviu de algo ao tirano mandar quebrar as mãos do cartunista ? E que proveito há de tirar gospodin Putin, impedindo a intervenção das forças da paz, se a nave do déspota alauíta faz agua por todo lado, ratos e ratazanas correm para abandoná-la, e o infernal processo se acelera ? Assim procedendo,  pensa acaso reter os seus anéis siríacos, inclusive a base mediterrânea em Latakia ?
 


( Fontes:  CNN, International Herald Tribune )            

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