terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Vítima da Vez

                         

      A crise da Grécia se arrasta. As reuniões da Zona do Euro e da União Europeia se sucedem. Apesar dos papeis serem conhecidos e o desfecho igualmente, a vítima da vez e os seus sócios/algozes continuam a proceder naquelas imagens de câmara lenta com que os cinéfilos amam visualizar a progressão dos desastres.
     Desde muito que a República Helênica viaja no reino da fantasia. Ao lograr a admissão na prelibada zona do euro - valendo-se de espertezas que é sempre bom lembrar não são de mão única, pois pressupõem a cumplicidade de quem abre a cancela – governo e povo hão de pensar terem dado salto de qualidade.
     Tais súbitas promoções costumam ser pagas mais adiante, máxime se se intenta montar economia de benesses e vantagens mil, sobre a mesma velha base do enjeitadado dracma. O drama grego é uma première de outros filmes, que já principiam a entrar em pré-apresentações em teatros ainda alternativos.
     Toda crise será mistura de passado e presente. A inchação ou a bolha é o crescimento artificioso, aquele que é a sala de espera de todas as crises financeiras – a começar pela de mister Law na alegre regência de Philippe d’Orléans, na França, pós- Luis XIV (segunda década do século XVIII) – todas elas sob a premissa desta vez, vai ser diferente !  Na construção da União Europeia e especialmente da zona do Euro se pensou apenas em primavera e verão. As regras da prudência e dos tempos difíceis – os de outono/inverno – foram deixadas de lado.
      Ao Banco Central Europeu não se deu os poderes dos congêneres em um país determinado. A Grécia – como a Espanha e Portugal, entre outros – julgou adentrar na mítica terra da Cuccagna, o país das maravilhas e o recanto da cigarra da fábula. A velha Hellas sempre me pareceu reminiscente de reino da fantasia, com um consumismo de país hiperdesenvolvido, vantagens para todos às mancheias, tudo isso montado sobre economia de antanho e tesouro de que as portas estão sempre abertas.
     A regra do consenso e das falsas unanimidades relembra a tragédia do antigo Reino da Polônia. No seu parlamento um voto negativo implicava em veto. Daí a dissolução interna que precedeu à tragédia anunciada das partilhas por seus ávidos vizinhos, os impérios de Rússia e Áustria, e o reino da Prússia.
     Como os Estados Unidos se tem esforçado em relembrar aos membros da zona do euro, a confederação das antigas colônias teve de ser substituída pela Federação Americana, para que a governabilidade fosse assegurada. Na Europa de hoje, se todos são soberanos, na verdade ninguém o é, porque toda casa dividida, o saber popular ensina, há de cair sobre si mesma.
     A ignorância, desejada ou postiça, terá sempre idêntico resultado, eis que quem ignora o passado está condenado a repeti-lo. Em crônicas precientes Míriam Leitão diz coisas  que os protagonistas da crise semelham não ter presente : a Europa deveria olhar para a América Latina dos anos 1980/1990. Não há soluções milagrosas quando as dívidas dos países não conseguem ser pagas.
    Na hodierna coluna, a verdade da semana seguinte, na velocidade de uma crise: a Grécia dará o calote, de que a certeza seria matemática. Os seus totais são acachapantes:  déficit de pelo menos 7,6% do PIB; dívida de 155% do PIB; juros 26 vezes mais altos do que a Alemanha; seguro contra o calote custa 55% do valor da dívida;  está em recessão de 7% com taxa de desemprego de 16,3%.
     O governo Papandreou paga uma conta que não é só sua, mas lhe coube pela sorte ser síndico da  massa falida. Os seus mentores continuam a exigir-lhe o cumprimento dos compromissos, condicionando as prestações devidas a impossíveis pagamentos antecipados.
    Em um teatro em que cada ator fala para uma audiência diversa – a alemã Angela Merkel, com todos os seus euros entesourados, não pode e nem deve ignorar o que pensa o eleitor alemão, que a cada eleição singular vem castigando a sua maioria da CDU; e de outro lado, Georgos Papandreou fala com a credibilidade de um devedor com a falência às portas – o desfecho será previsível.
    A vê-los se tem a impressão de contemplar uma corrida de lemingues. A única diferença é que neste caso os partícipes têm plena consciência de o que estão fazendo. O que não os impede de continuarem na desabalada carreira.

( Fonte: O Globo )

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