quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Partidocracia ou Presidencialismo

                              

          Semelha dificil entender que  pessoa do nível da primeira Chefe de Governo (na República) com o seu preparo doutrinal e acadêmico  tenha aceito como funcional e adequado esse aleijume de sistema de governo.
         Com efeito, o colunista político de O Globo, Merval Pereira, o considera  como ‘um dos maiores erros cometidos pela presidente Dilma na organização de seu ministério’. Realmente, seja em termos de teoria ou de prática política não faz sentido a sua aceitação de que ‘os partidos políticos assumam integralmente a responsabilidade pela indicação, não apenas do ministro, como de todos os demais cargos’.
        Tal sistema nada tem a ver com o presidencialismo – e, a dizer verdade, nem com o parlamentarismo. Se no regime parlamentar – e muitos dos defeitos da atual Constituição cidadã resultam de que foi a princípio elaborada sob o pressuposto do parlamentarismo – os partidos que integram o gabinete de maioria no Congresso indicam os responsáveis pelas Pastas respectivas, cujas designações são negociadas pelo Primeiro Ministro designado. Existe um programa básico de governo, que só pode ser implementado por políticos com bagagem técnica e credibilidade, e não por uma espécie de elementais partidários, a serem engolidos pelo chefe do governo, dentro do assim chamado sistema de cancela fechada.
        Se tais considerações são válidas para o regime parlamentar – em que o Parlamento tem presença político-partidária maior -, a fortiori, elas se aplicam para o presidencialismo, em que os ministros são demissíveis ad nutum, justamente por estarem no cargo por escolha do Presidente da República.
        Nesse notório ‘toma lá, dá cá’ em que foi transformado um sistema de governo que é suposto ser executivo, o ministério no regime lulista, e agora dilmista, se nos depara um monstrengo que na verdade tem dimensões congolesas, em que há pelo menos três camadas de ministros.
        O primeiro engano está na sua inchação, em que se atribui o mesmo nome a pessoas com diferente status político na prática (é sério um sistema em que Pedro Novais ou Maria do Rosario Nunes têm a mesma categoria do que Guido Mântega ou Gleisi Hoffmann ?). Dado o número dos ministros, a relevância de cada um e as disponibilidades de tempo da Presidente, não é crível  nem factível que a Chefe de Estado possa receber para despachos regulares quem se cinge a ser o dirigente nominal de uma secretaria de estado que não tem hierarquia substantiva para merecer a atenção de alguém que pretenda governar um país como o Brasil.
        Mais se reflita sobre o suposto regime lulista de administração – de que Dilma é o atual avatar – se intui que o sistema tem por princípio básico o empilhamento.     
        Baseado em amplo critério fisiológico, ao invés da reforma política – cuja necessidade por ser antinômica às vistas míopes e gulosas dos chefetes políticos se vê regularmente escanteada para as calendas de cada legislatura – se resolveu metamorfosear antigas secretarias e até subsecretarias em ministérios (v.g., pesca, turismo, assuntos estratégicos,  etc.). Cada ministério oferece pletora de funções gratificadas, com o ônus crescente dos gastos correntes no orçamento.
        Nos gabinetes parlamentaristas, o paquidérmico sistema lulista – em que são empilhados como se fossem equipolentes exemplares desiguais – é substituído por armação ad hoc, que tem a dupla virtude de ser funcional e não onerar com dispensáveis dispêndios o Erário. Na realidade, debaixo do Primeiro Ministro existem os Ministros de Estado, os Ministros singulares e temáticos, os Ministros sem Pasta, os Secretários e Subsecretários de Estados. Dada a sistêmica flexibilidade, nem todos têm acesso ao Primeiro Ministro, e nem todos têm nível de gabinete.
       Essa disposição de governo é a antítese do tosco empilhamento que vale como solução e não só para a ordenação ministerial. Tal  modelo se afigura recomendável como parâmetro, e não para eventual reinstituição no Brasil do regime parlamentarista. Em mais de uma oportunidade, ou não funcionou na prática, ou foi rejeitado em referendo.
      Sob o princípio do empilhamento, verifica-se que a Administração é encarecida e tornada disfuncional. O incremento geométrico das funções ministeriais – e de outras prebendas distribuídas aos partidos – representa  fator de ineficiência e de corrupção no Estado.
      Outra reforma de que se fala muito – mas que para a surpresa dos néscios jamais consegue fugir das frases nebulosas dos discursos de tomada de posse presidencial – é a fiscal. Viramos o país do impostômetro, em que tudo (ou quase tudo) se resolve pela criação de um novo imposto, temporário ou permanente. A própria Presidente, malgrado beirarmos os 40% de carga tributária – e o viés é para cima ! – não julgou oportuno propor a reanimação da CPMF só para a saúde ?
     Será por falta de imaginação, que se aplica o empilhamento – como acaba de tentar a própria Dilma – também para os impostos ? O governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) teve o bom senso de enjeitar este falso atalho. Fundos para bancar a saúde já existem, sendo a corrupção  a principal culpada do respectivo desvio em miríades de ralos – como a multiplicação dos burocratas e de seu poder, para atazanar os cidadãos, como nos mostra mestre Michel Foucault.
     O que se careceria no Brasil é que os nossos líderes – a começar pela Presidente – se detivessem nos fins de semana e repensassem a administração do Brasil. Na linguagem de Thomas S. Kuhn, o atual imperante paradigma está mais para phlogiston do que um princípio eficaz de governo. Não empilhar impostos e órgãos estatais, mas conceber respostas simples e adequadas para os reais problemas do país. O Estado e seus instrumentos – e os impostos respectivos – não devem imitar a patética obesidade engendrada pela alimentação pós-moderna.
    Ao sugerir a solução da reflexão e da simplificação para a encaminhar a superação do atual paradigma do empilhamento, devo confessar, no entanto, que um temor me acomete. Na terra dos grupos de trabalho e dos assessores com tarefas imprecisas, não se correria o risco de fabricar mais uma secretaria de estado ou até um ministério cuja função seria a de acabar com a selva ministerial ?...

                                                                                                        ( a continuar )

( Fonte subsidiária: O Globo )

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