quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Entrevista Fantástica ?

                              
       No domingo passado, a presidente Dilma Rousseff concedeu entrevista a Patrícia Poeta, no programa de variedades Fantástico. Patrícia é conhecida – e admirada - pela simpatia e  plácida beleza. Tem experiência televisiva, havendo sido inclusive correspondente nos Estados Unidos.
      A sua prática se estende a entrevistas com personagens do noticiário jornalístico, em viés humano, que ela  conduz com  jeito afável e tranquilo. Simpática, encantadora mesmo,  não lhe faltam admiradores, como Luis Fernando Veríssimo.
      Sem embargo, a conversa com a Presidente da República, ainda que inserida em horário com as características do Fantástico, representou um desafio para a jornalista, com a relevância e as implicações políticas de diálogo exclusivo com a primeira magistrada da Nação.
     Ora, esta área não é de sua especialidade. Talvez haja sido a circunstância que lhe tenha facilitado a anuência presidencial, dado o formato do encontro televisivo que fazia presumir. Em outras palavras, para a Rede Globo haveria menos dificuldades com o Planalto. A escolha de Monica Waldvogel ou de Marília Gabriela, por indicar um enfoque diverso, tampouco se coadunaria com o público do Fantástico.
     Dessarte, a tarimba de Patrícia Poeta não é exatamente a política. Nem a sua postura faria lembrar uma Oriana Fallaci (1929-2006),  temida entrevistadora italiana (entre muitos entrevistados, Henry Kissinger, Ayatollah Khomeini).
     Por isso, há de intuir-se que Patrícia se terá servido de uma pauta, para os dois campos da conversa. Presume-se, assim, que haja memorizado os quesitos. A par disso, a pergunta “Como a senhora controla esse toma lá, dá cá, digamos assim, cada vez mais sem cerimônia das bancadas ? Como é que faz esse controle ?” teve reação imprevista de Dilma. De interrogada, passou a interrogadora: “Você me dá um exemplo do dá cá e eu te explico o toma lá.”
     É um recurso válido da pessoa entrevistada.
     A sequência, no entanto, enfatizou o relativo despreparo da entrevistadora. Quando se coloca uma pergunta, se deve ter um ‘plano B’, justamente para evitar a situação em que ficou Patrícia, desconcertada, emudecida por desenvolvimento com que não contava.
     Nesse contexto, a Presidente, diante do embaraçado silêncio de sua interlocutora, mudou rápido de tom, dizendo: “Tô brincando contigo”.
     Em instantes, duas imagens de Dilma. A durona, a que não resiste a sapecar um ‘minha filha’ a um questionamento inconveniente, e o novo avatar, para consumo eleitoral, da presidenta brincalhona.
     Essa abrupta mudança de tom decorreu da presumível conscientização de que a reviravolta fora maior do que seria desejável. Em um diálogo, a vantagem é um dado positivo. Reza, no entanto, a sapiência política, que o triunfo da parte não deve ser esmagador, porque a humilhação da interlocutora vencida pode levar à contra-reação do público, pelo seu eventual desconforto com o espezinhamento da adversária.
     Dilma Rousseff evidenciou habilidade, porque o seu eficaz contragolpe – a troca de personas - tinha sido saudado pelas gargalhadas da claque presidencial. Cortina rápida, e diante da perturbada Patrícia ressurge salvadora a Dilma boazinha dos marqueteiros.
     Se a ocorrência finda, em atmosfera de recosturada cordialidade, seria útil que se desmistifique a entrevista presidencial. Nas relações da presidência com a imprensa , inclusive a televisiva, o Brasil ainda engatinha. A entrevista coletiva, a que o nunca dantes presidente eludiu, por intuídas razões pessoais, durante os dois mandatos, deveria ser instituída.
    A democracia tende a fruir mais dos diálogos. Nada mais informativo ou esclarecedor do que entrevista aberta, com os jornalistas autorizados, para que os grandes temas e os do dia-a-dia entrem na telinha, com transmissão ao vivo e sem cortes.
    Nas múltiplas veredas da democracia se nos depara esse aprendizado das coletivas. É dessas coisas que se só aprende fazendo. Dado o longo intermezzo da Redentora, quanto mais cedo se banaliza esta prática – que em outras plagas não é tida como bicho de sete cabeças – melhor será para o regime democrático.


( Fonte: Folha de S. Paulo )

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