sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Khamenei e a Primavera Árabe


           Em solene discurso televisado, o Supremo Líder do Irã, Ayatollah Ali Khamenei advertiu o Ocidente para que não procure tirar vantagem dos levantes que convulsionam o mundo árabe.
           Pronunciada ao ensejo do feriado religioso do Id al-Fitr, com que se encerra o mês sagrado do Ramadã, a alocução de Khamenei semelha não querer entender o significado democrático da primavera árabe. Os déspotas que afirmam o próprio poder pela violência e a repressão, entreveem manobras diabólicas e influências alienígenas no rastilho de fogo revolucionário que se estende pela Arábia.
           Compreende-se a sua congênita dificuldade em acreditar nos ideais da democracia. Lançada pelo martírio de Mohamed Bouazizi, o verdureiro tunisiano cujo sacrifício desencadeou o fim da trintenal ditadura de Ben Ali, a revolução árabe responde aos anseios de liberdade e de melhores condições existenciais.
           O nervosismo do clérigo de Teerã se explica ulteriormente pela ameaça colocada por novas condições revolucionárias. O Supremo Líder Ali Khamenei sucedeu ao Ayatollah Khomeini que foi o vetor da revolução do povo iraniana contra o regime do Xá Reza Pahlevi. Desde 1979, no entanto, muita coisa mudou no Irã, como a maciça fraude eleitoral de 2009 veio demonstrá-lo. O regime dos ayatollahs se transformou em ditadura, enquanto cresce a insatisfação de largos segmentos da população.
           Em seu discurso, Khamenei nos enseja uma visão peculiar do movimento árabe democrático. Para ele, o levante “no Egito, Tunísia, Iemen, Líbia, Bahrein e certos outros países (sic)” corre o risco de criar grandes problemas por decênios para o mundo islâmico se prevaleceram “os poderes imperialistas e hegemônicos e o Sionismo, inclusive o tirânico e despótico regime dos Estados Unidos”.
           É conhecida a linguagem do regime dos ayatollahs, mas o que desperta espécie é a maneira contorcida com que Khamenei se refere à Síria de Bashar al-Assad. Sem referi-lo expressamente, é a sorte do regime do aliado Assad que inquieta deveras o Lider Supremo.
           A preocupação com a eventual queda do ditador dinástico al-Assad se acentua pelo caráter desastroso que tal acontecimento poderia acarretar em termos de isolamento do Irã. Com efeito, a Síria tem sido conveniente intermediária para organizações financiadas por Teerã, como o Hezbollah. O xeque Hassan Nasrallah, que é o chefe dessa organização cujo poder e influência representam ameaça para a frágil democracia libanesa, não trepidou em estigmatizar a oposição democrática: “aqueles que levam adiante a rixa sectária na Síria querem destruir o país”.
           Diante da sombria perspectiva de que o regime alauíta de Bashar al-Assad venha a seguir o caminho da Jamairiya de Kaddafi, a própria retórica do regime iraniano vem refletir a ansiedade em evitar tal calamidade. Nesse sentido, o ministro do exterior iraniano, Ali Akbar Salehi, conclamou o governo de Assad a reconhecer os legítimos reclamos do povo sírio. Posto que a linguagem seja ainda bastante vaga, releva assinalar ser esta é a primeira colocação da validade do movimento sírio pelo regime dos ayatollahs.
           Malgrado o apoio que a Síria continua a receber da Federação Russa e da República Popular da China no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas – o que tem até agora inviabilizado sanções econômicas e financeiras contra o governo de Damasco – se continuar a progressão de um enfrentamento generalizado naquele país, com a difusão da resistência e do esvaziamento do apoio de setores importantes da população, essa ajuda russa e chinesa perderá progressivamente qualquer eficácia, até se tornar postura irrelevante, de que a própria vacuidade descamba para um desprestígio sempre mais incômodo.



( Fonte: International Herald Tribune )





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