domingo, 11 de setembro de 2011

Complexo do Alemão e as UPPs

                             
         A UPP (unidade de polícia pacificadora) do Morro de dona Marta foi o plano piloto desta iniciativa do Secretário de Segurança Mariano Beltrame. Atualmente são dezoito as implantadas. Por ter sido  projeto que pretende ser a resposta à cidade partida de Zuenir Ventura, foi recebido com entusiasmo e até mesmo alvoroço.
        O crescimento das favelas no Rio de Janeiro representa grande desafio para o Estado, na medida em que essas comunidades crescem autonomamente, sem que a autoridade governamental, excluidas dessultórias incursões pela Polícia Militar, nelas tivesse qualquer controle. Nas favelas, redutos do tráfico de entorpecentes e de outras atividades ilícitas,  os seus moradores constituem verdadeiros reféns da ilegalidade, obrigados muita vez a submeter-se a cruéis e absurdas determinações das chefias do tráfico, transformadas em verdadeiros senhores feudais.
        O desenvolvimento alternativo – a aparição das chamadas milícias – representou  falsa alternativa. Aquelas favelas em que a milícia se substituíu ao tráfico na verdade implica apenas na mudança de um domínio ilegal, em que os habitantes continuam a ser as vítimas de outro poder estranho ao Estado.
       O projeto de Beltrame, encampado pelo governador Sérgio Cabral, veio trazer esperança para todo essa vasta área do Rio de Janeiro, com vistas à expulsão do tráfico (ou da milícia) e a inserção plena dos moradores das favelas com UPPs na cidade. Em outras palavras, em tais áreas a cidade partida seria coisa do passado.
       Paradoxalmente, talvez um dos maiores perigos para o projeto da UPP tenha sido o seu êxito inicial e as esperanças que trouxe para largo segmento demográfico.
      Dentre os diversos desafios para o projeto, singularizo dois entre os principais. Para evitar corrupção na força policiadora, a P.M. , a Secretaria de Segurança faz integrar a unidade por elementos recém-admitidos na polícia militar. No entanto,tal providência não elude a baixa remuneração do efetivo, que se afigura uma das precípuas razões do desvirtuamento nas funções dos PMs.
      Por outro lado, a UPP não tem conferido a ênfase necessária ao aspecto social. Passado o primeiro momento, os especialistas na matéria têm manifestado suas preocupações com a não-integração sob os auspícios da UPP da comunidade no acesso a serviços indispensáveis de que fruem os bairros citadinos. O lado policial tem de ser complementado pelo aspecto social, de modo a evitar que a presença do estado não seja capenga.
      A população carioca saudou com expectativa assaz positiva o novo projeto, que apontara caminho promissor para superar o que representa a favela em termos de renúncia de soberania territorial, com todos os seus efeitos decorrentes.
       Nesse quadro, a operação do Complexo do Alemão, realizada com a participação determinante das Forças Armadas,  marcou com a rápida debandada da bandidagem – quem não se recorda de tê-la visto escapar em várias centenas – um sucesso enganoso, na medida em que o exército (com o aporte das outras duas forças) se assenhoreou para o Estado do retorno de domínio efetivo de imensa área urbana. Sem embargo, a reconquista do Complexo do Alemão repetia, mutatis mutandis, o êxito anterior das UPPs, posto que ainda nenhuma UPP haja sido instalada na grande área abrangida. E repetia com deficiências que vem aparecendo em unidades de polícia pacificadora.
     Não se pode duvidar das boas intenções e do empenho dos comandos militares a que foram cometidas tarefas para as quais o militar não está formalmente preparado,embora tais delimitações devam ser encaradas de modo não-rígido, como o próprio trabalho de contingentes do nosso exército no Haiti tem sobejamente demonstrado.
    Não tenho elementos para determinar se os incidentes recentemente ocorridos no Complexo do Alemão foram provocados ou não. De qualquer forma, essa hipótese é demasiado plausível, para que possa ser afastada, a fortiori se tivermos presente a súbita ressurreição do tráfico, baseado em dois morros contíguos, e com o emprego de balas traçantes, num esquema de viés midiático.
    A insegurança subitamente reintroduzida na operação – e nas perspectivas da população civil, que é a principal interessada no afastamento definitivo do tráfico – veio trazer uma advertência de peso.
    Tudo tem sido feito sob a premissa de que está em curso  movimento irreversível. A própria instalação de um custoso teleférico é prova disto. Muita vez, é vezo de nossa gente queimar etapas, como se as ameaças pregressas houvessem sido eliminadas. Acredita-se na força inercial de um projeto sem dúvida relevante, mas não se deve esquecer que se carece de dar condições objetivas para que a conquista seja sólida. Em outras palavras, em uma símile castrense, nenhum comandante se aventura em novo território, sem garantir a respectiva retaguarda.
     No entanto, a ocupação do Alemão – como aquelas realizadas para a instalação das UPPs – optou – por uma série de razões todas decerto válidas – em criar condições para que os elementos do tráfico batessem em retirada.
     Ninguém é ingênuo para pensar que esses meliantes fugiam para reorganizar suas vidas, reingressando na legalidade. O próprio tamanho da área ocupada, as iteradas sinalizações de que o tráfico ensaiava um retorno clandestino, alertavam para a inevitabilidade de possível e até provável contestação da expulsão.      
    No meu entender, a UPP é  conquista importante, mormente por ter iniciado um projeto com possibilidades de reverter o sombrio quadro da cidade partida. Por não ser fórmula mágica, carece, no entanto, de ser implementado com cuidado, buscando corrigir-se as respectivas imperfeições.  
     Será exigir demasiado ?

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