terça-feira, 27 de setembro de 2011

Desta Vez Será Diferente ?

                                   

        Essa estranha aposta, que tem norteado a todas as crises do capitalismo, desde a degringolada do sistema de Mr. Law, na regência de Philippe d’Orléans (século XVIII), pelo visto não se aplica apenas ao mercado financeiro e a seus planos irresponsáveis, como o da recente crise de 2008, que estourou com a falência do Banco Lehman Brothers, e todas as consequências que temos bem presentes na memória.
       No panelão das bolsas e do nervoso mercado -  esse enorme vulto, que não tem identidade nem domicílio, mas parece ter vontade e caprichos próprios – se cozem a dívida grega e a perspectiva de outro inexorável calote. A origem das bancarrotas, se possui  um marco zero conhecido, costuma transformar-se em buraco negro, de mil bocas e cumplicidades, cuja súbita insaciabilidade sinaliza tempestades e desgraças desproporcionais aos seus acanhados e esquálidos princípios.
      Nessa hora de ritual tomada de contas, exposto o tecido esgarçado dos ativos podres e das carteiras dos sólidos bancos de repente fragilizadas, será o momento da verdade, triste verdade que traz com ela tanta miséria e sofrimento, cruelmente distribuídos entre ricos e pobres, pequenos e grandes.
      A Presidente Dilma Rousseff, em seu celebrado discurso de abertura da Assembleia Geral, declarou que a resistência do Brasil à crise não é ilimitada. Deus e ela sabem o que jaz no bojo dessa algo obscura frase. Presume-se que seja advertência importante, mas o segredo é a alma do negócio.
      De toda maneira, pairam no rarefeito ar das alturas do poder intenções e propósitos que são suscetíveis de provocar mais estragos do que as inquietudes que pretendem dissipar.
      A despeito do corte inesperado dos juros pelo Copom, e da anunciada e oficial previsão de queda da inflação, os sacrifícios perante o deus Baal não surtiram o efeito augurado.
      A Chefe do Governo não tem a intenção, contudo, de renunciar aos seus princípios desinvolvimentistas. Em meio a  nova crise internacional – com todas as suas sequelas de baixa na procura e consequente queda nas cotações das commodities (passam as décadas e continuamos a depender das matérias primas, que são o canário[1] das crises internacionais) – as ordens para o exército econômico determinam que se vá em frente. Para tanto, o Banco Central – cuja autonomia se tornou apenas um retrato na parede – deve baixar mais a taxa Selic, para o indispensável estímulo ao consumo.
      A falange dilmista avança contra um inimigo solerte, mas, não importa, porque desta vez vai ser diferente ! Malgrado a crise que ronda como os antigos mouros as nossas costas, o governo deve privilegiar o crescimento, e ignorar o perigo de alimentar ainda mais o dragão – cuja força já é prevista para estourar a meta projetada pela autoridade econômico-financeira.
        Em um cenário similar, mas não de todo, no governo Lula, se reforçara a tendência à carestia, por mascarar-se as altas nas cotações como se fossem efeitos sazonais e, portanto, efêmeros. Com todo o arsenal que o Brasil herdou em termos de instrumentos de preservação da chama inflacionária – que são os inúmeros índices – não há de estranhar que a alta dos preços se torne criatura de controle muito mais dificultoso do que em outras plagas – que não passaram pela hiper-inflação, nem possuem a propensão a essa cultura de cobiça burra posto que persistente.
        Será que esse surto irresponsável de greves, não acende nenhuma luz nos gabinetes do Planalto ? Vejam, companheiros, que a dos correios  -  estender-se por catorze dias como se fora algo desimportante que pode apodrecer sem maior prejuízo  sócio-econômico – se junta outra, a dos bancos, lançada com pompa e circunstância na data hodierna, para atazanar a sociedade, na respeitável ânsia de partir logo para os finalmente. Porque  têm pressa, pedem a compreensão do público. Se se transforma a greve não em arma de última instância, mas em recurso corriqueiro, de uso imediato, estamos trazendo outros espíritos para fora do frasco.
        Não importa ! Pelo desenvolvimentismo, desmontemos o tripé anti-inflacionário. Saudemos os companheiros em greve ! Se no passado tudo acabou em pântano estagnado, desta vez, vai ser diferente !



( Fonte:  O  Globo )       



[1] O canário era levado pelos antigos mineiros quando adentravam as minas. A sua súbita morte era o sinal de gases letais, e do perigo extremo que apontava para a necessidade imediata de abandono do local.  

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