segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Comissão da Verdade ?

   
        Em sua coluna semanal, sob o título Longe da Verdade, Ricardo Noblat escreve dos óbices para o funcionamento da chamada ‘Comissão da Verdade’.
       As dificuldades que Noblat aponta são reais. Permito-me, no entanto, acrescentar mais uma, qual seja a premissa a que se condicionam todas as questões relativas ao enquadramento latu sensu das forças armadas sob o controle do poder civil.
       No Brasil, a terra do jeitinho, esta premissa não se aplica.    
       Apontemos, de início, os sintomas dessa perturbadora ausência.
      Em nosso país, há uma relação de temor quase reverencial da sociedade civil perante o poder castrense. Esse caráter timorato se reflete na sobrevivência de institutos que inexistem em países vizinhos, notadamente a Argentina, como, v.g., a permanência de uma justiça militar. Encastelada na Constituição de 5 de outubro de 1988, tal justiça, abolida na Argentina e no próprio Chile, tem aqui nível de tribunal superior, abaixo apenas do Supremo Tribunal Federal.
      Ao contrário de autoridades como o Presidente Raul Alfonsin, em países em que o estamento militar exercera o mando com violência ainda maior do que a praticada por nossos generais-presidentes, e que não pediram licença para que os responsáveis, em todos os níveis, respondessem por seus crimes, o poder constitucional no Brasil trata o estamento militar com estranha deferência.
     Essa peculiar característica é partilhada pelos políticos brasileiros em geral. A menção feita por Noblat ao temor do Presidente Lula – que estaria na raiz da condenação do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, por não haver investigado os crimes praticados durante a ditadura militar (1964-1985) – se me afigura injusta.  Lula é apenas um exemplo das excessivas atenções – que outros chamariam subserviência – do poder constituído à farda, como deparamos, v.g., igualmente no seu antecessor Fernando Henrique, que consumiu interminável espaço de tempo para criar, a partir do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), o que seria o Ministério da Defesa.
     No Brasil, são extremamente raros os políticos que têm consciência da autoridade do poder civil, que lhes é atribuída pelo voto da cidadania. Citaria apenas dois dentre nossos presidentes: Epitácio Pessoa e Getúlio Vargas. Diga-se, outrossim, a respeito desses dois estadistas, que no seu tempo não havia a rede consuetudinária que hoje, na prática, inviabiliza os golpes militares.
     O poder civil, a começar pela sua máxima autoridade, se deveria primeiro respeitar, para que em seguida exerça, na sua plenitude republicana, as inerentes atribuições, inclusive a de se fazer respeitar, pela implementação de suas prerrogativas constitucionais e legais, de todos os respectivos subordinados.
    Não há poderes diferenciados na República, nem a outorga de privilégios que não estejam fundados na letra da lei.
    Essa índole timorata do poder civil será um fator cultural, mas Fernando Henrique Cardoso, que experimentou o exílio, e Luiz Inácio Lula da Silva, que padeceu a prisão, tinham amplas condições de transcender esse impedimento, como o fizeram os seus homólogos argentinos.
       A Presidente Dilma Rousseff será talvez a pessoa indicada para essa tarefa propedêutica para a sociedade. Chefe de Estado eleita pelo colégio soberano da Nação brasileira não negocia com subordinados, nem pede licença a quem quer que seja, para cumprir com os seus deveres constitucionais.
       Mais do que qualquer outro, Dilma Rousseff aprendeu a dura lição que a falta de respeito com a atenção ao exercício irrestrito, mas dentro da lei, das respectivas prerrogativas terá condicionado o poder civil lato sensu a curvar-se diante dos reiterados excessos de condestáveis e de sua tropa.
      O Brasil carece de superar – e o quanto antes, melhor – esta capitis deminutio, que faz nossas instituições republicanas agirem como se estivessem sob a sombra de ameaça discricionária. Precisamos entrar no século XXI, mêmores de que não há espaço para absurdos como negar a imprescritibilidade da tortura – um crime contra a Humanidade, como ainda o fez a maioria de nossa Corte Suprema. Nem tampouco todas essas mesuras incôngruas e vexatórias, como se ao lado agressor fossem devidas todas as atenções.
     Presidenta, nomeie gente digna e equânime para a Comissão, no pressuposto de que a sua força inercial, baseada na justiça e na equidade, se sobreporá aos débeis intentos dos fâmulos da ditadura e seus descendentes de buscar ocultar aquilo que deve brilhar na luz da verdade, na homenagem devida às vítimas caídas pelos desmandos de um passado ainda recente.
 

( Fonte:  O Globo )   

      

Um comentário:

Art Rotspainer disse...

Olá, tudo bem?

Você já viu o grande estudo que o Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) fez a respeito das 80 ações do governo FHC que mudaram o Brasil? O documento encontra-se neste link: 

http://fhcsemeando.blogspot.com/p/80-medidas-estruturantes-do-governo-fhc.html

Fique à vontade para publicar o post ou usá-lo como fonte em seu blog. E, se possível, divulgar esse material pelo twitter com a hashtag #FHC80

Muito obrigado.