O presidente
da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, diante de ulterior prova de que o
governo dos Estados Unidos não está interessado em terminar com a ilegal
ocupação dos territórios palestinos por Israel, resolveu cruzar o Rubicão e
assumir postura de país com igualdade de direitos no campo internacional.
Que prova foi
esta? Com efeito, diante das resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas– que, no papel, deveria garantir a soberania palestina nos
territórios da margem ocidental do Jordão, territórios esses que ultimamente
vem sendo objeto de descarada e ilegal ocupação pelos chamados colonos
israelenses, com o resoluto apoio do gabinete de Benjamin Netanyahu – a posição
palestina é inatacável.
Mais uma
resolução no Conselho de Segurança foi derrotada – na verdade, tal ‘derrota’
resulta apenas do voto contrário de Washington, eis que os Estados Unidos é uma
das cinco grandes potências que detém o veto naquele organismo. Cansado das
promessas da Casa Branca – que não são mantidas quando atingidos os interesses
de Israel, ainda que manifestamente contrários ao direito internacional e seus
precedentes – o presidente Mahmoud Abbas resolveu afinal agir.
O que acionou
a reação palestina foi a enésima derrota de resolução que determina o fim da
ocupação israelense do território palestino em 2017. Diante de mais um malogro
da orientação de confiar em Washington como gestor honesto (honest broker) das
relações israelo-palestinas, o ultramoderado Mahmoud Abbas se cansou das
negaças da Administração Obama, e resolveu valer-se de sua carta de última
instância.
Desiludido pelas
contínuas protelações do State Department, e de mais uma enésima prova de que
na hora da onça beber água, Tio Sam estará sempre ao lado de Israel, assim se
manifestou – e agiu – o Presidente da Autoridade Palestina:
“Há uma
agressão praticada contra nossa terra e nosso país, e o Conselho de Segurança
nos deixou de lado (let us down): para onde nos resta ir ?”
Esta foi a
declaração do ultramoderado presidente Abbas, no seu gabinete na Cidade de
Ramallah, na Margem ocidental do rio Jordão, ao assinar, afinal, o Estatuto de Roma, a Carta da Corte Penal Internacional, assim como outros 21
tratados e convenções internacionais.
Mahmoud
Abbas, cuja popularidade despencara desde a última guerra entre o Hamas e
Israel, estava com as costas na parede diante da pressão popular e de outros
líderes palestinos para ingressar na Corte da Haia.
Entre a
cruz e a caldeirinha, espanta que Mahmoud Abbas haja esperado tanto antes de
tomar a decisão. “O nosso propósito é queixar-nos para essa organização.
Enquanto não há paz, e o mundo não dá prioridade à paz na região, a região há
de viver em conflito constante. A causa da Palestina é uma questão básica que
clama por ser resolvida.”
Diante do
manifesto desrespeito do gabinete Netanyahu e de Israel ao direito
internacional, e às inúmeras resoluções do Conselho de Segurança que criam
condições de paz no Oriente Médio e em particular na margem ocidental do
Jordão, o recurso à Corte da Haia era porta aberta que agora Abbas, com a sua
posição reforçada, resolve enfim adentrar.
Nesse
contexto, a Autoridade Palestina terá todas as condições para pôr em juízo a
ilegal e invasiva política israelita. Ao tornar-se membro da Corte da Haia, o
governo de Mahmoud Abbas disporá das necessárias condições para colocar no
banco dos réus não só a política de colonização israelense (feita sempre às
expensas do povo palestino), assim como as abusivas operações militares do
Tsahal.
A
própria resposta do governo estadunidense e do Estado clientelar israelense trai,
pela dureza de seus termos, a irremediável fraqueza de sua posição, eis que só
recorrem à ameaça crua e sanhuda aqueles governos sem outra escolha senão a de postura imperialista. Com efeito, não lhes
resta outro recurso senão apelar para a força e a sua próxima parente, que é a
tentativa de intimidação.
Para
manter a atual situação de vassalagem a que está ora submetida a Autoridade
Palestina, são brandidos diversos espantalhos e também sérias ameaças para
desestabilizar a causa palestina.
Antes
que possa acionar a Corte da Haia, a Autoridade Palestina terá de aguardar
sessenta dias, para submeter à Corte as próprias causas. Não há dúvida de que
estarão devidamente documentadas em todos os seus aspectos de desrespeito aos
direitos do Povo palestino. A insolente e manifesta expropriação de terras
palestinas, instrumentalizada pelo Gabinete Netanyahu, é feita com a sutileza e
a arrogância da ocupação militar.
Cansado de bater diante de porta que, na prática, está fechada, o ‘moderado’
Mahmoud Abbas surpreendera a Casa Branca
e o cliente Israel, ao aderir a quinze tratados e convenções internacionais,
depois que nove meses das sólitas conversações diplomáticas guiadas por
Washington estavam prestes a malograr.
Os instrumentos internacionais a que aderiu a Autoridade Palestina são
as quatro Convenções de Genebra de 1949, e os protocolos adicionais de 1977
sobre as leis da guerra, a par daqueles que tratam da discriminação contra
mulheres e crianças.
É
interessante notar que, salvo erro ou omissão, até hoje o Brasil não firmou
alguns desses protocolos adicionais de Genebra, muito provavelmente por temor
de desagradar as instâncias internas castrenses.
Assinale-se
que a relação entre a superpotência Estados Unidos e o estado clientelar de
Israel já mudou bastante desde a criação do Estado israelense pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em 1947, e sobretudo a partir da presidência Richard Nixon e de
Henry Kissinger como Secretário de Estado – quando na prática a relação de influência
se inverteu. Cresceu o poder intimidatório de Israel nas relações com a Casa
Branca, dada a popularidade do estado judaico no Congresso americano. Assim,
houve relativa inversão nas relações entre cliente e potência tutelar. A força
de Tel-Aviv se baseia notadamente no seu peso político objetivo junto ao
eleitorado americano, o que tem desaconselhado os primeiros mandatários da
Superpotência a tomarem posições que possam ser interpretadas como contrárias aos
interesses de Israel. A atitude de Barack Obama, no particular, é bastante
ilustrativa. Desde a sua posse em 2009, malgrado as suas relações pessoais com
Bibi Netanyahu não sejam próximas (este apoiou abertamente Mitt Romney, o candidato
republicano em 2012) ele não ousou
mostrar maior equilíbrio na mediação entre os dois países. Por isso, se vê a
reboque das posições de Israel, como no recente veto à resolução que poria fim
à ocupação israelense em 2017. De nada valeram nesse sentido os apelos do ultramoderado
Abbas.
( Fontes: The New York
Times, Estados Unidos –Visões Brasileiras (v. a pp 109-337 contribuição de
minha autoria )