Podem definir-se como desfaçatez ou
cinismo, as observações do Presidente da Federação Russa, Vladimir V. Putin, no que
concerne às sanções aplicadas pelos Estados Unidos e a União Europeia contra o
seu país. E dão desconfortável sensação de mentalidade imperialista, como se
não existisse o sistema das Nações Unidas, e que ainda vivêssemos sob a égide do
direito do mais forte.
Considerar ‘ilegais’ as aludidas sanções é dar prova
de atitude psicológica – que prefiro não aprofundar – e que evidencia
preocupante dissociação entre duas vertentes da realidade, como se ao Kremlin no que tange aos países menores
colindantes tudo fosse permitido, a exemplo dos velhos e malfadados tempos do chamado concerto das grandes
potências do século XIX.
Barack
Obama apodou a Rússia de poder
regional, vincando adrede o recente desmoronamento da União Soviética, e o
breve interlúdio de Washington como
solitária superpotência.
Pelas
trapalhadas de George W. Bush, e a sua ruinosa aventura na fátua busca das
armas de destruição de massa (WMD) do ditador Saddam Hussein, adentrou-se mais rápido do que o esperado no que A.J. Toynbee definiria como período
intermediário de estados sucessores de ordem pregressa.
Seja por
inépcia, ou húbris do citado 43º Presidente,
a decantada superpotência se viu a braços com o chamado declínio, que se
reflete em muitos aspectos do poder estadunidense. O livro famoso de Oswald Spengler – A Decadência do
Ocidente – saíu de empoeiradas estantes, para relembrar-nos da peripeteia (súbita mudança de situação)
em que a então chamada Grande Guerra (1914-1918) nos introduziria para as calamitosas
desgraças do século XX.
Mas voltemos às declarações do Presidente
russo, dadas à agência estatal Tass,
ao ensejo da reunião deste fim de semana da Cúpula do G-20, em Brisbane, na Austrália.
“As sanções
econômicas impostas pelos Estados Unidos e a U.E. contra a Rússia são ilegais.”
No entender de gospodin Putin, “as sanções vão contra o princípio das atividades
do G20 e da Lei internacional, já que somente podem ser introduzidas por meio
das Nações Unidas e seu Conselho de Segurança”.
E aduz o Presidente russo: “Claro que as sanções causam certo dano a
nós, mas também são prejudiciais aos Estados Unidos da América, porque todo o
sistema de relações econômicas
internacionais está sendo debilitado.”
Não
surpreenderá a seus compatriotas não só a expressão marmórea de Putin, quanto a
eventuais discrepâncias de seus juízos da realidade circunstante.
Chamar de
cinismo a sua atitude – e com ela surpreender-se – seria dar prova de
ignorância no que tange as eventuais reações do Senhor do Kremlin. A má-fé está
presente em dois aspectos que nada têm de tangencial. Por um lado, a
Federação Russa é membro permanente do Conselho de Segurança, com direito
absoluto de veto sobre questões examinadas por aquele colegiado, e que porventura
estime de seu direto interesse. E, mesmo que preferisse abster-se, teria na
aliada China o voto que anularia qualquer eventual providência dirigida contra
Moscou.
Por outro
lado, a maneira com que Putin vem intervindo na Ucrânia é outro exemplo
gritante de comportamento totalmente contrário ao respeito dos tratados, do
direito internacional e dos pacta sunt
servanda. A começar pela descarada invasão e anexação da península da
Crimeia. Não satisfeito com tal conquista, Vladimir Putin vem metodicamente seguindo
política de desestabilização da Ucrânia oriental.
Em termos
de interferência nos assuntos internos de país fronteiriço, não poderia ser
mais cínica e multifacética. O princípio básico de Moscou no que tange à
Ucrânia é a criação de situações de insegurança no território vizinho.
Dessarte, o restabelecimento do poder territorial de Kiev será sempre
contrastado, se as forças militares desse país estiverem na iminência de
dominar o suposto secessionismo.
Vladimir
Putin considera ilegais as moderadas sanções
do Ocidente. Como definiria as suas
repetidas intervenções no território ucraniano? Elas contrariam a própria lei
russa, que proíbe o emprego de conscritos em aventuras militares, o que tem
redundado na volta desses soldados para o solo da Mãe Pátria, só que de forma
permanente (caixões ou body bags).
As
sanções contra a economia russa, por delimitadas que sejam, incomodam e são o
único instrumento disponível para o Ocidente
de constranger o Presidente Putin a restabelecer a legalidade e o
respeito mútuo no que tange aos países de seu entorno. A Ucrânia é apenas um
exemplo, e o apoio colhido por Washington junto às demais nações vizinhas da
Federação Russa diz muito sobre a real situação causada pela irrequieta
potência regional.
( Fonte: Folha de S.
Paulo )
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