quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Fábula da Reeleição ou o que será do Dilma II ?

                      

            O leitor conhece a minha opinião sobre a reeleição. Respeito Fernando Henrique Cardoso, que sempre me deu provas da sua fé democrática, e de seu sentido republicano, que não se traduz apenas em aparências, mas também no comportamento do dia-a-dia.

              No entanto, por estar acima do comum dos mortais, FHC terá errado ao aplicar para consumo geral a extensão da faculdade de prorrogar o respectivo mandato.

             Com o seu conhecimento humanista, o culto discreto da ironia – que é a visão facetada e filtrada das humanas idiossincrasias – o professor e sociólogo bem faria se não abrisse esta cancela na terra de Pindorama.

             A nossa história política, se para alguns pode parecer tragicomédia, a deusa Túxe não nos foi de todo adversa. Se o jovem Imperador acedeu em pagar ao velho Pai uma inexistente dívida, os cronistas compreenderam o suposto dever filial. Se o tempestuoso primeiro reinado cuidou de preservar os limites do Império (com a nota de pé de página da Cisplatina, por culpa, dizem, da Domitila) – e já não foi pouco – e as regências trina e uma nos trouxeram o digno Padre Feijó, o hábil Marquês de Olinda. De permeio, começou a luzir o gênio de Caxias com as vitórias sobre as revoltas separatstas, o que diremos do aparente remanso do Segundo Reinado. Encetado pelo famoso ‘quero já!’ do adolescente, neles se sucederam, com habilidade e discrição o que se chamaria depois dos estadistas do longo reinado de Pedro II.

             Sabendo intercalar os liberais – que o encetariam em 1840 e o terminariam para geral infortúnio em 1889 – e conservadores, enquanto não nos contaminou a questão militar pelas dubiedades do Marechal Deodoro,  o Brasil seria, na palavra célebre de estadista portenho, a única república sul-americana. Foram quase cinquenta anos de democracia – censitária, é verdade, mas conforme os mores oitocentistas, e com um Soberano que, por democrata ,suportava excessos que não lhe mereciam.

            Na primeira fase da República, luziu o Barão do Rio Branco, quase unanimidade nacional – no Brasil, muitos consideram burro o apoio unívoco. Recebendo o facho da diplomacia de Estado, com que o segundo Império concluira a obra de Alexandre de Gusmão, brasileiro, mas moço de escrivaninha de D. João V – que com risco magnífico de gerações de bandeirantes e padres matemáticos - nos legou o Tratado de Madri, José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco que no Palácio Itamaraty colhera os frutos plantados por tantos silentes diplomatas e por infatigáveis negociadores, como D. Duarte da Ponte Ribeiro, iria morrer no acanhado salão, transformado em pouso e gabinete, na manhã de dez de fevereiro de 1912.

           Rio Branco se transforma – e não da noite para o dia – em unanimidade nacional, construída por vitórias arbitrais, em que o estudo e a habilidade diplomática, com os contributos de gerações de diplomatas, iria guindá-lo a espaços que desafiam a definição, embora possam irritar a aurea mediocritas que costuma seguir.

          Nos passos largos da história, a República Velha cederia com seus carcomidos, assistiria no seu carro rumo ao exílio a partida de Washington Luiz, na ritual companhia do Cardeal Sebastião Leme. Viriam os tempos novos da Revolução de Trinta, sob a chefia de Getúlio Vargas, que fora Ministro da Fazenda do paulista Washington Luiz, e deixava a presidência do Estado do Rio Grande do Sul.

          Nas águias do Palácio do Catete, Getúlio ficaria, por primeira vez, quinze anos, e depois do interregno em São Borja voltaria para entrar na história, a despeito de todo o fel e o indescritível encarniçamento de uma soberba frente de militares ambiciosos e da pequenez da imprensa de então. Nunca nenhum brasileiro teria comparável funeral – nem mesmo Juscelino Kubitscheck nos largos espaços de Brasília. Sem floreios, nem hipocrisias naquele aziago 24 de agosto de 1954 a champanha dos conspiradores se transformaria em água salobra, enquanto o Povo que pode até enganar-se por um tempo experimentava o seu choque de verdade, ao sentir o quanto perdera ao cabo de um tiro, tão solitário quanto certeiro, de quem saía da vida para entrar na história. E como pode ser belo e ressuscitador essas confluências de humanos rios, saídos sabe-se lá de onde, tangidos pelo nojo e pela incômoda, difusa sensação de haver permitido que tão clamorosa injustiça ora se transformasse em rito de passagem, preito da nacionalidade, que ora se sentia verdadeiramente órfã de quem vencera tudo e todos, e sobretudo a morte, entrando pelas avenidas de um Rio de Janeiro que acreditavam jamais seria o mesmo, levado pelas mãos e braços dos que confluíam do lugar nenhum e de toda parte para assinarem com anônimos garranchos o físico atestado de meninos, eu vi!

        Soi acontecer que aos grandes sucedem os pequenos, que como personagens de estórias alheias, repontam, se espadanam, mas para seu desalento só podem deixar as marcas pequenas das mentes respectivas.

        Mas meu ilustre passageiro desse bonde que não mais circula, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado pensou ver, no espaço de vida que as Parcas lhe concederam, gente importante e até de nomeada.

        Fausto Barreto e Carlos de Laet, da sua Antologia Nacional, sabiamente omitiram os escritores vivos. E, confessam judiciosos, que foi de propósito. Ao retomar essas longas linhas, peço vênia a quem inseri, a despeito de contrariar regra que, por toda parte, insiste em reclamá-lo. E, sem embargo, conto a bonomia e a grandeza de espírito de Fernando Henrique, a quem sequer apequenou a palavra de despedida de um grande amigo.

        Não poderia decerto calar sobre a figura de Juscelino Kubitschek de Oliveira, a quem tive o sumo prazer de fruir – e de perto – da respectiva presença. Do seu consagrador enterro – a que também levou o braço anônimo de um Povo que nunca deixou de amá-lo e pranteá-lo já tive a honra de escrever  nessas etéreas páginas.

        De  Juscelino ou de JK, como o quis o Povão, pude ver e sentir a grandeza nos momentos por que fê-lo passar a ditadura militar. Jamais dele ouvi palavra que descesse à queixa até compreensível das baixarias que lhe foram cometidas. Guardo para sempre mais do que a lembrança o orgulho de que me apertasse a mão e me abraçasse, porque atravessei o círculo de mofina sala com que pululam os aeroportos, para saudá-lo à frente de todos. E o abraço com que me correspondeu, nada tinha de político, pois Juscelino prezava e valorizava tais manifestações, mesmo de um modesto diplomata, porque se alevantavam muito além da circundante mesquinharia.

       De Juscelino, em verdade, os adjetivos são desnecessários, quase inúteis. Como nas fantasias de carnaval, só costumam empavonar-se os que sem elas quedam invisíveis. Por isso, o mineiro das Alterosas caminha célere para continuar crescendo, tal a relevância dos seus cinquenta anos em cinco. Dizem que mandaram matá-lo. E se non è vero, è molto ben trovato, pois a grandeza de JK está aí para ficar, com todos os seus derivativos de democracia, lungimirança, capacidade ideativa e construtiva, sem falar de sua perene boa vontade, a anistiar gente pequena que tentava derrubá-lo, e de toda a sua enorme inteligência e generosidade.

          E, com as minhas escusas ao paciente leitor, encareço que se demore ainda um tanto, pois já desta gávea possa até animar-me a pedir alvíssaras ao velho capitão.

          Meu caro Presidente Fernando Henrique,

          com a sua exceção, nenhuma dessas figuras que enobrecem e dão sentido ao Brasil, carecem do penacho da reeleição. Antes que me venham obtemperar com os avatares de Getúlio Vargas, peço vênia para discordar, porque o seu projeto foi único, malgrado os diversos modos porque percorreu o próprio caminho, e para isso basta compulsar a grande trilogia de Lira Neto.

          Na última eleição, verdadeira pantomima em que o Brasil sofreu em dois turnos, o primeiro pela destruição impiedosa de quem era culpada de trazer boas ideias, e que tivera a pertinácia de prosseguir, sem embargo do aparelhamento do Estado, e das pedras que lhe jogaram à frente; e no segundo, em que o marqueteiro queria impingir-nos que o governo a ser discutido era o de Vossa Excelência, e não o dílmico desgoverno.

           Pois vejam só, a falácia da reeleição ficou pendente por mais nervosos minutos que o círculo de Lula da Silva pensaria fosse possível. O Brasil se cindiu em dois, mas ao cabo de tudo, as palavras de Marina, que pode parecer frágil mas vejam a mensagem que teima em transmitir.

           Será do norte que virá a boa nova? Ou dos grotões de Minas, levada pelo facho de Aécio?

           Breve, para desgosto dos marqueteiros, e de seus filmetes que prefiro não definir, a reeleição, essa súbita praga nacional – que deixa a velha saúva para trás – há de virar uma nota de pé-de-página de nossa história.  Pois por aqui, que me perdoe FHC, ela não merece guarida, ainda mais pela variegada fauna que tem produzido (federal, estadual e municipal). Se ela nunca existiu na Terra de Santa Cruz, na Colônia, no Império e em todas as repúblicas que nos engrandeceram (e algumas infestaram), a hora está chegando de despedirmos dessa malta que não veio para engrandecer a terra dos seus maiores, mas sim para infernizar-nos a vida com a respectiva sede de poder, sob o amparo de imensa, sólida, inquebrantável,  perniciosa e pululante mediocridade.  Chega de imitação latino-americana! Voltemos a gritar por um Brasil democrático, livre dos aparelhamentos, das alianças espúrias e que não pensa em eternizar-se no chavascal da reeleição.

 

Fontes:  Jaime Cortesão (Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri); Pedro II (Heitor Lyra); Alvaro Lins (Rio Branco), Lira Neto (Getúlio – 3 vols.); C. Bojunga (Juscelino Kubitschek); Fausto Barreto e Carlos de Laet (Antologia Nacional); Almeida Garrett: XXVI- A Nau Catarineta (pp.963/965)

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