domingo, 16 de novembro de 2014

Colcha de Retalhos B 43


                            
A Reforma de Papa Francisco

 
     Apesar de seu temperamento aberto e conciliador,  Papa Francisco, como outros pontífices no passado, pode ter a memória longa e a paciência necessária para dispor de eventuais adversários que se animem a barrar-lhe o caminho em questões caras aos respectivos propósitos.

      Expoente da linha conservadora, o Cardeal americano de Cúria, Raymond L. Burke se vinha mostrando crítico ostensivo do programa papal de reforma da Igreja, e até do próprio estilo introduzido pelo novo Pontífice.

      No sínodo de outubro último, o Cardeal Burke liderara uma ala de oposição às propostas do novo Pontífice, enfraquecendo e mesmo rejeitando linguagem mais aberta, voltada para pastoral menos severa e mais compreensiva da condição de católicos divorciados, e casados de novo, sem autorização da Igreja. Também assinalara Papa Francisco, quando de sua inédita entrevista, no voo de regresso a Roma, após a  exitosa visita ao Rio de Janeiro, que mudaria a atitude pastoral da Igreja quanto aos fiéis homossexuais. Entrementes, na Sé de Pedro,   Burke persistiu na sua oposição a propostas que permitissem a católicos divorciados ou casados de novo, sem autorização da Igreja, recebessem a comunhão.

      Na Corte pontifícia, os opositores do programa do Santo Padre devem ter presente que um Papa progressista deve ser respeitado, e não enfrentado da forma com que o seu programa de adequação da Igreja aos novos tempos foi combatido e até desfigurado.

      Não se enfrenta em vão um Pontífice, mormente alguém com largo apoio entre os fiéis. Por desrespeitar essa regra não escrita – mas que um príncipe da Igreja não deveria desconhecer – Raymond L. Burke, o antes poderoso chefe da mais alta autoridade judicial vaticana – o Supremo Tribunal da Firma Apostólica – vai agora recolher-se a velho casarão na Via Condotti, sede dos Cavaleiros de Malta, onde será o Capelão desse grupo, que, se no passado distante teve bastante poder, hoje atua apenas com fins caritativos.

 

A Reforma da Imigração do Presidente Obama

        

        O  Presidente Barack Obama reserva, segundo indicam as fontes da Casa Branca, uma boa nova para milhões de imigrantes que vivem e trabalham muita vez precariamente nos Estados Unidos. Malgrado a sua faina e a contribuição dada para a economia americana, milhões deles continuam hoje na precária situação de imigrantes não-autorizados, e, por conseguinte, passíveis de caírem nas malhas da Autoridade Imigratória (a proverbial e temida Migra, que pode infernizar a vida de trabalhadores de muitos anos, e separá-los do convívio das respectivas famílias e filhos).

        Não se desconhece que foi fator importante para a reeleição do 44º Presidente  a sua visão progressista e maior abertura para a comunidade latina, em que se acham tantos dedicados trabalhadores, muita vez expostos à intervenção inesperada e objetivamente cruel, das autoridades migratórias.

        Tal não foi possível a Obama, diante da virtual paralisia do poder legislativo dividido entre o GOP, que domina por causas de sobejo conhecidas e já versadas várias vezes neste blog a Casa de Representantes, e o Senado Federal que, ainda com maioria democrata até janeiro próximo, passará a ser igualmente controlado pelos republicanos.

        A despeito de ter apoios relevantes dentre os parlamentares do GOP mais abertos e esclarecidos, a oposição da facção do Tea Party (e dos demagogos conservadores, como o Senador texano Ted Cruz[1]), inviabilizou qualquer possibilidade de abertura na reforma imigratória, a despeito de gozar da caução de grandes nomes, mesmo nas fileiras conservadoras).

        Sem embargo, apesar de presidente em fim de mandato (faltam-lhe pouco mais de dois anos na Casa Branca), Barack Obama prepara a aprovação por decreto – a executive order americana, que equivale ao decreto no Brasil – de reforma da condição imigratória, com mais humanidade para uma comunidade  importante e que traz um aporte significativo para a sociedade estadunidense. 

        O que a miopia retrógrada de setores do GOP não permitiu realizar por disposição do Congresso americano, poderá tornar-se realidade pela reforma de Obama, que tenciona redirecionar a atividade de cerca de doze mil agentes de imigração, atualmente empenhados na função repressiva de identificar os trabalhadores indocumentados e, por conseguinte, passíveis de expulsão. Assim como na frase famosa de Thomas Hobbes, a  permanência na terra de Tio Sam pode terminar de forma solitária, pobre, ruim (nasty), brutal  e curta, talhada por uma sorte madrasta, determinada burocraticamente.

          O plano de Obama, se implementado, afetará positivamente a cerca de 3.3 milhões de pessoas que vivem (e trabalham) nos Estados Unidos, de forma ilegal, pelo menos por cinco anos.  Esses trabalhadores são pais de filhos que são, ou cidadãos americanos, ou  residentes legais. Pelo novo instrumento, eles poderão obter documentos legais de identificação e não mais preocupar-se com a perspectiva de serem descobertos, separados de suas famílias, e em seguida reexpedidos para o país de origem.

           A reforma imigratória poderá estender a proteção a migrantes não-documentados que vieram para os EUA ainda crianças. Também não se exclui a inclusão de proteção aos trabalhadores no campo, gente que entrou ilegalmente no país, mas que está por muitos anos na atividade agrícola. Se efetivada, poderá beneficiar a centenas de milhares de pessoas.

          Essa reforma deverá ser anunciada e implementada, quando do regresso do Presidente da Ásia e Oceânia. Dentre os seus compromissos, está o encontro do G-20, em Brisbane, na Austrália.

          Não é de esperar-se no contexto a cooperação de próceres republicanos – e notadamente políticos como Ted Cruz, e os Senadores Mike Lee de Utah e Jeff Sessions, de Alabama. Nesse sentido, reincidem no velho truque de impedir a elevação do limite da dívida do Tesouro. Chegam mesmo a considerar incluir cláusula que proíba o Presidente de implementar o que chamam de ‘anistia executiva’ para os imigrantes ilegais.

               Com a morte do antigo espírito bipartidário, essas expressões podem ameaçar uma reforma generosa e inteligente. Talvez seja demais esperar desses elementos do GOP atitude que venha a merecer esse tipo de qualificação.

               Dada a inação e a resistência de setores republicanos, John A. Boehner, o Speaker republicano da Câmara de Representantes chega a mesmo a brandir a ameaça de processar o Presidente (como chegaram a considerar fazê-lo na sua demagógica oposição à Lei da Assistência Sanitária). Nesse espírito, volta a agitar velhos espantalhos como o fechamento do governo federal (um tiro que já lhes saíu pela culatra).

               Excitados pela recente vitória nas eleições intermediárias de novembro corrente, os republicanos – segundo observadores – semelham dispostos a atacar o decreto presidencial, malgrado ele tenha o aval do Procurador-Geral Eric H. Holder [2]Jr., e que é, consoante fontes jurídicas, “legalmente inatacável”. Demonstrando a própria grandeza, Barack Obama tem afirmado aos legisladores – em público e em privado – que ele reverterá a sua Ordem Executiva sobre a imigração, se o Congresso aceder afinal em aprovar uma reforma abrangente que possa ser por ele assinada.

               Essa atitude republicana, que se recusa a considerar a relevância e a justiça da  reforma imigratória,  pode, nas palavras do Senador independente Angus King, do Maine, criar uma reação (backlash) no país, que poderia fazer recuar tal causa, e inflamar o ambiente político americano de forma em nada conducente para a solução do problema.

 

( Fontes:  New York Times, O  Globo, Folha de S. Paulo )




[1] Há perfis na imprensa americana que vêem no Senador pelo Texas semelhanças com o demagogo Joseph McCarthy, que antes de ser censurado pelo Congresso exercera enorme poder, até que, dele ficasse apenas a pecha do macarthismo, e de um período nada brilhante na história política americana, no qual a demagogia e a extrema-direita se deram as mãos para infelicitar milhares de americanos.
[2] Attorney-General, cuja autoridade ultrapassa a de Ministro da Justiça, como a história constitucional americana o demonstrou em várias ocasiões. Por isso, sob certos aspectos, tem autonomia, e  não está necessariamente subordinado ao Presidente da República.

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