O que aproxima o Brasil da Nigéria? O crítico Edward
W. Saïd[1] há alguns anos atrás
me surpreendera com a observação de que esses dois países são nondescript (faltos de características
especiais ou relevantes). Quando li tal juízo, pareceu-me preconceituoso e inconsequente,
decerto devido a conhecimento superficial do Brasil. Por isso, não lhe dei na
época maior peso ou relevância. Hoje, tenho minhas dúvidas.
As
parecenças podem ser arredias, daquelas moçoilas que não se mostram de imediato aos visitantes
da casa. Tampouco essas semelhanças costumam ser literais. Muita vez, elas não
se desvelam à primeira vista, como a antiga timidez das jovens interioranas.
A Nigéria é
um dos maiores países africanos, assim como o Brasil entre os
latino-americanos. As tradições inglesas, herdadas do colonialismo, lá cederam
lugar a outras realidades, como a insurgência do Boko Haram e a visão agressiva de um especial culto muçulmano.
Assim como
Brasília, Lagos é candidata a assento permanente no Conselho de Segurança. Com
a sua desordem e onipresente corrupção, sem falar da imagem do Presidente Goodluck Jonathan, as suas
perspectivas se afiguram ainda menores do que as do Brasil, nessa patética
corrida atrás dos gansos selvagens.[2]
E, no
entanto, assim como Pindorama, a Nigéria teria condições objetivas de crescer e
afirmar-se no concerto das Nações (e, por conseguinte, pleitear esse ilusório
prêmio, que é o assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas).
Que o leitor
me desculpe. Quero desprender-me de nossa um tanto incômoda junção com a
Nigéria – na qual tropecei, lendo E. Saïd – mas a empresa não se afigura assim
tão fácil.
Não é de
hoje que o Brasil é o país do jeitinho,
do para inglês ver [3].
Os nossos governantes – entre os quais avultam Getúlio Vargas e Juscelino
Kubitschek – terão pensado que a terra de Santa Cruz deixaria de ser o país
do jeitinho com a introdução da tecnologia industrial (Volta
Redonda, com o primeiro, e a indústria automobilística, com o segundo). A
nossa riqueza, que começara extrativa e predatória (o pau-brasil só existe hoje como uma nota botânica em alguns
canteiros), iria prosseguir dessa forma, com a cana de açúcar e a cultura do
engenho, e o ciclo da mineração (ouro). Ainda na Colônia, esse ouro a par de
incentivar as construções suntuárias (e de baixa produtividade) no Reino de
Portugal (além de estar por trás, com a Derrama,
da Inconfidência Mineira) iria quase correndo para a Inglaterra e de lá, como
ganho secundário, para a colonização americana. Dessarte, se procurarmos bem,
acabaremos por topar em algum vestígio do ouro mineiro que foi parar na ilha de
Manhattan e adjacências...
O
que interessa no caso, é que continuamos em ser convictos da matéria prima ou commodity, como modalidade preferencial de exportação (ou transferência
de riqueza). Para resumir, assim como os portugueses entraram em maus negócios,
a princípio endividando-se, e em seguida desvencilhando-se do ouro brasílico (tal
como o poderoso Rei de Espanha passou adiante a prata do Peru), a despeito de
iteradas tentativas a economia brasileira continua frágil, pela sua excessiva
dependência na matéria prima. Depois do açúcar, passamos para o café.
O problema
com as commodities, na verdade, é
duplo: além do baixo custo agregado em termos tecnológicos (e por conseguinte o
seu valor será sempre deficiente em relação ao produto industrial), a matéria prima será sempre o primo pobre no
comércio internacional.
Há outras
ironias nesse campo. O petróleo que sempre desejamos fosse nosso, se transforma em dádiva quase maldita no
século XXI. Dado o aquecimento global e os efeitos funestos do gás carbônico, a
descoberta do pré-sal ocorre em um momento histórico que não favorece a esse
tipo de energia.
Por outro
lado, o Brasil tem uma indústria aeronáutica respeitável, representada pela
Embraer. Com esforço e
competência, essa firma é uma
protagonista do ramo do mercado que disputa com a Bombardier. Não está entre os gigantes, tipo Boeing e Airbus, mas tampouco
entre os anões, mantendo o seu espaço e relevância na área das distâncias
médias.
No que
tange à indústria automobilística, conseguimos nos transformar em verdadeiras feitorias para as estrangeiras. Ao
contrário de países como a Coréia do Sul por exemplo, logramos o feito de
desnacionalizar as nossas montadoras. Apenas guardamos a indústria de
auto-peças, o que assegura para as estrangeiras aqui sediadas a vantajosa posição
de monopsônio (como únicas compradoras
elas ditam o preço). Por outro lado, ao abdicarmos de projeto original do
fabrico de viaturas nacionais, reproduzimos uma situação quase-colonial, eis
que as montadoras transferem os lucros das viaturas aqui produzidas – e que são
cópia de modelos estrangeiros - para a matriz (que fica na Europa, Estados
Unidos e Ásia). Daí o termo de feitorias
– a exemplo daquelas colocadas pelos portugueses na Costa d’África para
transferir a mão de obra local para outros mercados (feito, como é óbvio, com o
pleno acordo dos régulos africanos).
Gostaria de pedir a atenção do leitor para a
relevância em termos sociológicos do modelo econômico no Brasil.
A
democracia brasileira tem pés de barro por causa de seu atual modelo político
mais favorecido. Em decorrência, a corrupção surge como uma falsa opção
preferencial.
Mais isto
será matéria do próximo artigo.
[1] Edward Said (1935 – 2003).
Nascido em Jerusalém, então cidade árabe-palestina, faleceu em New York, como renomado acadêmico. Entre os seus
principais livros, estão Orientalismo e Cultura e Imperialismo.
[2] Wildgoose chase é a busca,
em geral vã, de um desejado objetivo.
[3] Essa expressão, por
exemplo, data do Império e da eventual necessidade de enganar a Inglaterra, na
época a principal potência (século XIX).
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