quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Brasil e Nigéria - modelos intercambiáveis ?

                            

         O que aproxima o Brasil da Nigéria?  O crítico Edward W. Saïd[1] há alguns anos atrás me surpreendera com a observação de que esses dois países são nondescript (faltos de características especiais ou relevantes). Quando li tal juízo, pareceu-me preconceituoso e inconsequente, decerto devido a conhecimento superficial do Brasil. Por isso, não lhe dei na época maior peso ou relevância. Hoje, tenho minhas dúvidas.

          As parecenças podem ser arredias, daquelas moçoilas  que não se mostram de imediato aos visitantes da casa. Tampouco essas semelhanças costumam ser literais. Muita vez, elas não se desvelam à primeira vista, como a antiga timidez das jovens interioranas.

          A Nigéria é um dos maiores países africanos, assim como o Brasil entre os latino-americanos. As tradições inglesas, herdadas do colonialismo, lá cederam lugar a outras realidades, como a insurgência do Boko Haram e a visão agressiva de um especial culto muçulmano.

           Assim como Brasília, Lagos é candidata a assento permanente no Conselho de Segurança. Com a sua desordem e onipresente corrupção, sem falar da imagem do Presidente Goodluck Jonathan, as suas perspectivas se afiguram ainda menores do que as do Brasil, nessa patética corrida atrás dos gansos selvagens.[2]

          E, no entanto, assim como Pindorama, a Nigéria teria condições objetivas de crescer e afirmar-se no concerto das Nações (e, por conseguinte, pleitear esse ilusório prêmio, que é o assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas).

         Que o leitor me desculpe. Quero desprender-me de nossa um tanto incômoda junção com a Nigéria – na qual tropecei, lendo E. Saïd – mas a empresa não se afigura assim tão fácil.

          Não é de hoje que o Brasil é o país do jeitinho, do para inglês ver [3]. Os nossos governantes – entre os quais avultam Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek – terão pensado que a terra de Santa Cruz deixaria de ser o país do jeitinho com a introdução da tecnologia industrial  (Volta Redonda, com o primeiro, e a indústria automobilística, com o segundo). A nossa riqueza, que começara extrativa e predatória (o pau-brasil só existe hoje como uma nota botânica em alguns canteiros), iria prosseguir dessa forma, com a cana de açúcar e a cultura do engenho, e o ciclo da mineração (ouro). Ainda na Colônia, esse ouro a par de incentivar as construções suntuárias (e de baixa produtividade) no Reino de Portugal (além de estar por trás, com a Derrama, da Inconfidência Mineira) iria quase correndo para a Inglaterra e de lá, como ganho secundário, para a colonização americana. Dessarte, se procurarmos bem, acabaremos por topar em algum vestígio do ouro mineiro que foi parar na ilha de Manhattan e adjacências...  

           O que interessa no caso, é que continuamos em ser convictos da matéria prima ou commodity, como modalidade  preferencial de exportação (ou transferência de riqueza). Para resumir, assim como os portugueses entraram em maus negócios, a princípio endividando-se, e em seguida desvencilhando-se do ouro brasílico (tal como o poderoso Rei de Espanha passou adiante a prata do Peru), a despeito de iteradas tentativas a economia brasileira continua frágil, pela sua excessiva dependência na matéria prima. Depois do açúcar, passamos para o café.

           O problema com as commodities, na verdade, é duplo: além do baixo custo agregado em termos tecnológicos (e por conseguinte o seu valor será sempre deficiente em relação ao produto industrial),  a matéria prima será sempre o primo pobre no comércio internacional.

           Há outras ironias nesse campo. O petróleo que sempre desejamos fosse nosso,  se transforma em dádiva quase maldita no século XXI. Dado o aquecimento global e os efeitos funestos do gás carbônico, a descoberta do pré-sal ocorre em um momento histórico que não favorece a esse tipo de energia.

          Por outro lado, o Brasil tem uma indústria aeronáutica respeitável, representada pela Embraer. Com esforço   e competência,  essa firma é uma protagonista do ramo do mercado que disputa com a Bombardier. Não está entre os gigantes, tipo Boeing e Airbus, mas tampouco entre os anões, mantendo o seu espaço e relevância na área das distâncias médias.

           No que tange à indústria automobilística, conseguimos nos transformar em verdadeiras feitorias para as estrangeiras. Ao contrário de países como a Coréia do Sul por exemplo, logramos o feito de desnacionalizar as nossas montadoras. Apenas guardamos a indústria de auto-peças, o que assegura para as estrangeiras aqui sediadas a vantajosa posição de monopsônio  (como únicas compradoras elas ditam o preço). Por outro lado, ao abdicarmos de projeto original do fabrico de viaturas nacionais, reproduzimos uma situação quase-colonial, eis que as montadoras transferem os lucros das viaturas aqui produzidas – e que são cópia de modelos estrangeiros - para a matriz (que fica na Europa, Estados Unidos e Ásia). Daí o termo de feitorias – a exemplo daquelas colocadas pelos portugueses na Costa d’África para transferir a mão de obra local para outros mercados (feito, como é óbvio, com o pleno acordo dos régulos africanos).              

            Gostaria de pedir a atenção do leitor para a relevância em termos sociológicos do modelo econômico no Brasil.

             A democracia brasileira tem pés de barro por causa de seu atual modelo político mais favorecido. Em decorrência, a corrupção surge como uma falsa opção preferencial.

             Mais isto será matéria do próximo artigo.




[1] Edward Said (1935 – 2003). Nascido em Jerusalém, então cidade árabe-palestina, faleceu em New  York, como renomado acadêmico. Entre os seus principais livros, estão Orientalismo e Cultura e Imperialismo.
[2] Wildgoose chase é a busca, em geral vã, de um desejado objetivo.
[3] Essa expressão, por exemplo, data do Império e da eventual necessidade de enganar a Inglaterra, na época a principal potência (século XIX).
 

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