O presente artigo se inspira na famosa frase do general Charles de Gaulle – que foi presidente da França de 1958 a 1969– e que, chamado por causa da crise da guerra na Argélia, teve a força política necessária de tornar aceitável para o povo francês a independência daquele país.
A dita frase
– a que já me reportei no blog “O
Brasil não é um país sério” – teria sido dita no contexto da chamada guerra da lagosta (1960). Se ela
corresponde ou não à verdade histórica, há autoridades contrastantes (inclusive
a de embaixador brasileiro que chegou, pasmem, a reivindicar-lhe a autoria).
Dado o seu contexto e as irritações que o conflito – em que não houve tiro
algum – terá dado ao imperial chefe de estado francês, me permitiria optar pela
sua verossimilhança histórica, para tanto fundado no dito italiano “si non è vero, è ben trovato”[1]
De Gaulle
fez aprovar uma nova constituição, que vige até hoje. Assinale-se, por oportuno,
que, nas constituições precedentes (notadamente as da Terceira[2] e
a Quarta[3]
repúblicas), os presidentes da França eram figuras decorativas – que só
entravam em ação política quando da escolha do Primeiro Ministro. A Quarta República, surgida após o vexame
de Vichy e a posterior liberação
lograda pelas forças americanas contra o Reich
hitlerista, só teve um grande Président
du Conseil (ou primeiro Ministro), que foi Pierre Mendès-France.
Mas voltemos
à frase do General de Gaulle que, segundo se presume, ao cabo de despacho com o
seu primeiro ministro da época, terá sido ‘Le Brésil c’est pas um pays sérieux’[4], a
que se teria seguido uma ordem com vistas a aguardar o desenvolvimento da
questão.
Outro
aspecto dessa avaliação pejorativa está na expressão da revista Economist de há poucos anos atrás, que
repetiria um dito em seríamos um país de muitas
leis... que não se cumprem.
Ainda nesse capítulo, há uma referência,
que não se encontraria em qualquer outro país, sobre uma distinção entre as
leis no Brasil: há as que pegam, e as que
não pegam. Dessarte, alguém
confrontado com uma eventual norma em que esteja enquadrado, essa pessoa, em
certos casos, pode recorrer ao argumento irrespondível de que tal lei não vingou.
Embora a
ab-rogação dessa legislação não esteja prevista em nenhum instrumento legal,
qual é o brasileiro que já não ouviu essa frase, a que, poderá ou não, ter
assentido ?
Essas
leis, essas normas, que segundo o povo não pegaram, me parecem semelhantes aos
buracos negros no infinito, cuja existência até há pouco eram rotundamente
negadas pelos astrônomos e astrofísicos. Sem embargo, a sua realidade, nem a da
energia que neles existe, não é mais refutada por muitos especialistas.
No
entanto, há normas legais – leis, decretos, portarias, normas específicas - sobre cuja existência não resta qualquer
dúvida, e que, no entanto, não são observadas por grande número de pessoas.
Aqui, os
exemplos abundam e transmitem desagradável impressão sobre a eficácia
deficiente da normativa. A Inglaterra tinha um problema sério – que não era
apenas de imagem. Reporto-me ao fenômeno dos hooligans no futebol. Não me atreverei a dizer que os torcedores
ingleses são modelos de educação – em Atenas, por exemplo, pude ver a Praça Sintagma (que é o centro moderno da
cidade) coalhada de latinhas de cerveja prensadas. No entanto, há grande diferença
entre o comportamento atual do torcedor britânico e o hooligan do passado. Já
não praticam as violências de antes – seja nos estádios ingleses, seja nos de
vizinhos europeus.
O seu respeito à justiça é uma
relação direta da própria certeza quanto à inexorabilidade da pena. Lá os
magistrados aplicam penas severíssimas tanto aos clubes, quanto às torcidas.
Tampouco resta nos infratores e nos clubes de sua predileção qualquer dúvida
sobre o castigo. Foi esta seriedade - e aqui está talvez a palavra-chave - que
transformou o torcedor inglês em alguém que respeita não só o adversário, o
clube antagonista, mas também as normas de convívio social.
Repassemos os espetáculos
deploráveis que vem sendo dados por várias torcidas ditas organizadas. Os casos
do Corinthians e do Vasco da Gama
são exemplos a não serem imitados. Todos se recordam do espetáculo do sinalizador-náutico,
no estádio de Oruro, na Bolívia, ser
direcionado para a torcida do time da casa (que nessa lógica estúpida passa a
ser inimiga) para matar estupidamente jovem boliviano Kevin Espada, de catorze
anos. Além de não se determinar o responsável pelo covarde assassínio, não é
que alguns desses integrantes da torcida corintiana detidos na Bolívia, têm
repontado no noticiário policial-esportivo, no que tange a outros eventos no
Brasil? A quente, naquele 21 de fevereiro de 2013, espantam as penas draconianas
alvitradas, diante da consequente falta de penalidades.Com efeito, depois do
palavrório, não há providências dignas da reação inelutável e indispensável que
incumbia às entidades sul-americanas e brasileiras.
Mas as
brigas campais entre as torcidas do Vasco e do Corinthians, em Brasília, e do
Vasco e do Atlético Paranaense, em Santa Catarina, estão na mesma categoria do
anti-esporte. Punidas pela justiça,
essas torcidas têm aparecido em outras arquibancadas, ignorando na prática o
seu afastamento como fora determinado pelas autoridades.
Se
não há correspondência entre o ato anti-esportivo e até mesmo o delito
configurado de agressão e as lesões provocadas, e a resposta da sociedade, que
deve ser dado pela Justiça, aqui reponta elemento perigoso, que tende a
funcionar como eventual encorajamento à perpetração de outros e novos crimes, diante
da impunidade verificada nos atos pregressos. Não é a verberação do ato
delituoso, nem a sua divulgação pela imprensa e a televisão que podem funcionar
como deterrentes dessas práticas. Elas só serão extirpadas ou evitadas no
futuro, se o potencial infrator tiver a certeza de que virá a ser punido de
forma exemplar e conforme os respectivos delitos, levada em conta a agravante
de não ser réu primário. Enquanto ficarmos no palavrório inconsequente, não é
preciso ser vidente para entender que tais acontecimentos irão se repetir e de
forma sempre mais grave.
Apenas
uma palavra sobre a prefeitura carioca. Que valor terá a multa para os que
emporcalham as ruas e os logradouros públicos, se não há funcionários
destacados para zelar pela limpeza da cidade?
E como não vivemos na Suiça, este agente deve ser acompanhado de
policial, para que ele disponha da liberdade e segurança necessárias para
autuar o sujão, quem ou quais forem eles.
Senhor Prefeito Eduardo Paes,
o
senhor aumentou o número de banheiros químicos e foi norma positiva. Além
disso, protegeu, quando possível, os canteiros dos logradouros. Não acredita,
por acaso, que grupos de guardas municipais – afinal não é só para multas de
trânsito e de apreensão de artigos de camelô que existem – poderiam orientar os
foliões a não sujar a cidade?
No Brasil,
muita vez, se usa a palavra para mascarar a verdade. Recordo sempre o que li em
um manual do Detran – que os
ciclistas estão obrigados a respeitar todas as leis do trânsito, quando se sabe
que no, Rio pelo menos, o contrário está mais próximo da verdade. Apesar de
Vossa Excelência nunca dignar-se responder – como é sua prática também silenciar
quanto à maneira simples de resolver as lesões feitas à memória de Ipanema (de
que hoje temos apenas as cicatrizes abertas),
devo consignar que a sua declaração de que pagará a multa pelo lixo
lançado em via pública constitui exemplo
a ser seguido.
Autoridade
que não se cinge apenas a mandar cumprir a lei, mas também age como cidadão
comum, pagando o que deve, transmitirá à comunidade social a certeza de que a
norma legal é uma artéria de duas mãos.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )
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