sábado, 8 de março de 2014

Quando o Brasil será um país sério ?

                       
    
          O presente artigo se inspira na famosa frase do general Charles de Gaulle – que foi presidente da França de 1958 a 1969– e que, chamado por causa da crise da guerra na Argélia, teve a força política necessária de tornar aceitável para o povo francês a independência daquele país.

          A dita frase – a que já me reportei no blog “O Brasil não é um país sério” – teria sido dita no contexto da chamada guerra da lagosta (1960). Se ela corresponde ou não à verdade histórica, há autoridades contrastantes (inclusive a de embaixador brasileiro que chegou, pasmem, a reivindicar-lhe a autoria). Dado o seu contexto e as irritações que o conflito – em que não houve tiro algum – terá dado ao imperial chefe de estado francês, me permitiria optar pela sua verossimilhança histórica, para tanto fundado no dito italiano “si non è vero, è ben trovato[1]

           De Gaulle fez aprovar uma nova constituição, que vige até hoje. Assinale-se, por oportuno, que, nas constituições precedentes (notadamente as da Terceira[2] e a Quarta[3] repúblicas), os presidentes da França eram figuras decorativas – que só entravam em ação política quando da escolha do Primeiro Ministro. A Quarta República, surgida após o vexame de Vichy e a posterior liberação lograda pelas forças americanas contra o Reich hitlerista, só teve um grande Président du Conseil (ou primeiro Ministro), que foi Pierre Mendès-France.

         Mas voltemos à frase do General de Gaulle que, segundo se presume, ao cabo de despacho com o seu primeiro ministro da época, terá sido ‘Le Brésil c’est pas um pays sérieux’[4], a que se teria seguido uma ordem com vistas a aguardar o desenvolvimento da questão.

          Outro aspecto dessa avaliação pejorativa está na expressão da revista Economist de há poucos anos atrás, que repetiria um dito em seríamos um país de muitas leis... que não se cumprem. 

           Ainda nesse capítulo, há uma referência, que não se encontraria em qualquer outro país, sobre uma distinção entre as leis no Brasil: há as que pegam, e as que não pegam.  Dessarte, alguém confrontado com uma eventual norma em que esteja enquadrado, essa pessoa, em certos casos, pode recorrer ao argumento irrespondível de que tal lei não vingou.

            Embora a ab-rogação dessa legislação não esteja prevista em nenhum instrumento legal, qual é o brasileiro que já não ouviu essa frase, a que, poderá ou não, ter assentido ?

            Essas leis, essas normas, que segundo o povo não pegaram, me parecem semelhantes aos buracos negros no infinito, cuja existência até há pouco eram rotundamente negadas pelos astrônomos e astrofísicos. Sem embargo, a sua realidade, nem a da energia que neles existe, não é mais refutada por muitos especialistas.

              No entanto, há normas legais – leis, decretos, portarias, normas específicas  - sobre cuja existência não resta qualquer dúvida, e que, no entanto, não são observadas por grande número de pessoas.

              Aqui, os exemplos abundam e transmitem desagradável impressão sobre a eficácia deficiente da normativa. A Inglaterra tinha um problema sério – que não era apenas de imagem. Reporto-me ao fenômeno dos hooligans no futebol. Não me atreverei a dizer que os torcedores ingleses são modelos de educação – em Atenas, por exemplo, pude ver a Praça Sintagma (que é o centro moderno da cidade) coalhada de latinhas de cerveja prensadas. No entanto, há  grande diferença entre o comportamento atual do torcedor britânico e o hooligan do passado. Já não praticam as violências de antes – seja nos estádios ingleses, seja nos de vizinhos europeus.

              O seu respeito à justiça é uma relação direta da própria certeza quanto à inexorabilidade da pena. Lá os magistrados aplicam penas severíssimas tanto aos clubes, quanto às torcidas. Tampouco resta nos infratores e nos clubes de sua predileção qualquer dúvida sobre o castigo. Foi esta seriedade  - e aqui está talvez a palavra-chave - que transformou o torcedor inglês em alguém que respeita não só o adversário, o clube antagonista, mas também as normas de convívio social.

              Repassemos os espetáculos deploráveis que vem sendo dados por várias torcidas ditas organizadas. Os casos do Corinthians e do Vasco da Gama são exemplos a não serem imitados. Todos se recordam do espetáculo do sinalizador-náutico, no  estádio de Oruro, na Bolívia, ser direcionado para a torcida do time da casa (que nessa lógica estúpida passa a ser inimiga) para matar estupidamente  jovem boliviano Kevin Espada, de catorze anos. Além de não se determinar o responsável pelo covarde assassínio, não é que alguns desses integrantes da torcida corintiana detidos na Bolívia, têm repontado no noticiário policial-esportivo, no que tange a outros eventos no Brasil? A quente, naquele 21 de fevereiro de 2013, espantam as penas draconianas alvitradas, diante da consequente falta de penalidades.Com efeito, depois do palavrório, não há providências dignas da reação inelutável e indispensável que incumbia às entidades sul-americanas e brasileiras.

              Mas as brigas campais entre as torcidas do Vasco e do Corinthians, em Brasília, e do Vasco e do Atlético Paranaense, em Santa Catarina, estão na mesma categoria do anti-esporte.  Punidas pela justiça, essas torcidas têm aparecido em outras arquibancadas, ignorando na prática o seu afastamento como fora determinado pelas autoridades.

              Se não há correspondência entre o ato anti-esportivo e até mesmo o delito configurado de agressão e as lesões provocadas, e a resposta da sociedade, que deve ser dado pela Justiça, aqui reponta elemento perigoso, que tende a funcionar como eventual encorajamento à perpetração de outros e novos crimes, diante da impunidade verificada nos atos pregressos. Não é a verberação do ato delituoso, nem a sua divulgação pela imprensa e a televisão que podem funcionar como deterrentes dessas práticas. Elas só serão extirpadas ou evitadas no futuro, se o potencial infrator tiver a certeza de que virá a ser punido de forma exemplar e conforme os respectivos delitos, levada em conta a agravante de não ser réu primário. Enquanto ficarmos no palavrório inconsequente, não é preciso ser vidente para entender que tais acontecimentos irão se repetir e de forma sempre mais grave.

                Apenas uma palavra sobre a prefeitura carioca. Que valor terá a multa para os que emporcalham as ruas e os logradouros públicos, se não há funcionários destacados para zelar pela limpeza da cidade?  E como não vivemos na Suiça, este agente deve ser acompanhado de policial, para que ele disponha da liberdade e segurança necessárias para autuar o sujão, quem ou quais forem eles.
 
              Senhor Prefeito Eduardo Paes,

 
               o senhor aumentou o número de banheiros químicos e foi norma positiva. Além disso, protegeu, quando possível, os canteiros dos logradouros. Não acredita, por acaso, que grupos de guardas municipais – afinal não é só para multas de trânsito e de apreensão de artigos de camelô que existem – poderiam orientar os foliões a não sujar a cidade?  

               No Brasil, muita vez, se usa a palavra para mascarar a verdade. Recordo sempre o que li em um manual do Detran – que os ciclistas estão obrigados a respeitar todas as leis do trânsito, quando se sabe que no, Rio pelo menos, o contrário está mais próximo da verdade. Apesar de Vossa Excelência nunca dignar-se responder – como é sua prática também silenciar quanto à maneira simples de resolver as lesões feitas à memória de Ipanema (de que hoje temos apenas as cicatrizes abertas),  devo consignar que a sua declaração de que pagará a multa pelo lixo lançado em via pública constitui  exemplo a ser seguido.

               Autoridade que não se cinge apenas a mandar cumprir a lei, mas também age como cidadão comum, pagando o que deve, transmitirá à comunidade social a certeza de que a norma legal é uma artéria de duas mãos.

 

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )




[1] Se não é verdadeiro, parece muito a propósito.
[2] Iniciada com a derrota para a Prússia em 1870, e a queda de Luís Napoleão, o sobrinho do grande Imperador.
[3] Surgida após a liberação, em 1944, após o término do regime de Vichy e o domínio hitlerista.
[4] O Brasil não é um país sério.

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