domingo, 23 de março de 2014

Colcha de Retalhos B 11

                              

Tiro no Pé                     

              A  versão muitas vezes sobrepuja o fato em si. O tiro no pé é (ou não é) uma declaração do ex-Presidente Lula sobre a atitude, ou melhor, o rompante da Presidenta, ao decidir escrever do próprio punho uma nota oficial sobre a questão da compra da refinaria de Pasadena. Depois de avalizar a compra da refinaria como chefe do Conselho de Administração, Dilma decide não mais continuar a dar apoio à posição oficial da Petrobrás de que o negócio parecia bom com as informações do mercado naquela época.
              Se o ex-Presidente Lula usou ou não a  expressão ‘tiro no pé’ e se, inclusive, a desmentiu oficialmente, a questão vista nas suas implicações torna irrelevante ser ou não de sua autoria, levados em conta os efeitos práticos para sua pupila.

              Dilma paga o preço de haver respondido sem pedir nem esperar os necessários e indispensáveis conselhos. Em peculiar ironia, a circunstância de haver acoimado os relatórios favoráveis à compra de ‘técnica e juridicamente falhos’, trouxe, consoante a opinião de gregos e troianos, para dentro do Palácio do Planalto um problema que era da alçada da Petrobrás.
               Nesse episódio – em que as consequências foram imediatas e de grande transparência – Dilma Rousseff agiu conforme o próprio temperamento e mesmo instinto. Terá sido prejudicada no passado por não colher a opinião e o parecer de políticos e especialistas. Agiu como sempre faz, julgando poder prescindir ex-vi do cargo que ocupa dos juízos e das avaliações de expertos nos diversos temas.  A minha imagem, tantas vezes repetida, carece de ser dita uma vez mais: por acreditar que a árvore mais alta e frondosa na floresta prescinde do aporte de outras menores, Dilma sequer terá cogitado da conveniência e oportunidade de passar a respectiva opinião na peneira de pessoas com experiência em questões do gênero.

                Não é possível determinar se este ato falho terá consequências políticas.  A probabilidade é, no entanto, grande.

 

A Ucrânia e a Timoshenko 

 
                Até a queda de Viktor Yanukovitch, sobre a Ucrânia pairavam dois líderes, um no palácio, outro na cadeia. Yulia Timoshenko fora condenada há mais de dois anos por um julgamento arranjado e motivado politicamente. Não havia dúvidas até a sua libertação, devida essencialmente ao afastamento de seu algoz em Kiev, que a Timoshenko fora condenada por julgamento arranjado, a la Putin. A própria Corte Européia dos Direitos Humanos emitira veredicto que expunha a motivação política da condenação.

                Posto em fuga pela insurreição da praça Maidan, a razão do iniquo confinamento da líder da oposição desaparecia, enquanto o campo de Yanukovitch debandava e assumia o poder o lado adverso, aí incluído o Primeiro Ministro Arseniy Yatsenyuk, bastante próximo da Timoshenko.

                  Vinda de prisão hospitalar, forçada a uma cadeira de rodas, não hesitou em vir até o centro da revolução, aonde discursou para a multidão, que a recebeu da forma que lhe era devida.

                  Com o seu arqui-rival banido, o passado da Timoshenko – que a jogou no cárcere, apesar de um juízo encomendado – viria agora reclamar a sua libra de carne quanto à sua atuação no governo.  De certo modo, os aplausos em Maidan pareciam o lastro de uma acrescida desconfiança. Como se todos os políticos não diferissem na sua postura quando no poder.

                  Yulia Timoshenko, eventual cadeirante, disse então: ‘Como político, eu me arrependo. Até hoje, os políticos não foram dignos de vocês.’

                   Brutalmente afastada da política, a Timoshenko, ao contrário de outros, recebeu um áspero e mesmo cruel tratamento, menos pelos seus defeitos, do que por suas qualidades.

                   Confinada em um lazareto do interior da Ucrânia, sem tratamento médico digno desse nome, ela se descobre agora acusada das mesmas faltas de quem a fez condenar, posto que a punição tenha sido motivada menos por seus defeitos, do que por suas qualidades e a ameaça potencial que colocava para o rival.

                   Decaído agora Yanukovitch, os colunistas lhe redescobrem o passado, que se antes servira para submetê-la a um julgamento em que estava de antemão condenada, teve o prazo de validade reforçado, na medida em que volta a colocá-la em posição de desvantagem.

                   Quando deparo essa súbita orquestração, em que a Timoshenko é colocada no mesmo cesto que Yanukovitch, por colunistas americanos como experiência na Rússia e redondezas, como David Remnick (do New Yorker) e Steven Erlanger (do New York Times), pergunto-me da serventia de tais medidas para Vladimir Putin, que, segundo acusações de corajosos opositores, se serve de ambas com muita desenvoltura.

                   Nesse contexto, é de recordar-se a exigência dos diplomatas alemães da república de Weimar, que reivindicavam a Gleichberechtigung (igualdade de direitos) para a Alemanha derrota do entre-guerras. Se o Ocidente vitorioso os tivesse ouvido, quem sabe a história seria diferente, e líderes ultra-radicais como Adolf Hitler não houvessem prosperado para a desgraça da Humanidade.

                   A comparação pode ser válida até certo ponto. É sempre bom ter presente o contexto e quais as alternativas disponíveis.     

 

 O Modelo UPP                         

                  
                   Às vésperas da chegada de tropas federais, a Polícia Militar ocupa seis favelas dominadas pela facção criminosa que planejou os recentes ataques às UPPs. Tudo se iniciara em Manguinhos, em investida contra a UPP acionada do cárcere. Assim, desde a noite de sexta-feira policiais da elite da PM, o BOPE ocupam o Parque União e a Nova Holanda, no Complexo da Maré.

                    A PM também tomou os morros do Chapadão, em Costa Barros, do Juramento  e Juramentinho, em Vicente de Carvalho, e a favela Para-Pedro, no Colégio. Ontem, mais um PM foi morto, em uma perseguição na Zona Oeste.

                    Segundo a PM, essa ocupação seria uma forma de preparar a cidade para a chegada de homens da Força Nacional e das Forças Armadas, que são aguardados nos próximos dias.

                    O modelo UPP, do secretário José Mariano Beltrame, pode ser contestado, mas até o momento não há substitutos à vista. Os seus críticos – que se ligariam ao passado da chamada cidade partida -  apresentam censuras e reparos, mas não um outro modelo com credibilidade. 

                     A vinda do reforço da Força Nacional deve ser, no entanto, encarado como um auxílio temporário. As Forças Armadas e o BOPE puseram para correr os trezentos bandidos do Alemão, mas como a sua utilização – no que tange às FFAA e a Força Nacional – tem prazo, a PM tem de reforçar-se tanto através do comportamento de seus integrantes, que precisam ser mais solidários com as comunidades defendidas. Atitudes como a dos três PMs que colocaram uma vítima baleada na mala do carro – e a arrastaram por um tempo (o que só foi visível graças ao celular de um motorista) – não são admissíveis.

                   Uma P.M. integrada com a comunidade não teme líderes comunitários, porque a sua consonância  com o pessoal da favela, se efetiva e real, torna, das duas uma, ou supérflua a sua intervenção, ou incriminatória de sua eventual ligação com o tráfico.

 

(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, The New York Times, New Yorker)

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