É estarrecedor o desrespeito do
Presidente Vladimir V. Putin pela soberania ucraniana. Como se estivesse em
pleno século XIX, Putin manifesta seu
desagrado com os eventos na Ucrânia pelo envio de tropas à Crimeia. Diante da
desfaçatez evidenciada no que concerne às questões internas da Ucrânia, o
Presidente da Federação Russa dá a impressão de estar ingressando no próprio
quintal.
Dois
aeroportos na península da Crimeia – na capital, Simferopol e em Sebastopol –
foram tomados por homens fortemente armados, mas sem qualquer distintivo ou
marca nos respectivos uniformes. Fontes ucranianas denunciaram a chegada de
dois mil soldados russos em treze aeronaves. Em total desprezo pelas
autoridades competentes, o espaço aéreo sobre a Crimeia fora fechado sem
qualquer aviso prévio. Além disso, foram instaladas barreiras nas rodovias, e
chegaram a anunciar manobras anti-terror para proteger a base do Mar Negro,
onde está abrigada a Frota Russa.
O presidente
interino da Ucrânia, Oleksander Turchinov não teve meias palavras: ‘A Rússia
mandou tropas para a Crimeia. Estão trabalhando com cenários análogos aos da
Abcasia,onde começaram um conflito e, em seguida, principiaram a anexar o território’.
Em sua denúncia, Turchinov se reportava
ao inquietante cenário similar aplicado na invasão da Geórgia, em 2008.
De um anúncio de manobras a serem realizadas
por 150 mil homens se passa a um quadro muito mais grave, pois tais ‘exercícios’
não se desenvolvem nas sagradas terras russas, mas adentro de território
ucraniano, como é a península da Criméia.
Desde a
independência da Ucrânia, ali se manifesta o irredentismo de parte da
população, que desejaria voltar a integrar o solo russo, como antes de
1954. No entanto, na península existe
também minoria tártara, que não quer saber de domínio russo, pelo morticínio e
os sacrifícios impostos ao tártaros pelo ditador Josef Stalin, em 1944.
Até mesmo o
presidente deposto, em sua entrevista à imprensa em Rostov, no sul da Rússia,
não pôde deixar de censurar o Kremlin pela invasão da Crimeia: ‘Acredito que
qualquer ação militar é inaceitável. Acredito que a Ucrânia deve permanecer
unida e indivisível’. Se Viktor F. Yanukovich teve
de repreender o padrinho pela interferência armada, não viu, no entanto,
nenhuma contradição em apelar para o poder maior, dentro do cenário habitual
das autoridades destronadas: ‘Acho que a Rússia deve agir e está forçada a
agir. Conhecendo pessoalmente Vladimir Putin, estou surpreso que ele não tenha
dito nada. A Rússia não pode ficar indiferente (...). A Rússia deve usar todos
os meios para acabar com o caos e o terror que varrem a Ucrânia.”
Como seria de
esperar, Yanukovich falou em russo...
O Presidente
Barack Obama resolveu quebrar o silêncio, dizendo-se profundamente preocupado
(concerned) com os relatos de movimentos militares tomados pela Federação
Russa na Ucrânia. ‘Qualquer violação da
soberania ucraniana seria profundamente desestabilizante. Essa ação não será
sem custos’.
Por outro lado,
o Presidente Vladimir Putin resolve agora pedir ao Conselho da Federação, que é
o Senado na Rússia, para empregar força
militar na Ucrânia. Dadas as circunstâncias de que a Rússia já tens
destacamentos sediados na Crimeia, a providência do Kremlin, além de ser medida
formal, serve também como resposta à recentíssima declaração do Presidente
Obama de que haveria ‘custos’ para a Rússia se a operação Crimeia prosseguisse.
Vladimir Putin
se acredita, por conseguinte, em condições de impor outro fato consumado, nos
moldes da operação Geórgia de 2008, com a anexação na bruta da Abcásia do Sul e
da Ossetia do Sul, as duas repúblicas separatistas da Geórgia, ocupadas pela
Rússia.
Será que Putin
confunde Ucrânia e ocupação da Crimeia com uma crise no mesmo peso da
fragmentação imposta à pequena Georgia? E não se vá nem falar de que o
Ocidente, por intermédio, entre outros, de grandes potências de então, França e Inglaterra, já se empenhara em guerra na Crimeia em meados do século XIX e
que acabara mal para o Tzar de então, Alexandre II ?
(Fontes: Folha de S.Paulo, O Globo, The New York Times )
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