Já me ocupei do
assunto, mas como continua a repercutir, parece importante voltar à diferença
de tratamento recebida pelo Brasil no que tange à espionagem da NSA. Para tanto, não me detenho no
exemplo da Chanceler Angela Merkel
que sobressai pela relevância internacional, mas em um parâmetro que nos é mais
próximo. Refiro-me ao Presidente do México, Enrique
Peña Nieto, a que a Senadora Dianne
Feinstein (Cal./DEM), presidente da Comissão de Inteligência, se referiu
como aliado estadunidense, que deveria ser poupado das indiscrições eletrônicas
da NSA.
A poderosa
representante democrata chefia um dos comitês do Senado que se ocupa dessa questão.
Em enumeração de quatro nomes (França, Alemanha, México e Espanha), omitiu o do Brasil. Nesse nível, não
costuma haver esquecimento ou lapso. E, se preocupação existe na matéria, ela deve
verificar a que aproveita ao Brasil bater de frente com a Administração Obama.
Há um erro muito comum no que concerne ao
tratamento a dispensar às questões diplomáticas. As pessoas desinformadas
tendem a subestimar o aprendizado necessário para lidar com as relações entre
Estados.
E, no entanto,
a prática diplomática ensina que os negócios de Estado se assemelham a complexo
jogo, como o do xadrez, em que a movimentação das peças não é inconsequente.Manda o bom senso que o protagonismo do(a) Chefe de Estado tenha a proteção e o anteparo de instâncias inferiores. Assim como na guerra, se não é conveniente nem seguro partir logo para as últimas consequências (ao expor o que temos de mais forte, corremos o risco de fazê-lo sofrer percalços desnecessários e perigosos), tampouco na diplomacia as reações não devem ser de bate-pronto, nem sob encomenda de quem não é do mister.
Quero crer que
a jogada da Presidenta Dilma Rousseff no que concerne aos invasivos grampos e indiscrições
da NSA não tenha sido sob inspiração
do marqueteiro João Santana. Diplomacia e esse tipo de política não deveriam
ser misturados, ainda mais por quem não possui experiência e conhecimento da
arte de Talleyrand.
Pensar que
postura antiamericana possa render dividendos políticos é jogo arriscado, pois,
a par de confundir – como sóem dizer nossos antepassados lusitanos – alhos com
bugalhos, ao acenar com vantagens ilusórias nas pesquisas, pode acarretar
prejuízos mais substanciais na política com P maiúsculo.
Tenhamos sempre
presente que o Brasil, por sua extensão, população e PIB, é inquestionavelmente o segundo pais do Continente, e da
América do Sul contempla a do Norte, em invejável posição. Tal fato estará
sempre presente às autoridades da Superpotência, tanto nas precauções que essa
posição natural deva necessitar, quanto à conveniência de que sejam mantidas
boas relações entre as duas grandes Nações.
Se é
determinação da prudência que as reações da Primeira Mandatária sejam
resguardadas, não só porque elas devam ser valorizadas – e as posturas
imediatistas não representam o melhor modo de preservá-las – mas também pela
simples razão de que as relações interestatais em tal nível aconselham cuidado
na sua formulação. Tal atitude, é importante frisar, nada tem a ver com punhos
de renda e uma visão ultrapassada das relações diplomáticas.
Muito pelo
contrário. As instâncias inferiores – e nesse jogo de cachorro grande,
refiro-me a ministro de estado – estão aí para aprofundar e encaminhar as
questões (quando do nível da presente). A pressa, além de ser má-conselheira, é
a companheira da ignorância e do simplismo. Certas questões não devem ser
resolvidas de pronto, e muito menos de bate-pronto.
Ora, direis,
este não é o estilo da Presidenta. Com todo o respeito, não serão gritos nem
impropérios que contribuirão para uma visão abrangente e aprofundada da
questão. Só os amadores e os ignaros crêem que tudo seja simples em diplomacia.
A Presidente da
República Federativa do Brasil, no seu interesse e no do país que representa, deve
valer-se das informações e parecer do respectivo Ministro das Relações
Exteriores. É para isso que ele lá está. Bem sabemos que será difícil
equiparar-se a Alexandre de Gusmão, o virtual ministro de D. João V (que nos
deu o tratado de Madri e o retrato aproximado do Brasil contemporâneo) e ao Barão
de Rio Branco (que não carece de apresentações).
Essas duas
personalidades – e até o Barão que já chegou ao cargo com os louréis das
arbitragens internacionais por ele vencidas – cresceram durante as respectivas
funções.
Pela voz
corrente de Brasília, a senhora tem como maior inimigo o próprio temperamento.
Sei que lhe é difícil – e até compreensível – conviver com mediocridades nesse
inchado governo dos quase quarenta ministros, mas nas pastas-chave, no seu
próprio interesse, convém ouvir os seus auxiliares diretos. No caso do
Itamaraty, a necessidade é gritante, pois quando este seu alto subordinado dá
uma opinião, não é um exercício de repercussões de política interna, mas sim a
tradição diplomática e o estudo dos antecedentes que a ela preside.
Graves erros em
política sul-americana foram cometidos pelo seu antecessor o Presidente Lula da
Silva, justamente porque não se valeu,
no frigir dos ovos, da ciência da instituição e dos antecedentes políticos.
No quadro
político imediato, muitas decisões e atitudes foram tomadas como se a política
externa se equiparasse à interna. Dada a abrangência das implicações em jogo,
nada está mais longe da verdade.
Não vou aqui
elencar a série de atos e atitudes tomadas no capítulo pela Senhora, que, hoje,
com o benefício do tempo – que foi menosprezado – talvez não tivessem sido
adotados. Quem sabe, todavia, não venham a servir para o futuro, no sentido de
terem mostrado com riqueza de pormenores que as respostas a quente, sob o
impacto da hora, não são as mais apropriadas para o árduo e complexo jogo da
diplomacia de estado.
Um comentário:
Obrigado ao autor pela análise lúcida. Parece contudo que as prioridades míopes do governo atual já foram aparelhadas no MRE. O aconselhamento que a presidente teria seria o dos "yes men".
Postar um comentário