sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Problemas na Gestão Díplomática

                                   

       Já me ocupei do assunto, mas como continua a repercutir, parece importante voltar à diferença de tratamento recebida pelo Brasil no que tange à espionagem da NSA. Para tanto, não me detenho no exemplo da Chanceler Angela Merkel que sobressai pela relevância internacional, mas em um parâmetro que nos é mais próximo. Refiro-me ao Presidente do México, Enrique Peña Nieto, a que a Senadora Dianne Feinstein (Cal./DEM), presidente da Comissão de Inteligência, se referiu como aliado estadunidense, que deveria ser poupado das indiscrições eletrônicas da NSA.
       A poderosa representante democrata chefia um dos comitês do Senado que se ocupa dessa questão. Em enumeração de quatro nomes (França, Alemanha, México e Espanha), omitiu o do Brasil. Nesse nível, não costuma haver esquecimento ou lapso. E, se preocupação existe na matéria, ela deve verificar a que aproveita ao Brasil bater de frente com a Administração Obama.

       Há um erro muito comum no que concerne ao tratamento a dispensar às questões diplomáticas. As pessoas desinformadas tendem a subestimar o aprendizado necessário para lidar com as relações entre Estados.
       E, no entanto, a prática diplomática ensina que os negócios de Estado se assemelham a complexo jogo, como o do xadrez, em que a movimentação das peças não é inconsequente.

       Manda o bom senso que o protagonismo do(a) Chefe de Estado tenha a proteção e o anteparo de instâncias inferiores. Assim como na guerra, se não é conveniente nem seguro partir logo para as últimas consequências (ao expor o que temos de mais forte, corremos o risco de fazê-lo sofrer percalços desnecessários e perigosos), tampouco na diplomacia as reações não devem ser de bate-pronto, nem sob encomenda de quem não é do mister.

       Quero crer que a jogada da Presidenta Dilma Rousseff no que concerne aos invasivos grampos e indiscrições da NSA não tenha sido sob inspiração do marqueteiro João Santana. Diplomacia e esse tipo de política não deveriam ser misturados, ainda mais por quem não possui experiência e conhecimento da arte de Talleyrand.
       Pensar que postura antiamericana possa render dividendos políticos é jogo arriscado, pois, a par de confundir – como sóem dizer nossos antepassados lusitanos – alhos com bugalhos, ao acenar com vantagens ilusórias nas pesquisas, pode acarretar prejuízos mais substanciais na política com P maiúsculo.

      Tenhamos sempre presente que o Brasil, por sua extensão, população e PIB, é inquestionavelmente o segundo pais do Continente, e da América do Sul contempla a do Norte, em invejável posição. Tal fato estará sempre presente às autoridades da Superpotência, tanto nas precauções que essa posição natural deva necessitar, quanto à conveniência de que sejam mantidas boas relações entre as duas grandes Nações.
      Se é determinação da prudência que as reações da Primeira Mandatária sejam resguardadas, não só porque elas devam ser valorizadas – e as posturas imediatistas não representam o melhor modo de preservá-las – mas também pela simples razão de que as relações interestatais em tal nível aconselham cuidado na sua formulação. Tal atitude, é importante frisar, nada tem a ver com punhos de renda e uma visão ultrapassada das relações diplomáticas.

       Muito pelo contrário. As instâncias inferiores – e nesse jogo de cachorro grande, refiro-me a ministro de estado – estão aí para aprofundar e encaminhar as questões (quando do nível da presente). A pressa, além de ser má-conselheira, é a companheira da ignorância e do simplismo. Certas questões não devem ser resolvidas de pronto, e muito menos de bate-pronto.
       Ora, direis, este não é o estilo da Presidenta. Com todo o respeito, não serão gritos nem impropérios que contribuirão para uma visão abrangente e aprofundada da questão. Só os amadores e os ignaros crêem que tudo seja simples em diplomacia.

       A Presidente da República Federativa do Brasil, no seu interesse e no do país que representa, deve valer-se das informações e parecer do respectivo Ministro das Relações Exteriores. É para isso que ele lá está. Bem sabemos que será difícil equiparar-se a Alexandre de Gusmão, o virtual ministro de D. João V (que nos deu o tratado de Madri e o retrato aproximado do Brasil contemporâneo) e ao Barão de Rio Branco (que não carece de apresentações).
      Essas duas personalidades – e até o Barão que já chegou ao cargo com os louréis das arbitragens internacionais por ele vencidas – cresceram durante as respectivas funções.

      Pela voz corrente de Brasília, a senhora tem como maior inimigo o próprio temperamento. Sei que lhe é difícil – e até compreensível – conviver com mediocridades nesse inchado governo dos quase quarenta ministros, mas nas pastas-chave, no seu próprio interesse, convém ouvir os seus auxiliares diretos. No caso do Itamaraty, a necessidade é gritante, pois quando este seu alto subordinado dá uma opinião, não é um exercício de repercussões de política interna, mas sim a tradição diplomática e o estudo dos antecedentes que a ela preside.
      Graves erros em política sul-americana foram cometidos pelo seu antecessor o Presidente Lula da Silva,  justamente porque não se valeu, no frigir dos ovos, da ciência da instituição e dos antecedentes políticos.

      No quadro político imediato, muitas decisões e atitudes foram tomadas como se a política externa se equiparasse à interna. Dada a abrangência das implicações em jogo, nada está mais longe da verdade.
      Não vou aqui elencar a série de atos e atitudes tomadas no capítulo pela Senhora, que, hoje, com o benefício do tempo – que foi menosprezado – talvez não tivessem sido adotados. Quem sabe, todavia, não venham a servir para o futuro, no sentido de terem mostrado com riqueza de pormenores que as respostas a quente, sob o impacto da hora, não são as mais apropriadas para o árduo e complexo jogo da diplomacia de estado.

Um comentário:

Mauro disse...

Obrigado ao autor pela análise lúcida. Parece contudo que as prioridades míopes do governo atual já foram aparelhadas no MRE. O aconselhamento que a presidente teria seria o dos "yes men".