De repente, uma séria crise se
abateu sobre Barack Obama e sua presidência. A sociedade civil está revoltada
com a aparente indiferença quanto à implementação da Lei da Reforma Sanitária
Custeável, a mais importante realização legislativa do seu governo. Em
consequência, o índice de aprovação de Obama despencou de 51 para 41%, e muitos já acenam
com cenário similar ao enfrentado pelo antecessor George W. Bush, na metade final do segundo mandato, que a
História já enquadra no âmbito do furacão Katrina e do desastrado tratamento
que recebeu da Administração Bush.
Os
parlamentares democratas estão inquietos e em polvorosa diante da assaz efetiva
possibilidade de que a mistura de displicência, falta de controle, e
incompetência administrativa na gestão e implementação do site da reforma sanitária venha a castigar pesadamente os
democratas nas vindouras eleições intermediárias de 2014, repetindo o cenário do shellacking
de 2010.
É realmente difícil
de engolir tanto alheamento e displicência quando soou a hora de o que deveria
ser firme resposta às críticas sectárias do Tea
Party, e a falta de qualquer cooperação do GOP para tornar realidade um programa de assistência sanitária que
se destina a beneficiar milhões de americanos até hoje sem cobertura de seguro
médico. Toda a oposição do Partido Republicano a uma ideia e a um plano calcado
em projeto de governador do GOP (Mitt Romney em Massachusetts) – sequer um
voto de deputado ou senador desse partido foi dado para o referido projeto -,
deveria ter sido contra-arrestada, uma vez vencidas as grandes barreiras (não
só a total oposição no Congresso, mas a contestação à constitucionalidade do Obamacare que foi levada até a Suprema
Corte, onde a lei da Assistência Sanitária Custeável prevaleceu,
surpreendentemente com o voto do presidente da Corte, o republicano John G. Roberts).
Mais uma vez
esse estranho autismo político de Barack H. Obama se evidenciou. Como já referi,
o ex-Presidente Clinton reportou-se a
contradição na personalidade do atual presidente: consegue fazer as coisas difíceis (e a aprovação da
Reforma da Saúde está entre elas), mas tem
dificuldade com as fáceis, tendo nesse âmbito comportamento alienado e
mesmo desinteressado.
Como me
reportei em blog anterior, o povo
americano mostra certo preconceito contra os intelectuais na política. Obama,
por uma série de circunstâncias, contornou essa desconfiança, ao vencer as
primárias contra Hillary Clinton e o embate contra John McCain, para o primeiro mandato, e, no segundo, com a ajuda do
bartender da Flórida, a disputa com Mitt Romney.
Por vezes, é
difícil tentar entender as características do temperamento de Barack Obama. O
primeiro presidente afro-americano da história estadunidense, a personalidade
do 44º presidente nos reserva muitos contrastes que fazem a alegria de
psicólogos e psicanalistas. Não faz aparente sentido que criatura política com
a sua experiência de adversidade (saíu do cenário complicado do estado de
Illinois), possa cair em armadilhas criadas pelo respectivo temperamento, em
que um intelecto privilegiado convive com dessultória vontade de empenho na
aparente pequena política – que como
insinuou o grande especialista Bill
Clinton (que logrou a custo vencer os próprios demônios) Obama, de forma
até preconceituosa, pode às vezes tratar
de modo desdenhoso (e, contraditoriamente, pouco inteligente).
Não há exemplo
mais crasso desta recorrente falta de sensibilidade de Barack Obama para o
dia-a-dia às vezes aborrecido da pequena política, do que o abismal alheamento
que deu à implementação da Lei da Reforma Sanitária Custeável.
Agindo como agiu, deixando nas mãos de
burocratas sem imaginação ou de pessoas que não tinham a inteligência prática
de capacitar-se do desafio que tinham pela frente – afinal o site de um programa é a sua porta de
entrada para os usuários. De que serve construir a sofisticada armação do ACA, sempre sob o fogo amigo do GOP, se estupidamente se deixa nas mãos
de incapazes o mecanismo que deverá torná-lo afinal realidade?
A maldição do
Katrina para o final da Administração
Bush envolve insensibilidade diante da tragédia da gente pobre e afro-americana
em New Orleans e no respectivo entorno. Se a comparação semelha a princípio
forçada, pela diferença no impacto existencial e na própria atitude de George
Bush, não estão errados aqueles que alertam para os muitos pontos de contato
entre o tópico alheamento dos dois Presidentes.
Começa,
assim, a questionar-se não a inteligência e a capacidade respectiva dos
mandatários, mas a sua honestidade e o compromisso de bem servir à gente mais
necessitada. A raiva não é boa companheira, e Obama deveria estar mais atento
às implicações de seu distanciamento eventual (que já apareceu no desastroso biênio
inicial do primeiro mandato), se deseja vencer este desafio – pois acredite ou
não – tal prova é digna de Sua Excelência, e não afundar-se, ao invés,
literalmente como seu predecessor nos pântanos da região de New Orleans.
(Fonte:
The New York Times)
Nenhum comentário:
Postar um comentário