Outro dia, os jornais anunciaram
que a pauta das reivindicações das passeatas de junho dorme nas gavetas de
Câmara e Senado.
De repente,
desapareceu a urgência e tudo semelha voltar à pasmaceira de antes. As PECs relativas às votações das
cassações, a serem doravante decididas por voto a descoberto, voltaram à
situação anterior. Nada mais anda... Como se, passada a tempestade, o Congresso
das quartas-feiras pensasse em voltar às antigas usanças, sob a doce música
(para os ouvidos deles) da alienação parlamentar.
Outro
comportamento similar está na renovação das posturas de independência dos
poderes, sobretudo no que concerne à cassação de mandatos de Suas Excelências.
Em termos de cassação de mandato parlamentar, por decisão colegial do Supremo,
a determinação da cassação ficaria a cargo do Congresso (Senado ou Câmara).
Essa
alteração, se mantido o voto secreto, pode criar problema similar ao do
congressista presidiário Natan Donadon.
Bem fez, portanto, o Presidente Henrique Alves, no caso em tela dos deputados
presos (ou por serem presos), em função de sentença do STF, de evitar que reponte e ressurja a dança sem sentido do
corporativismo exacerbado. Por isso, o
presidente da Câmara, o Deputado Alves, deixou bem claro que só porá a matéria
em votação quando alterado o instituto
respectivo para o voto aberto. Invibializará, dessarte, a repetição do
vexame da negação da cassação ao deputado Natan
Donadon. É sensata a decisão do Presidente Henrique Alves, ao evitar
ulterior motivo para a desmoralização da Câmara.
Neste jogo de
vaidades, é de lamentar-se que se deixe ao bom senso as ações respectivas. O
caso precedente, pelo seu absurdo – negar a cassação ao deputado Natan Donadon
– afundou ainda mais o processo vigente, em que os deputados se escondiam no
anonimato para manter situações que são afronta antes de tudo à própria
cidadania.
Quanto ao caso
do Deputado
José Genoino, não confundamos alhos com bugalhos. Pela sua condição
médica, Genoino deve ter decretada a prisão domiciliar, porque mais do que um
erro, seria desumanidade mantê-lo no regime atual, com a precariedade dos
atendimentos médicos do cárcere.
Entretanto, o
deputado Genoino foi legalmente condenado pelo Supremo em sessões públicas, na Ação Penal 470. Não querendo ser mais
realista do que o rei, forçoso será concluir que a omissão do Supremo deveria
ser corrigida. Não é o caso de conceder ao Congresso a opção de divergir sobre
determinação judicial. Atuando dentro de sua competência, o Supremo tomou
decisão, de que não cabe recurso. À Camara (ou ao Senado) cabe apenas tomar ciência, em decisão de índole administrativa. Ipso
facto e ipso jure[1], por conseguinte,
o seu mandato de deputado foi automaticamente cassado. Caberia à presidência da
Câmara tomar conhecimento do fato, e registrá-lo para os devidos fins. E nada
mais.
Na democracia
americana, um juiz singular, após o devido processo – que prescinde de qualquer
autorização, seja do Senado Federal, seja da Câmara de Representantes – após
conhecer, julgar e eventualmente condenar o parlamentar, cria um fato jurídico
perfeito e inatacável. O congressista não tem nenhum privilégio no particular
sobre o cidadão comum. Agora, tal procedimento acaso nos induziria a considerar
o regime estadunidense como menos democrático?
Infelizmente, as
condições da democracia em Pindorama
exigem que precauções ulteriores sejam tomadas, como atribuir a competência do
julgado ao Supremo. Mas depois de todo o processo, realizado em sessões
públicas, e asseguradas todas as defesas, esgotado o contraditório, a justiça
no Brasil não merece passar pelas forcas
caudinas do privilégio de que outro Poder se sobreponha à lei (válida para
os demais mortais) e assegure aos congressistas um juízo de exceção. Como, no
entanto, essa decisão corporativa só tem o valor de manter a ficção do mandato
– como se viu no caso do deputado Donadon
– creio que é mais do que tempo que o Legislativo – no caso a Câmara – cesse com tais
encenações corporativistas e mostrem respeito à Lei e a competência dos
Poderes. O que, mutatis mutandis,
semelha ser a posição do Presidente Henrique Alves.
(Fonte: O Globo )
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