quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O Irã dos ayatollahs enfrenta sua maior crise


                  
        Segundo a Anistia Internacional o Irã, sob o regime clerical dos ayatollahs, enfrenta a sua mais grave crise, desde a Revolução islâmica, há quarenta anos atrás. Há pelo menos 208 mortos, e devem surgir outras centenas de vítimas, à medida que os protestos - que irromperam em quinze de outubro - são sufocados pelo governo com a desenfreada força das tiranias ameaçadas.

           Confrontada com a própria ineficácia, e a crescente corrupção no regime clérico-militar, a agitação começou há duas semanas, com o repentino aumento no preço da gasolina, que atingiu 50%.  Em 72 horas, atordoados pela indiferença e a crueza das autoridades clericais, manifestantes indignados ocuparam as ruas das cidades iranianas, tanto pequenas quanto grandes, exigindo a derrubada do governo e a deposição de seus líderes.

            O modo da reação das chamadas forças de segurança não poderia ser mais brutal e desapiedado, disparando contra a turba dos demonstrantes, na sua grande maioria desempregados ou de outros jovens (entre 19 e 26 anos), que se debatem nas mesquinharias dos horizontes da baixa renda.

            A crueldade extrema, sem qualquer apelo ou mesmo ameaça para que os jovens recuassem ou fugissem, das chamadas forças da repressão, revelou a reação sem peias, partindo para os extremos da violência, como se inebriadas pelo seu poder sobre a vida daqueles infelizes que passavam a abater em orgias de sangue.

             Assim, somente na cidade interiorana de Mahsahr, no sudoeste do Irã, segundo o pessoal médico e as testemunhas da barbárie, membros da famigerada Guarda Revolucionária, após cercarem, dentro de um adrede sopitado frenesi sem quaisquer intentos de que se entregassem, passaram a atirar e a matar dezenas de manifestantes - entre quarenta e cem, na contabilidade a um tempo cruel e alucinada, e a outro sádica e quase burocrática, a quem se depara com a distância de uma quase meticulosa exação, enquanto os desgraçados vão perecendo instantaneamente, como se moscas fossem, desarmados que estão na sua grande maioria - e tudo isso nas pútridas paragens de um pântano para onde tentaram fugir, no desespero que se lhes abate, a um tempo sádico e corrosivo, na cruel clemência da chacina, sem outras  peias, que a das águas turvas e lodosas, que prometem, naquela quase banal orgia de crueldade, a sufocação do afogamento, em meio às dores lancinantes e o brutal embrutecimento de miseráveis instantes que prometem aos infelizes a fugaz asfixia da estranha partida de uma vida execrável.   

              Quem sabe a imaginação será de sua travessia o único testemunho. Cercados por gente aparvalhada, em atmosfera de surdo, sádico estupor, o que podem mais desgraçados, derrubados que foram por suas boas, mas inoportunas, intenções, se verem ora condenados ao banal esterco, dentro de um país que pelos seus progressos materiais desenha luzes brilhantes para muitos,  enquanto mais longe os depara uma turba que por vezes, só encontra como refúgio as ásperas, lancinantes despedidas de uma morte, tão sufocante quanto opressa,  no fedor de um charco interiorano.

( Fonte: O Estado de S. Paulo : o Irã enfrenta a mais grave crise política em quarenta anos ).

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