segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O Supremo é muito maior do que a Lava-Jato


                 
        Transcrevo, por oportuna, a totalidade da entrevista concedida pelo Ministro Edson Fachin, de certo uma das grandes presenças no atual STF.

O sr.acha que será lembrado como o relator da Lava-Jato?

O tribunal é, seguramente, muito maior do que a Operação Lava Jato.No meu gabinete, ela responde  por 20%, 25% dos casos. A Lava Jato deve ter início, meio e fim. O tribunal vai realizar sua função. E eu, sem nenhuma falsa modéstia, acho que estamos cumprindo a função de fazer aquilo que deve ser feito. O que espero, do ponto de vista de legado para quando eu sair, é que tenha contribuído para o Supremo se tornar uma corte constitucional.

O sr.defende menos processos criminais e mais constitucionais no Supremo?

É preciso discutir se um ministro do Supremo deve dedicar-se a debater prioritariamente as questões de índole constitucional ou se somos e continuaremos a ser a quarta instância revisora de quase todos os procedimentos criminais que se iniciam no Brasil. Os demais tribunais - os regionais, os de Justiça e o STJ - são cortes ou tribunais de passagem para chegar ao Supremo? Ou há que se fixar um limite dizendo que nessas matérias a última palavra, por exemplo, é do Superior Tribunal de Justiça? 

Há críticas de lentidão na análise de processos no STF, O que o senhor propõe para dar agilidade?

É preciso abrir espaço para o regime interno prever possibilidades de ajustes e adaptações tecnológicas. Alguns aspectos precisam ser discutidos nessa seara, como a publicação dos acórdãos, uma sistematização dos pedidos de vista. E também alterações de médio prazo na legislação infraconstitucional. Um exemplo controvertido - já que alguns ministros têm posição no sentido contrário - é a denúncia no Supremo, dependendo do investigado ou do denunciado, ser apreciada pela Turma ou pelo pleno (com os 11 ministros). Isso significa que o relator não tem poderes para deliberar pelo recebimento da denúncia.

O  senhor propõe que o relator de um caso julgue o recebimento da denúncia sozinho?

Esse é um debate de alteração legislativa, porque a legislação federal prevê esse recebi- mento do colegiado. Mas qualquer juiz federal no Brasil em qualquer comarca pode, monocraticamente, receber uma denúncia. Ministro do Supremo não pode. Na ideia segundo a qual não há autoridade com maior ou menor privilégio, todos se submetem ao mesmo patamar. É natural que algumas autoridades continuem tendo julgamento cole- giado, como o Presidente da República.

Qual seria o efeito dessa modificação na legislação federal?

Entendo que hoje há uma solenização excessiva. E isso não atende nem ao interesse da defesa, nem a dos investigados ou acusados. Nós quase apreciamos três vezes a conduta: ao abrir o inquérito, ao apreciar a denúncia e, se for recebida, ao julgar a ação penal. A rigor, quando há uma imputação tem de se proceder, se for o caso, e o Ministério Público pediu, a investigação no inquérito, na verdade a coleta de informações no inquérito. Se houver indício de materialidade e autoria, o MP oferece a denúncia, o juiz dirá se esses indícios estão presentes ou não, faz a instrução penal para que com a maior brevidade possível não fique assim uma espécie de espada de Dâmocles no pescoço, inclusive do réu.  É direito de todos. Então, não estou dizendo apenas que isso é importante para o juízo de acusação. É importante para a defesa, afinal, os condenados serão condena- dos porque a culpa restou provada, e os que não restarem a culpa num prazo razoável, célere, terão a sua absolvição. É disso que se trata, "dessolenizar" esses três momentos para que tenhamos mais julgamentos definitivos.

O sr. propõe mais alterações ?

Cheguei a redigir um anteprojeto mudando o regime jurídico da prescrição criminal. Apesar de ser um dever constitucional, a ampla defesa e o devido processo legal, a forma como está no Código Penal e no Código de Processo Penal o regime jurídico da prescrição é uma porta aberta à impunidade. (meu o grifo)

O futuro ministro da Justiça e ex-juiz, Sérgio Moro, também quer propor mudanças em leis. Como ele, o sr. pretende apresentar um pacote?

São essas duas ideias, uma já feita e outras a fazer,  que eu vou trabalhar pontualmente. Não há pacote, não tenho pretensão de fazer algo nesse sentido, até porque isso não compete a mim como magistrado. Compete a mim, como juiz de uma corte constitucional, dar sugestões a partir dos problemas concretos que temos aqui.

A chegada de Jair Bolsonaro à Presidência e de Moro à Justiça, ambos com discurso contra o crime e de combate à corrupção, favorece alterações legislativas?

Proponho alterações de natureza  estrutural. Está na Constituição o prazo razoável da duração de processo. Governos têm projetos conjunturais. Se houver evidentemente um ambiente que acolha essa ordem de ideias, tanto melhor, mas eu não me refiro a este ou aquele momento. Essas são mudanças de médio prazo.

O pedido de rescisão do acordo de executivos da J&F põe em risco o futuro das delações no País ?

São 110 colaborações que já passaram por mim. Só quatro estão sendo questionadas.

Mas nas quatro houve pedido de anulação de provas pelas defesas do presidente Michel Temer e do senador Aécio Neves.

O questionamento que estou observando diz respeito à rescisão total ou parcial da colaboração. Em nenhum momento que pediu a rescisão o Ministério Público tocou na questão das provas. Pelo contrário, o MP diz que, independentemente do resultado, con- sidera que as provas são válidas.

Em julgamento no ano passado sobre a delação, alguns ministros do STF falaram so-bre a possível anulação de provas.

Existe uma coisa que os julgadores dizem nos colegiados, que é o obiter dictum, ou seja,  opiniões manifestadas no curso do julgamento, mas que não há sobre isso nenhum juízo de valor. Nas rescisões que estão comigo, não há menção do autor, MP, qualquer alegação de ilegalidade das provas. Vamos discutir o que foi pedido.

O que o julgamento significa para o futuro das delações?

Esse será um momento importante para estabelecer os limites e possibilidades das cola- borações. Não vejo nenhuma possibilidade de ser colocado em risco o instituto da cola- boração premiada. É uma das inovações legislativas mais importantes que o Brasil teve nos últimos tempos.[1] Se há algum tipo de excesso, alguma circunstância, a jurisprudên-cia certamente colocará limite nisso. (fim da citação do Estado de S. Paulo)

(Fonte que transcrevo, grato e penhorado, bacharel que sou pela antiga Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro.)  


[1] Meu o grifo.

Nenhum comentário: