sábado, 13 de dezembro de 2014

Petrobrás ou a dinâmica das crises

                           

        Era uma vez um partido xiita que se pautava exclusivamente pela ética. Aqueles gatos pingados que acreditaram em atender ao clamor das ruas, e decidiram votar em Tancredo, a despeito da ordem da direção de entregar ao povo a escolha e não ao acordo suprapartidário, pagaram caro a sua opção aberta, conforme ao espírito de então.

       Fácil então para Lula e seu grupo fulminarem a solução costurada por Tancredo Neves, que obteria, por via indireta, o que a Nação ansiava, i.e. a reforma, no sentido militar do termo, dos generais e de seu representante Paulo Maluf.

       Se se partisse para o caminho doutrinário, a solução tenderia a demorar e, ironicamente, a defesa rígida, inabalável e xiita da democracia poderia dar chabu, e, quem sabe, poderia repontar  uma solução insatisfatória. Naquela época, o PT era uma banda com poucos músicos, e não tinha muito a perder com posturas maximalistas.

       Hoje Dilma Rousseff, por uma falsa ironia, se vê cativa de crise que cresce a cada semana, e que tem a sua origem na Petrobrás.

       Seria de pensar que partido com o programa do PT transformaria, com zelo e empenho, a Petrobrás no seu carro-chefe. A grande empresa estatal, fundada por Getúlio Vargas, e que se deve honrar e preservar, pelo que representa para os brasileiros. Quantos de nós, nesse sentido, reservamos de nossas, por vezes parcas, economias a contribuição símbolo, i.e. a aquisição de ações da Petróleo Brasileiro S.A., como prova singela da confiança e do orgulho na maior empresa nacional.

       Como então pensar que Lula da Silva e seu partido tratariam tão mal a Petrobrás?  Nem FHC, a quem se tachara de neoliberal, teve comportamento comparável com o da dita frente de apoio parlamentar .  Serão os mesmos do mensalão, só que em maior número, pois o cartel das grandes empreiteiras ora se debate na rede do Procurador-Geral, com toda a sua cáfila de aproveitadores, agenciadores et al.  Nas palavras do Ministro Felix Fischer eles representam a grande roubalheira, impensável para muitos, porque desrespeita a pedra-mestra dos fundamentos de nossa economia.

        Na verdade, a crise  não é só da Petrobrás. Ela é a crise de  sistema de governo, que se caracteriza por agressivo e invasivo aparelhamento do Estado. Desde muito, a ambição do Partido dos Trabalhadores se dirigiu para os gastos correntes dos órgãos estatais. Com a sua inchação – que não é empresa de neófitos, porque conduzida de modo contínuo, dentro de sua prioridade de poder –  fez com que o Estado se tornasse mais pesado e grande, quando a norma atual é o oposto.

        Essa ilusão ignora a circunstância de que o projeto do PT é sobre o PT mesmo. Quer torna-lo grande às expensas do Brasil. Por isso, o PT de Lula e Dilma tem o projeto de poder que se implementa e concretiza pela transferência maciça do dinheiro público para reforçar a própria presença, só que estipendiada com o dinheiro dos fundos públicos. É esquema atrevido, mercantilista nos métodos, e que, com o tempo, infunde em seus gestores a impressão de que não haveria distinção entre o que é da Nação, e o que é do Partido.

        Essa tese, pela respectiva ousadia, se alimenta pelo dissídio, e pelo compreensível ceticismo daqueles que se recusam a crer em similar projeto.

         Entrementes, no entanto, e a despeito de seus opositores, a tese se vai disseminando, acolchoada pelas diversas instâncias, inclusive a malta dos inocentes-úteis.

         O  Petrolão é aquele falso segredo, que se serviu por vezes da descrença de muitos, diante de tal enormidade. Hão de ter pensado que tal desígnio seria impossível, pela evidência e grandeza da Petróleo Brasileiro S.A. Sem embargo, a cobiça deve toldar-lhes  raciocínio e  natural prudência, que se espera devam morar no homem público.

         A velha máxima de que ser honesto é a melhor solução – e até por velhacaria, segundo acrescenta o vulgo  - não mais semelha possuir a força de alertar a pessoa política dos perigos da corrupção. Algo se rompeu nesse mecanismo, o que leva, além do dirigente político – que é a peça básica da corrupção, por  ser a única que dispõe da força suficiente para pôr em marcha o infernal mecanismo – a adotar atitudes insensatas e temerárias, como se não os esperasse na curva do caminho a perspectiva sempre maior da exposição, da acusação e da comprovação do ilícito.

         Tudo isso essa gente parece ignorar.  Essa aula de crime a que alude o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, está na base do empreendimento. Espanta que gente esperta e mesmo inteligente, como se tem oportunidade de verificar, acredite possível manter similar esquema longe dos braços da lei. É verdade que o poder inebria, e a húbris é a atitude que representa a contra-face desse otimismo que outros diriam temerário, e que está na raiz do empreendimento criminoso.

         Dilma Rousseff parece ter apreendido bem sua lição do mestre, ainda que apedeuta, Luiz Inacio Lula da Silva. Na atualidade, ele terá perdido a capacidade de eleger ‘postes’, como sinalizou com a usual empáfia e que, dentre muitos, estão representados por ela, a candidata de algibeira, e por Fernando Haddad.  O irônico terá sido que ambos cumpriram o seu dever de casa vencendo  um tarimbado político – sem ser médico, o melhor ministro da saúde que por aqui tivemos – José Serra. Essas vitórias são triste evidência do subdesenvolvimento de que ainda padece o eleitor brasileiro.  É difícil imaginar terra no hemisfério norte em que um chefe político, um coronelão, logre fazer com que um país (ou a sua metrópole) eleja uma virtual desconhecida, ou alguém com experiência política muito inferior, ao candidato da oposição, no caso o ex-governador e ex-prefeito José Serra.

          Como Lula tem a capacidade de reverter situações quase perdidas – como no caso do Mensalão, v.g., em que até a esposa cuidou de arranjar documento para exilar-se -, fica difícil intuir a possibilidade de o PSDB jogar fora, por juízos políticos ineptos, essa   oportunidade de dar a volta por cima.

          Aqui não se deve pensar em vitórias no tapetão. Por ora, isso é quase impossível, dado o aparelhamento resultante de doze anos de poder.

         Sem embargo, em meio à confusão e aos despautérios, a crise parece adquirir uma dinâmica própria. As charges de Chico Caruso podem servir de mapa da mina: uma série de dominós que vão caindo, Lula primeiro, e Dilma, ao fundo, perdendo o equilíbrio; e hoje, como uma nova pensadora, sentada no barril de petróleo, com a mecha acesa.     

         Há momentos-limite, em que cresce a sensação de podridão. A leitura pelo deputado Marco Maia de um anti-parecer, em que não indiciou ninguém, e no dia seguinte, a seriedade do Ministério Público Federal, mostrando a amplitude e a profundidade do respectivo esforço do Procurador-Geral Rodrigo Janot, que se liga ao corajoso, meritório e honesto trabalho do Juiz de 1ª Instância Sérgio Moro.

         A Procuradoria-Geral da República, cuja presente posição de autonomia, junto com a da Polícia Federal,  é decorrência da Constituição Cidadã, e torna possível o julgamento de ações penais como a de número 470, pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o privilégio dos resultados alcançados pelo julgamento do Mensalão se devem igualmente ao esforço, coragem e ciência jurídica do relator Ministro Joaquim Barbosa.

          Se ainda não estão de todo esclarecidas as razões que levaram o Presidente Joaquim Barbosa a requerer a aposentadoria antecipada, há sobejos motivos de preocupação quanto à capacidade dos sucessores de seguir seus passos.

          De qualquer forma, o desenho de Chico Caruso pode ser pressago. É difícil sufocar a verdade. E na Petrobrás – que em verdadeiro inferno astral pela série de ações em foros americanos, com multas americanas, motivadas por inversores e agências preocupadas com os atuais níveis de respeito à legalidade da maior empresa brasileira – se reforça o movimento de uma geral limpeza nos quadros de sua direção.

          A presidente da Petróleo Brasileiro S.A. fez ouvidos de mercador às comunicações e denúncias de uma funcionária da empresa, Venina Velosa da Fonseca, que depois de arrostar muitos dissabores e veladas perseguições burocráticas, resolveu uma vez mais bater à porta da Presidente Graça Foster, alertando-a sobre desvios e superfaturamento na Refinaria Abreu e Lima. A presidente, uma vez mais,  não deu resposta nem seguimento administrativo crível aos avisos da funcionária da Petrobrás.

          Até o presente, a presidente Dilma Rousseff se tem recusado a afastar a sua amiga Graça Foster, por causa das inúmeras irregularidades na empresa, que, ao parecer, não lhe fazem mossa.

         Tampouco atendeu e mandou que seu Ministro da Justiça respondesse por ela, e negativamente, à sugestão feita pelo Procurador-Geral da República para que demitisse Graça Foster. Afirmar a própria ignorância em uma empresa com os problemas éticos e as irregularidades sinalizadas, pode constituir razão bastante para destituição, eis que mostra pelo menos incapacidade de estar informada sobre o que está sucedendo com a empresa de que ela é a presidente.                   

         Problemas não faltam na maior empresa nacional, e quando a gestão não atende ao que se espera da responsável, as consequências devem ser tiradas em tempo útil e sem maior tardança. O quadro da Petrobrás não atinge apenas a amiga da Presidenta. Dado o descalabro administrativo e a perda de substância, ele vai bem além: impasse no Conselho Administrativo sobre como registrar no balanço financeiro as perdas com a corrupção forçou a empresa a apenas divulgar dados parciais na sexta-feira, doze de dezembro. A previsão é de corte de investimentos e de não fazer captações (i.e. tomar empréstimos) no mercado em 2015. Pede-se paciência aos inversores diante da queda em bolsa das ações em 6,56%.

         Por isso, é difícil entender que Dilma Rousseff – que foi presidente do Conselho Diretivo e, por conseguinte, tem muito a ver com a compra em condições tão estranhas da refinaria de Pasadena – confunda amizade pessoal com decisões de estado. Porque, em fim de contas, pode ser que na próxima semana já não mais estejam batendo à porta pela demissão de Graça Foster da presidência da Petróleo Brasileiro S.A., empresa com que o Partido dos Trabalhadores, por intervenção de seus máximos líderes,  se tem comportado de forma que escapa às descrições mais negativas que imaginar-se possa.

 (Fonte:  O  Globo)

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