quinta-feira, 4 de abril de 2013

O que fazer da Coreia do Norte

                                

        A República Democrática Popular da Coreia (Coreia do Norte) é uma consequência da Segunda Guerra Mundial. Por força da rendição do Império do Japão, a península da Coreia foi entregue aos aliados.
         Na verdade, a União Soviética só declarou guerra contra o Japão no apagar das luzes desse conflito e, ironicamente, Stalin entrou em estado de beligerância contra Tóquio a instâncias sobretudo dos Estados Unidos.
         Antes que os trágicos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki induzissem o Imperador Hirohito a forçar o gabinete nipônico por meio de seu célebre discurso a pedir a paz, através da rendição, a Washington, outra era a expectativa do comando militar estadunidense. Com efeito, durante a Administração de Franklin Delano Roosevelt, morto em 12 de abril de 1945, e mesmo do sucessor Harry S Truman, a previsão do Estado Maior era de uma resistência cruenta, com muita dificuldade no avanço e a consequente estimativa de um número elevado de baixas nas forças armadas americanas.
        Por isso, o governo de Washington insistira, através de FDR,  na abertura pelos russos de um segundo front, com vistas a forçar o Japão a dividir suas forças.  Por ironia do destino, os bombardeios atômicos das cidades de Hiroshima e Nagasaki, autorizados pelo Presidente Truman,  tornaram desnecessária a investida das divisões de Jozef Stalin contra um Japão já derrotado, e que breve assinaria a rendição a bordo do USS Missouri, a 2 de setembro de 1945, na presença do futuro pro-consul General Douglas  Mac Arthur.
        Stalin, no entanto, tinha pressa, pois  desejava apagar o vexame histórico de 1905, com a derrota da Rússia Tzarista frente à nova potência do Império do Sol Nascente. Desse modo, com os efetivos liberados pela derrocada da Alemanha nazista, Stalin lançou a Operação Mandchúria (de 9 de agosto a 2 de setembro de l945). Nessa investida, diante de forças desmoralizadas, o Exército Vermelho se apossou de Mengjiang e do norte da China, do norte da Coréia, das Ilhas Sakhalinas do Sul e das Ilhas Curilas.
       A par de apoderar-se dessa extensão insular do  Império Nipônico – território esse que constitui até hoje um contencioso agora entre a Federação Russa e o governo japonês – restava sobretudo como dispor da península coreana, que fora colônia do império japonês de 1905 a 1945.
      Após a derrota e rendição de setembro de 1945, o seu controle passou às forças aliadas. Com o domínio no norte dos comunistas, falharia a reunificação através de eleições livres, boicotadas pela parte comunista. Prevaleceu então a ‘solução’ vigente na época, i.e., dividi-la pela metade, à moda de outras partilhas de território entre as forças aliadas, vencedoras das potências do Eixo.
      Nesse sentido, em 1948, inviabilizada a reunificação, foi entregue o mando na parte do Norte – já sob controle soviétio - ao agente comunista Kim Il-Sung.
      A guerra da Coreia, provocada pela agressão do exército de Kim Il-Sung, durou de 26 de junho de 1950 a 27 de julho de 1953. Pela resolução nº 84, o Conselho de Segurança aprovara a constituição de Força das Nações Unidas para defender a República da Coréia do ataque da Coreia do Norte. Tal resolução só se tornara possível pelo então boicote da URSS às reuniões do Conselho, em protesto à atribuição a Chiang Kai-Chek e à China Nacionalista do assento permanente no Conselho de Segurança (com a retirada do exército nacionalista da China Continental para a Ilha de Formosa, os comunistas chineses sob Mao Zedong constituíram a República Popular da China).
        No conflito coreano, se defrontaram notadamente o exército americano e os “voluntários” da novel República Popular da China. Esse conflito foi suspenso por um armistício – não há um tratado formal de paz – havendo uma zona desmilitarizada em torno do paralelo 38º N.
        A República Democrática Popular da Coreia – o nome oficial da Coréia do Norte – tem em torno de 24,5 milhões de habitantes, e ocupa 55% do território da península coreana. A sua capital é Piongyang.     
         Por sua vez, a República da Coreia, com capital em Seul, tem 49,5 milhões de habitantes, e é a 13ª maior economia do planeta.
         Kim Il-Sung, fundador da dinastia dos Kim, morreu em 1994, sendo sucedido pelo filho Kim Jong-Il, que governaria de 1994 a dezembro de 2011.
         Com a morte do pai, ascendeu ao poder o rubicundo Kim Jong-un. A princípio, encarado pela mídia com certo ceticismo, dada a extrema juventude, logo circularam rumores de que não tardaria em ser derribado pelas Forças Armadas.
         Dadas as características militarizadas do país, da crônica destituição de sua população, das enormes e largas avenidas despojadas de veículos, da fome que costuma amiúde assolar  sua gente (a ponto de ser recipiendário contumaz do Programa Mundial de Alimentos (PMA)), por vezes pessoal mal-informado tende a comparar a Coréia do Norte com a antiga Prússia,  na velha imagem de um exército que dispõe de um país.
         No entanto, essa comparação não poderia estar mais longe da realidade. A Prússia hoje apenas uma expressão geográfica em mapas históricos era uma nação próspera, que chegou ao seu ápice na administração de um grande governante, o Príncipe de Bismarck. Se a Prússia tinha um exército respeitável, também eram respeitáveis as suas muitas indústrias, as culturas agrícolas, e uma população entre as mais numerosas do Império de Guilherme I.  Qualquer cotejo com a inane Coréia do Norte, em que as hostes militares constituem uma casta à parte (enquanto os camponeses e os poucos operários estão no limite da subnutrição) não terá, portanto, qualquer valor objetivo.
        Ainda no que tange a Kim Jong-un tampouco contribuíu para realçar-lhe os títulos para empolgar o comando de seu país o seu risonho entusiasmo em assistir  a atuação cênica do grupo norte-coreano Moranbong. Fantasiados de personagens do mundo da Disney, como Mickey Mouse, Ursinho Pooh, Branca de Neve, o elefantinho Dumbo, a Bela e a Fera, eles dançaram para a cúpula do regime, sob os exultantes aplausos do Líder Máximo Kim.
        A atuação e as provocações da Coréia do Norte só podem ser inteligíveis, através dos diversos surtos que já experimentaram no passado – e às sanções a que foi submetida, inclusive as últimas, com a unanimidade do Conselho de Segurança, e, portanto, de sua protetora oficial, a República Popular da China – que ela tenha sabido valer-se de dois trunfos básicos: o fato de dispor de armamento nuclear, mesmo que de baixa sofisticação, e de contar com o respaldo da RPC.
        A importância do armamento nuclear – ainda que nas presumíveis rudimentares condições dos artefatos de posse da Coreia do Norte – pode ser comparada a um semáforo amarelo, que leva as demais potências nucleares, e sobretudo aquelas participantes das chamadas negociações hexapartites, a adotarem ulteriores medidas de cautela, que semelhariam fora de ordem se a eventual entidade transgressora só dispusesse de armamento convencional.
         A RPC passa como sendo a única aliada da República Democrática Popular da Coreia. No curso de suas diversas ações de provocação do passado mediato – como o afundamento de um navio sul-coreano Cheonam, a 26 de março de 2010, por um torpedo lançado por submarino, de que resultou a morte de 46 pessoas – a  China terá desempenhado o papel de potência protetora, não obstante as ameaças de Piongyang de que faria outros ataques no caso de sofrer sanções por tal ação.
          Como estarão agora as relações entre a China e a Coréia do Norte em virtude do apoio prestado pela China à condenação com sanções pelo CSNU do último exercício nuclear coreano do norte em desrespeito à proibição internacional ? Não se desconhece que as presentes ameaças de Kim Jong-un à Coréia do Sul e aos Estados Unidos têm como causa a imposição das ditas sanções.
            Na semana passada, o Supremo Líder ordenou a seus subordinados a preparação de um ataque missilístico contra os Estados Unidos. Nesse sentido, ele aparece diante de um mapa de parede com o título em caracteres garrafais: Planos para atacar o continente dos Estados Unidos. E no mês passado, os generais de Kim se gabaram de ter desenvolvido uma ogiva nuclear ‘estilo coreano’, que poderia ser transportada por um ICBM (foguete balístico de alcance intercontinental).
           Tudo leva a crer que se trata de bazófia, eis que o arsenal da Coréia do Norte não tem a capacidade de atingir as costas do Pacífico americano. Nem há indicações de que teriam logrado miniaturizar a carga da ogiva nuclear.
            Na verdade, o que preocupa a Administração Obama não são as capacidades de que se vangloriam Kim e seus generais, mas sim aquelas que a liderança não está sequer mencionando. Há duas semanas atrás, o sistema bancário e a transmissão televisiva na Coréia do Sul  sofreram ataques cibernéticos supreendentemente bem-sucedidos. Segundo especialistas sul-coreanos (e norte-americanos), não parece haver dúvidas quanto à procedência de tais investidas, o que desperta assombro e preocupação se realmente  um país como a Coréia do Norte constitua o principal suspeito.
            A Presidente Park Geun-hye, da República da Coreia, que é filha de militar e ex-homem forte da Coréia do Sul, recomendou ao comando militar que dê forte e imediata resposta a qualquer provocação norte-coreana. Se o armistício de 27 de julho de 1953 foi ‘revogado’ por Kim Jong-un – que teria colocado a península da Coréia  em ‘estado de guerra’ – a linguagem da Presidente não singra em águas diplomáticas: “Se o Norte intenta fazer qualquer provocação contra o nosso povo e país, os senhores devem responder fortemente no primeiro contato com eles sem quaisquer considerações políticas. Como comandante em chefe das forças militares, confio em seu julgamento defronte dessa inesperada e surpreendente provocação.”
            A crise inter-coreana registrou ontem ulterior desenvolvimento no parque industrial na cidade norte-coreana de Kaesong. Esse parque, que é estipendiado pela indústria sul-coreana,  produziu no ano passado o equivalente a 470 milhões de dólares em mercadorias. O complexo industrial, localizado junto da fronteira das duas Coréias, gerou mais de US$ 92 milhões por ano para os 53.400 norte-coreanos empregados por 123 fábricas sul-coreanas de têxteis e de outros produtos de trabalho intensivo.
            Se a atividade no complexo fosse mantida nos seus níveis normais, tal seria interpretado como forte indicação de que as recentes ameaças contra o Sul e os Estados Unidos não estariam sendo levadas às suas últimas consequências.  Não é o que ocorreu nesta quarta-feira, quando 480 sul-coreanos, muitos com os próprios caminhões, tiveram o acesso denegado ao parque industrial. Por outro lado, os norte-coreanos prometeram  permitir o regresso à Coréia do Sul de 861 coreanos do sul atualmente em Kaesong. Como no entanto não foi permitida a respectiva substituição, por ora apenas 33 se dispõem a voltar para casa.
 

 
( Fontes: Second World War, de A. Beevor; Bismarck, de J.Steinberg,  International Herald Tribune )   

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