terça-feira, 30 de abril de 2013

CIDADE NUA VI -- Estórias Rodriguianas


 
 Atração traiçoeira

 
       Da primeira vez que a vira, nem se lembrava. Havia muitos moradores no prédio, e não costumava prestar atenção neles.  Beirava até o limite da grosseria, pois mesmo quando lhe dissessem qualquer coisa, um comentário que fosse, ou respondia com um muxoxo, desses que querem dizer – e eu lá com isso? – ou então grunhia algo inaudível.
       Euclides não tinha certeza quando realmente se dera conta de sua existência. Talvez tenha sido um dia em que o elevador parou no andar dela.
       Oi...
       O que achou esquisito não foi o cumprimento. Ali, totais estranhos podiam trocar essas saudações, que na verdade não querem dizer nada.
       O que lhe chamou a atenção foi o olhar.
       De repente, os dois sozinhos no elevador,.. Na verdade, havia uma criança também, mas era como se ali não estivesse mais ninguém.  E ela o encarou de modo tão intenso...
       Oi.
        Dizem que os olhos são a janela da alma. Sempre fizera pouco desse gênero de expressão tão batida.
        Naquele momento, no entanto, ele mergulhou fundo naquele olhar. Teve a impressão de que ela lhe acenava com secretas intimidades.
        E, de súbito, o pano baixou, ou melhor, na descida, pararam em mais um andar. Entrou um casal de moradores e lá se foi o clima.

                                                           *

         A partir desse dia, as coisas mudaram.
         No seu JK, por mais de uma vez se pilhou fantasiando com a moça do elevador. E ao descer para o trabalho, ou voltando dele, acalentava a esperança de reencontrá-la
         Volta e meia, pensava nela. Como se fosse um DVD, repetia a cena, até de forma infantil. Sorria com a comparação, porque como uma criança, não tinha noção de medida, enquanto repassava o encontro do olhar à exaustão.
         Até que ela reapareceu.
         Infelizmente, estava acompanhada e, para ele, mal acompanhada.
         Um tipo meio gordo, por quem sentiu grande antipatia, cercara os ombros da moça com o meio abraço do proprietário. Ele achou a atitude despropositada, ainda por cima no espaço de um elevador.
          Irrefletidas, as suas vistas a procuraram. Em vão.
          De esguelha, com jeito de dono, o acompanhante o mediu.
          E num relance, o casalzinho desapareceu na movimentação da rua. 

                                                           *     

          Passaram dias, semanas, até meses.
          Euclides, por fim, animou-se em perguntar do porteiro por onde ela andava.
          Sabia pouco a seu respeito, mas quem sabe, o essencial. Porque era atraente e morava em um andar de cima.
          Sabia também quanto os porteiros, na monotonia de suas existências, se deleitam com os quitutes da vida alheia.  A indagação poderia multiplicar-se no milagre da imaginação de ‘seu’ Antonio, mas ele estava se lixando das consequências. Só queria saber aonde ela fora parar.
          Não demorou muito, o empregado iria situar a sua ilusão.
          Ah! a Edineide ! Bonitinha, né? Casou com o namorado e se mudaram pra Paraíba.     
          Euclides tinha uma teoria. Para ele, a morte não era um acontecimento único. Para ele, antes de sua aparição final e definitiva, ela se repetia em pequenos episódios.  Não tinha dúvida, portanto, que, com a notícia morrera um pouco.

                                                     *      *

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