quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Imbroglio Sírio

                         
          Como se fora possível deixá-la dormitar além das fronteiras da Síria, a guerra civil naquele país, se continua a dilacerar a população, parece goza de uma falsa trégua branca no noticiário internacional.
          Seria como se as potências ocidentais se houvessem entediado, senão com a obstinada resistência do regime alauíta, mas com a continuada empresa da Liga Rebelde de derribar a tirania de Bashar al-Assad.
          As notícias,quando porventura aparecem, são em geral consignadas às páginas internas tanto dos jornais, quando da atenção da comunidade internacional. Esse inquietante desenvolvimento aproveita mais aos vilões nesta longa saga, do que ao povo sírio que, na sua grande maioria, deseja livrar-se de Bashar e de seus amigos.
         Dentro da tradição de Saddam Hussein, não fará muito surpresa a notícia de que Damasco se tenha servido de armas químicas. Não há recurso mais cruel e vilipendiado pela comunidade internacional do que este.
         Do  vizinho governo de Israel nos chega a acusação de que o governo da Síria  empregou – e mais de uma vez – armas químicas no passado mês de março. Consoante o general Itai Brun, encarregado-chefe de pesquisas na repartição de inteligência do Tsahal, “o regime vem empregando cada vez mais armas químicas”. Além de reiterar asserções já feitas por Reino Unido e França, Brun aduz: “O próprio fato de que eles recorreram a armas químicas sem (colher) qualquer reação constitui um desenvolvimento  preocupante, pois pode sinalizar que (tal uso) seja legítimo.”
         As declarações do general Brun, feitas em conferência de segurança em Tel Aviv, representam a expressão mais categórica por autoridade israelense quanto ao emprego de armas químicas nos arredores de Aleppo e Damasco, a dezenove de março último.
         Malgrado a circunstância de que a Administração Obama haja declarado que o uso de armas químicas constitui linha vermelha que acionaria a intervenção americana no conflito, Washington preferiu manter a sua atitude de cautelosa espera.  A razão para tanto é que faltariam às acusações (tanto de Israel, quanto de Londres e Paris) dados físicos concretas. Com efeito, a prova irrefutável só pode ser dada por elementos físicos, coletados no local.
          Depreende-se que fica bastante complicado ter absoluta certeza – a despeito das evidências acessórias – se o Governo de Damasco recusar a entrada de equipe das Nações Unidas para obter o material. Na verdade, a boa-fé síria semelha mais do que questionável, pois, dadas as aparências Damasco deseja que o lado rebelde seja investigado, e não as forças de Bashar...
          Entrementes, se arrasta no seu terceiro ano o que começara com pacíficas manifestações de rua. Dada a brutal e estúpida reação do regime alauíta,  o solitário registro feito por refugiado sírio[2] na Inglaterra já superou os setenta mil mortos. A irresolução do governo Barack Obama que, por motivos díspares, se tem recusado sistematicamente a auxiliar mais diretamente o lado rebelde, ao contrário da Federação Russa, de Vladimir Putin, e da Teerã, dos ayatollahs.  Enquanto houver esperança para a ditadura do bom Bashar, tais regimes continuarão a apoiá-lo. Não o fazem por bondade ou pelos belos olhos de Bashar al-Assad. O Kremlin quer continuar a dispor de sua base naval de águas quentes, no Mediterrâneo Ocidental, além de recuperar todos os rublos que tem vertido no caixa sírio. Por sua vez,  Ali Khamenei não pode sequer  visualizar o isolamento político que o próprio regime sofreria com a queda do poder alauíta.  E Nasrallah, do Hezbollah tampouco quer admitir tal desventura, que enfraqueceria os xiitas do Líbano e adjacências, com resultados imprevisíveis.
            Entrementes, Barack Obama pede mais provas para intervir na velha Síria. Não lhe bastou no passado a recomendação dos Departamentos de Estado e da Defesa, além da CIA. A sua irresolução será bem acolhida pelos ‘amigos’ de Damasco, enquanto o Exército Rebelde Sírio tem de satisfazer-se com a ajuda de Arábia Saudita, Qatar e remessas de armamento da Croácia.
            E, no entanto, a segunda Administração Obama não está em posição de desdenhar maior presença no campo tanto externo, quanto interno.  O Presidente, como assinala Maureen Dowd, colunista do New York Times, depois de ganhar a batalha junto ao povo americano pela motivação no controle das armas, por falta de empenho ou de proficiência, deixou que uma primeira reforma para evitar tragédias futuras, como a de Connecticut, naufragasse no Senado americano. É difícil crer que a NRA (Associação Nacional de Armas) tenha tanto poder assim... Lyndon Johnson não deixaria escapar uma tal oportunidade...

( Fonte:  International Herald Tribune )   



[1] Italiano. As principais acepções, segundo o Zingarelli são: enredado, complicação, questão confusa e difícil.
[2] Rami Abdul Rahman, valendo-se da mais simples tecnologia da internet, mantém em Coventry, na Inglaterra, o registro das baixas do longo conflito. E o faz na prática quase sozinho.

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