quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Os Piratas da pós-Modernidade

                                     

         A.J. Toynbee,  no seu Estudo da História, divide os proletários da antiguidade tardia em duas subcategorias, a interna e a externa, no que concerne ao então estado dominante, o Império Romano. Em essência, tais grupos demográficos não diferiam na sua oposição a Roma, mas só a demonstravam abertamente quando fora das fronteiras imperiais.
         Apesar dos grandes progressos da pós-modernidade, no mundo atual continuam a coexistir formas de comportamento humano que, a despeito de sua incompatibilidade, são toleradas, seja pela dificuldade em extirpá-las, seja por negligência que varia entre  maligna e  benigna.
         A Somália, após a queda nos anos noventa de Siad Barre, transformou-se em estado falido. Esse país continua a dar base territorial para os piratas somalis, que infestam o oceano Índico e até  o golfo de Aden. Os prejuízos para a navegação – e as perdas e sofrimentos individuais provocados – se contribuíram para a constituição de forças navais internacionais, dados os altos custos envolvidos, não são bastantes para a eliminação desse aparente anacronismo. A pirataria só desaparecerá – no momento continua a ser fonte importante para a economia da região somali – quando ela não mais dispuser de um refúgio territorial.
        De resto, nessa terra sem-lei a al-Qaida está presente. Aliás, e sem dúvida apropriadamente, a criação de Osama ben-Laden pode ser considerada uma autêntica franquia. Na Somália, está representada pela al-Shabaab.
        O Mali, um dos países mediterrâneos (land-locked)   africanos mais pobres, está atualmente dividido em duas partes: aquela saárica, dominada por duas facções islamitas, e a sulista, onde está a capital Bamako, sob controle de um fraco governo legal, com exército que até hoje se demonstra incapaz de prevalecer sobre os rebeldes. Acionado o Conselho de Segurança das Nações Unidas, as suas inúmeras resoluções pró-Bamako não recuperaram até o presente sequer uma polegada da árida terra subtraída ao governo legal pelos grupos islamitas radicais.
        Em desespero de causa, e de acordo com prática costumeira de valer-se naquelas partes à assistência francesa, o governo de Bamako solicitou ajuda militar de Paris. Para os socialistas de François Hollande isto semelhou vir a calhar, dado o perfil até então pouco afirmativo do novel presidente francês.  No entanto, essa intervenção se desdobra em missões aéreas e no emprego de tropas, em apoio às fracas forças legalistas. Como as coisas sóem ser mais difíceis na prática, do que na teoria dos estados-maiores, tudo dependerá da evolução da refrega que, em matéria colonial e assemelhada, a França já lidou com diferentes versões – desde prontas e cirúrgicas operações até cenários como Dien-Bien-Phu. Sem falar no ritual dos enterros de nacionais, que tende a ser corolário de tais atividades guerreiras.
       Dessarte, o fenômeno do sequestro de 41 estrangeiros no campo de In Amenas, também no Saara – na sua larga parte argeliana e quase nos confins com a Líbia -  por outro grupo afiliado à dita franquia do al-Qaida, através da brigada ‘Signatários pelo Sangue’, liderada por Mokhtar Belmokhtar – faz parte do contexto regional. Teria sido feito em represália à intervenção francesa no Mali.
      O campo – de extração de gás natural – é operado pela Sonatrach (a estatal argelina do petróleo e do gás). Como se sabe, a Argélia atravessou na década de noventa uma insurreição islâmica, em que sempre foi difícil determinar a responsabilidade de inúmeros assassínios, de que padeceram estrangeiros e comunidades locais de baixa renda.
     No presente episódio, não surpreende o recurso ao sequestro de estrangeiros. É uma das formas usuais desse banditismo político, com o seu potencial magnificado, eis que abrange sete americanos, um francês, treze noruegueses, diversos britânicos, um austríaco e um irlandês.
     Para desencorajar qualquer ação de comandos, os sequestradores fizeram saber que a área está minada. Não se sabe se é um blefe, ou se corresponde à realidade, mas aquelas corporações conhecem com quem estão lidando, e quais os limites para a sua respectiva ação.
      Na prática, é um mundo à parte, onde a etnia tuaregue pode  não ser muito citada, mas constitui uma das presenças mais ligada com a realidade do grande deserto. Conquanto seja reivindicado pelos muitos países que partilham a multiforme vastidão do Saara, o tuaregue, além de circular com desenvoltura por aquelas imensas, áridas e traiçoeiras paragens, tem condições de resolver problemas que muitas ineptas soberanias julgam de sua exclusiva alçada.
 

 
( Fontes:  Folha de S. Paulo,  International Herald Tribune )

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