O General
Abdul-Fattah al-Sisi, que acumula o cargo de Ministro da Defesa com as de Comandante do
Exército, verberou o perigo de ‘colapso do estado’ se as forças políticas egípcias não se reconciliarem.
Nas
palavras do sucessor do Marechal Mohamed Hussein Tantawi, o comandante da mais
forte instituição do estado egípcio, cuja predominância data da derrubada do
rei Faruk em 1952: “A continuação do conflito entre diferentes forças políticas
e a sua discordância quanto às questões nacionais pode levar ao colapso do
Estado e ameaça o futuro das gerações vindouras. Nesse sentido, a tentativa de
afetar a estabilidade das instituições estatais é uma questão perigosa que
prejudica a segurança nacional do Egito.”A turbulência maior, com cerca de 45 mortos, verificou-se na cidade de Port Saïd, na extremidade norte do Canal de Suez. Diante da ineficiência de uma polícia mal-equipada e malpreparada para tais emergências, o recurso do governo foi apelar para o Exército.
A duríssima sentença contra os acusados nos distúrbios de partida de futebol com a condenação de 21 torcedores à morte exacerbara a reação do povo de Port Saïd, que proclamou a sua desobediência civil, não reconhecendo Mohamed Morsi como presidente.
Na verdade, há dois anos da queda da ditadura trintenal de Hosni Mubarak, a revolta se generaliza no Egito. Os manifestantes da praça Tahrir, os jovens e boa parte da sociedade que se empenhou pela democracia, não se reconhecem no governo da Fraternidade Muçulmana.
Mohamed Morsi, no entender de boa parte da sociedade egípcia, tem atuado mais como militante da Fraternidade Muçulmana, do que como presidente dos egípcios. Para promulgar uma constituição, que representou um retrocesso no que tange a várias conquistas democráticas, Morsi se serviu de um decreto para sufocar as objeções legais ao projeto constitucional da Fraternidade.
Ao invés de ratificar os anseios de abertura democrática, Morsi cuidou de implementar uma carta em que as posições islamitas da Fraternidade fossem preservadas.
Por outro lado, ao mostrar-se mais como militante-mor do partido islâmico, e não como chefe de todos os egípcios, Mohamed Morsi perdeu boa parte da credibilidade que a sua eleição lhe proporcionara.
O retrocesso social também atingiu as mulheres, que vêem com preocupação de novo validados os vezos islâmicos da repressão às reivindicações feministas. Nesse sentido, mesmo os avanços na condição da mulher logrados por Suzana Mubarak, esposa do ditador, tem sido contestados, como se tal fonte bastasse para desqualifica-los, sem qualquer atenção para o mérito da eventual medida .
A insatisfação do povo não diminui diante das chamadas forças da ordem, que continuam as mesmas. Assim, a detestada polícia de segurança não sofreu expurgos, nem foi responsabilizada pelos crimes da ditadura de Mubarak. Também o judiciário não mudou, e a sua parcialidade diante do movimento revolucionário só acirrou a cólera popular. Assim esta peculiar justiça não só absolvera os acusados da morte de manifestantes pró-liberdade da Praça Tahrir, mas também chegara ao cúmulo de condenar à morte 21 torcedores nos distúrbios futebolísticos de Port Saïd.
Outras minorias sentem-se ameaçadas. Os coptas desconfiam das intenções do partido islâmico. Morsi tem atuado mais como o militante-mor da Fraternidade, do que como o presidente de todos os egípcios. Para a sociedade daquele país, a revolução de março foi um movimento democrático, e não um instrumento para substituir um domínio autoritário por outro.
Daí a disposição evidenciada por populares e mulheres, conscientes de que arriscaram a vida para validar sua progressão. Não admitem transformar a derrubada de Mubarak em uma jornada de tolos, em que os hábeis e arregimentados militantes da Fraternidade Muçulmana – que não são exatamente fanáticos pelas conquistas democráticas – surgiriam para garantir que nada essencialmente mude, a não ser a própria sufocante presença à testa do Estado.
O enfraquecimento de Mohamed Morsi – que tem carecido do Exército para reimplantar uma ordem a seu gosto – pode preparar o caminho para que o hiato do poder da Fraternidade seja breve.
( Fontes:
International Herald Tribune, The
New Yorker )