sexta-feira, 23 de março de 2012

O Quebra-Cabeça Sírio

                                
        A nova estratégia de Bashar al-Assad de esmagar a resistência em grandes centros populacionais como Homs, Idlib e Daraa significa o prenúncio da fatal derrota do Exército Livre da Síria ? Assim, ao arrasar áreas infensas ao governo alauíta, Bashar e seu irmão Maher, na verdade, estariam repetindo a exitosa estratégia de seu pai Hafez al-Assad, e do tio Rifaat que, pela destruição do núcleo islamita de Hama, em 1982, lograram curvar a oposição por uma geração ?
         Na verdade, as  aparências enganam. O que está acontecendo atualmente na Síria desmente a capacidade da divisão blindada de Maher al-Assad de vibrar golpes decisivos no levante do povo sírio.
         Com efeito, a evolução do confronto demonstra que se Assad tem força militar para destruir centros urbanos ocupados pela resistência, tal não será bastante para afetar a prossecução do conflito.
        A insurreição que completa um ano terá alterado de forma irreversível a situação do poder na Síria. A máxima de que o ditador pode fazer o que bem entende com o fuzil, exceto sentar-se nele aplica-se como uma luva para a presente conjuntura.
       Com efeito, Bashar terá de continuar aplicando os conselhos de seus amigos russos e iranianos. Terá de prosseguir atirando – não importa que prometa o contrário – e reprimindo. Se intentar flexibilizar a repressão, em esforço de distensão, buscando governar como antes, fundado nos laços de seita, nos interesses comerciais, e no simples implícito temor, todos  as camadas da população – mesmo aquelas, como os cristãos, que tem interesse nas garantias de sua permanência – desceriam às praças e ruas para exigir  sua partida.
        A possibilidade desta onda de protestos já representa uma das implícitas conquistas da primavera síria. Bashar reprime também porque não possui outra alternativa. É o caso típico da fuga para a frente, eis que para todos se afigura inviável uma restauração do statu quo ante.
        O contínuo esforço para destruir os centros de resistência tem contribuído não só para esvaziar os cofres oficiais, com as despesas em armamentos e manutenção de exércitos em campanha, mas também vira de ponta cabeça as relações econômicas  na sociedade.
       A classe comercial sunita, os cristãos e os funcionários públicos estão perdendo a confiança na capacidade do governo de quebrar a espinha da resistência. Por isso, não vêem um fim próximo (e favorável) para o conflito.
      Outra marca da confiança no regime se está dissipando. Até pouco tempo atrás, a mão pesada do sistema lograva manter próximas as cotações oficiais e do mercado paralelo da libra síria em relação ao dólar.
      Esse acordo de cavalheiros se esvaíu a partir de março, com a prisão de alguns doleiros. O que era para intimidar saiu, na verdade, pela culatra. Com o enfraquecimento da libra síria – sintoma adicional da condição de um regime ameaçado – os preços do açúcar e de outros produtos básicos subiram mais em poucas semanas do que em todo o ano passado.
      Os apagões se tornaram comuns. Há longas filas nas padarias, e escassez de gasolina. Em função da virtual dolarização da economia, e a consequente depreciação da libra síria, os salários pagos para os funcionários equivalem hoje à metade em termos de poder de aquisição do que valiam em março.
      As diversas sanções aplicadas às atividades econômicas e a insegurança geral em tudo que se relacione ao mercado e às finanças trabalham muito mais para aumentar a impopularidade do regime. Como observou um funcionário: de que valem as vitórias do governo em Homs, Baba Amr ou Idlib, se faltam gêneros alimentícios e eletricidade ?
       A insegurança acima aludida não se reflete apenas nas atividades do dia a dia. Na prática, a insurreição se estendeu a todo o país, e há muitas áreas em que a hostilidade para as próprias forças armadas as obriga a nelas tomar precauções que são características de territórios inimigos.
      Dada a insatisfação generalizada contra o regime, a estabilidade de Bashar al-Assad não é mais um dado irrefutável. No exército, se privilegia a divisão blindada de Maher e algumas outras formações que não dependem de soldados conscritos. Entre esses últimos, em geral mal pagos e mal alimentados, as defecções abundam. Como em outras sublevações, será desses grupamentos  que sairão as deserções para o exército revolucionário.
      Não há decerto uma garantia absoluta contra o golpe. Essa saída indolor para os regimes agônicos não parece ameaçar por ora o sistema de Bashar al-Assad. Seria leviano, no entanto, descartar in limine este recurso extremo, que se fundamenta no sigilo e na surpresa.
      A exemplo do passado, o regime toma precauções adicionais no que tange à respectiva defesa. Os familiares dos comandantes militares vivem em áreas deles separadas; e o mesmo ocorre com os principais responsáveis pela segurança. Em repúblicas como a Síria, mormente em épocas como a corrente, serão tais estamentos que reúnem condições para tomar o poder.
      Essa cautela de Bashar já encontra exemplos na Antiguidade clássica. O tirano Polícrates – célebre pelo episódio do anel que lançou ao mar  para aplacar a inveja dos deuses - também se precavia contra as revoluções na sua ilha de Samos, ao manter nos arsenais os familiares mais próximos daqueles de quem  suspeitasse um golpe. Se acaso intentassem derrubá-lo, sabiam que os seus entes queridos seriam queimados.
     Por outro lado, Bashar, mesmo sem o querer, descontenta segmentos que até o presente o têm apoiado. Assim, ao preparar a nova Constituição, estabelece a condição de que o presidente seja muçulmano. Esta concessão – a Síria é um dos raros  países seculares no mundo árabe – à comunidade sunita desagradou sobremaneira a cristã (que integra, junto com os alauítas, o quinto da população que nominalmente apóia o regime).
     Talvez o oftalmólogo Bashar se descubra constrangido a tentar recoser o esgarçado tecido em que se apóia. Mas será prudente alienar, inda que parcialmente, os seus partidários, e agitar benesses para quem, na sua maioria, financia a luta da população para convidar dona Liberdade a adentrar os paços do poder ?
     A Secretária de Estado Hillary Clinton fez um apelo ao Presidente Bashar al-Assad para que aceite o plano proposto pelo ex-secretário-geral Kofi Annan. Constante de seis pontos, apresentado pelas Nações Unidas e a Liga Árabe ele se propõe deter o avanço da violência na Síria.
     Nas palavras de Clinton: ‘Tome este caminho. Empenhe-se nele. Ou então se disponha a enfrentar crescente violência e isolamento.’ O plano teve o aval do Conselho de Segurança. ‘ Implicaria a cessação supervisionada da violência em todas as suas formas, começando com a retirada dos centros populacionais do governo sírio e de suas forças, acesso humanitário a todas as áreas carentes, e o começo de processo político a cargo dos sírios, que tratará de todas as aspirações legítimas de todo o povo sírio, o que há de levar para uma transição democrática.’
      Perguntada sobre a possibilidade de o plano ser implementado, a Secretária de Estado assinalou: “O  apoio unânime  pelo Conselho de Segurança para este plano trará um dado importante para a sua discussão.”
      É difícil determinar qual será a reação do governo Assad ante o Plano de Kofi Annan. E o que significa esse apoio dito unânime pelas potências do Conselho de Segurança, e em especial da Federação Russa ?



( Fontes: International Herald Tribune, CNN)    

     

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