sábado, 24 de março de 2012

CIDADE NUA V

O Espelho Mágico  (10)


         Transcorrida uma semana se tanto da partida de Graça, de novo sentiu vontade. Caminhando pela rua central de Ipanema, pensou que o melhor seria se fosse a um bar desses instalados dentro de livrarias.
         Por isso, teve de andar por muitos quarteirões. Haveria outras, mas preferia uma em especial, pela ambiência e as largas estantes que de longe superavam as concorrentes, além da companhia que no passado lá admirara com os olhos compridos de carta fora do baralho.
        Lá chegado, depois de perfunctória passagem pelas novidades livrescas que, mais por força das circunstâncias do que por falta de atrativo, não o interessaram, tratou de subir ao espaço reservado às mesinhas de confeitaria, ora aninhadas nos antes silenciosos domínios das lombadas de livro.
         Essa novidade, que antes o escandalizara, a vira por primeira vez em Nova York. Não tardou muito para que fosse imitada em São Paulo e no Rio.         
        Olhou em volta. Sobrava espaço, e havia casais nas poucas mesas ocupadas. Tomou lugar em uma que lhe pareceu mais jeitosa e encomendou refrigerante.
        Passa o tempo. E nada acontece.
        Resignado,  se apresta a chamar o garçom.
        Levanta a mão, e já está por fazer o gesto quando vê surgir jovem que se senta na mesinha ao lado.
         Vestida com discreta elegância, sem levantar os olhos logo retoma a leitura do  livrinho que tira da bolsa. Pouco depois, despacha o atendente com pedido de chá e torradas. E de novo mergulha nas páginas que lhe reclamam toda a atenção.
         Atento, ele a espreita, na espera de  instante em que os olhares se cruzem.Não lhe escapa que das mesas vizinhas se apercebam do seu interesse. Cochicham, talvez debochem dele. Será que não se enxerga ? Imagina que seja esse o comentário dos casaizinhos.
         Não se importa. Como se dariam conta ? E, paciente, aguarda o momento mágico do entreolhar-se.
         Estranha a certeza que sente. Para que a curiosidade alheia não venha a perturbá-lo, nem a desviar-lhe a atenção, cuida de disfarçar um pouco. Sem perder de vista o próprio objeto, nem inquietar-se com as implicações de jogo marcado pelo desequilíbrio do engano.
         Arrastam-se os minutos. Malgrado a sua concentração – e a imagem das vistas imóveis,  fixadas em imperturbável atalaia  – principie a atrair olhadas do entorno, a moça continua a ler o livreto, sem dar qualquer sinal de desconforto e muito menos de embaraço com o importuno cerco.
         Mal se apercebe que já sorveu todo o chá da xícara. Terá dado com uma leitora absorta ou a entranhada timidez de quem pressente o assédio, que elude na placidez exasperante de um férreo controle ?
         Esvai-se a segurança de antes. Sem colher aceno sequer, pesa-lhe a incômoda postura. São  longos, pachorrentos minutos de intuída recusa. À volta, imagina os finórios risinhos de escárnio pelo repúdio merecido. Tudo parece conspirar para     plasmar-lhe na mente a impressão do cerco inane, patético, a beirar o ridículo.
        Irritado, estala forte os dedos como se  para baixar mais rápido o pano à trapalhada imprevista.

                                                 *      *

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