segunda-feira, 19 de março de 2012

CIDADE NUA V

O  Espelho  Mágico (5)


         De longe, entrevê luz que se esgueira pela porta do seu ponto de encontro com a turminha. Com sorte, pensa, ainda topo com eles. Por isso, na busca de rostos conhecidos, apesar da carga nos ombros, amiuda o passo.
         Ao acercar-se, no entanto, estranha o silêncio. Por trás da iluminação mortiça, acha esquisito não ouvir seja a zoeira de muitas falas que costuma se despejar na rua, seja as grossas, arrastadas risadas que a bebida desata.
        “Ué, seu Vicente... não tem mais ninguém ?”
         Em torno, a bagunça deixada pela freguesia. Na sala acanhada, pairam ainda nas mesinhas e nos bancos espalhados os restos da animação de longa chopada.
         “Até perguntaram pelo senhor...”, disse em voz baixa, enquanto maquinalmente ajeita com a pressa de fim de noitada o que lhe impede de baixar a cortina.
         Por instantes, se descobre a contemplar bovinamente o que sobrara da festinha. Mas dura pouco o intervalo. Se a alegria demorara por ali, ela já partira. Disso não tardou a convencê-lo e  empurrá-lo para a calçada o olhar do barista.

                                                 *      *

        Pesam-lhe as pernas, desabituadas de tanto exercício. Amanhã, quando os músculos o recordarem do esforço, talvez mude de ideia. Hoje acha que não. Que a extravagância valeu a pena. Saudar o ano, enfurnado no botequim e naquela companhia, não seria fingir de réveillon o ramerrame de sempre ? E as datas, carregam ou não consigo algum significado ? Defronte do portão do seu prédio, sentia a impaciência costumeira que o cansaço físico aumentava. Os pensamentos se confundiam na mente, enquanto bate na grade e aperta o botão da campaínha. Na penumbra, por trás da vidraça, deve ressonar o vulto imóvel do vigia. A distância é curta. O vidro, no entanto, o protege dos barulhos da calçada e da rua. À sua frente,lá está o problema objeto de incontáveis reclamações nas reuniões do condomínio, a que teima em assistir. Não sabe o porquê de havê-lo defendido, mais de uma vez evitando que a exasperação de moradores lhe ameaçasse o emprego. Agora, sentia aquele sono profundo como castigo, quase  deboche. E a raiva, de supetão, extravasa no berro que afinal sacode o estafermo do letargo.

                                                 *      *

Nenhum comentário: