Não
surpreende, decerto, que as concessões dados
aos caminhoneiros abriram frentes de crise. Dada a complexidade dos temas
envolvidos, ministérios têm discursos distintos sobre como os fretes devam ser
tabelados; não surpreende, de resto, que
os estados reclamem da perda de receitas com a Cide, de que dependiam para as
respectivas malhas estradais.
O modus faciendi da chamada 'negociação'
com os caminhoneiros, em verdade, multiplicou as pressões sobre o governo
Temer. Tratando-se de matéria finita, parece óbvio que utilizá-la como fonte de
benefícios para quem pressionava com a greve, iria acarretar prejuízo para as
partes antes beneficiárias exclusivas de alíquotas determinadas.
Sendo atabalhoado o procedimento do Governo, e trabalhando com matérias finitas, parece óbvio que nem todos
sairão satisfeitos, com a nova distribuição, que pode inclusive afetar outros
beneficiários que antes dela não participavam.
Assim, no setor empresarial há forte reação contra a tabela de frete
mínimo. Nesse sentido, a Fiesp avisou
que vai recorrer à Justiça, por meio de
mandado de segurança, com vistas a impedir o tabelamento do frete rodoviário.
Como assinala Roriz Coelho, que assumiu no dia seis a presidência da Fiesp: "Independentemente
de qualquer coisa, por princípio somos
contra o tabelamento de preços que fere a lei da competitividade do mercado.
Estamos retornado a um país de trinta anos atrás". Nesse contexto, Wilson Mello, presidente do
conselho diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação, a
tabela levará a um incremento de até
80% no preço da logística para o setor.
Como a economia está desaquecida, ele diz ainda não ser possível saber
se o aumento de custos impactará os consumidores no caso desse segmento. "Em vez de inflação,pode ser que se
tenha perda de lucratividade e competitividade do setor", completou ele.
Outro presidente de Associação (esta Associação Brasileira da Indústria
Têxtil) afirma que o tabelamento do
frete irá prolongar efeitos negativos da paralisação na indústria da confecção. E observa: "Isso é anacrônico,
inconstitucional, fere a livre iniciativa e não vai dar certo. .Gera menos
investimento, menos produção, menos oferta. No final, o caminhão vai ficar
parado no meio do caminho (sic)."
O
Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João
Martins da Silva Júnior declarou que a entidade pretende acionar a Justiça se
não houver mudança na tabela, que considera um "retrocesso".
A pedido de Blairo Maggi, ministro da Agricultura, a tabela será
revista: " A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) vai buscar fazer uma
readequação dos valores. Ninguém está querendo fugir do acordo que o
Presidente fez. Agora, que ele seja
justo para todos os lados", disse o Ministro no anúncio do Plano Safra
nesta Quarta-feira. Já o Ministro dos Transportes, Valter Casimiro agregou que
essa tabela será divulgada na quinta, dia sete, e que o tema ficará sob
consulta pública.
Por sua vez, o Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, como seria
previsível, defendeu o acordo: "A tabela será mantida. Erros ou omissões
devidamente comprovados poderão ser corrigidos a qualquer tempo."
Também se prevê dificuldades na aplicação para a reserva de 30% do
frete da Conab, para autônomos, sem licitação. A tal propósito, o tema está
sendo examinado pelo TCU. Muitos asseveram
que a medida fere a lei de licitação.A tal propósito, o presidente do CADE,
Alexandre Barreto, declarou que o órgão está estudando a matéria.
Nos estados, os governadores reclamam da perda de receitas por causa da
redução de R$ 0,46 por litro de diesel com o fim da incidência da CIDE (Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico). Parte dessa
arrecadação federal é destinada para os estados. Ao zerá-la, a União cortou R$ 722 milhões que
serão retirados de investimentos para conservação de rodovias estaduais. O Consetrans, conselho que reúne as
secretarias estaduais de transportes, quer abrir negociação com a União. Muitos
estados dependem exclusivamente desses
recursos para a manutenção de rodovias.
Esta concessão feita por
ocasião da greve dos caminhoneiros, teria uma influência das mais nefastas
sobre as redes estaduais de muitas dessas unidades da Federação. Ao viajar pelo
interior de muitos estados, ao deixar as rodovias federais, já se verifica a
condição por vezes penosa de tais vias de comunicação. Esta é uma das
concessões à greve dos caminhoneiros com potencial nefasto para a rede de
transportes nacionais, máxime daqueles estados que mais carecem do aporte
federal para a manu-tenção de sua tela rodoviária mínima.
Também há dúvidas legais sobre
como a União vai ressarcir os estados pelo fim da cobrança do pedágio pelo eixo
suspenso, quando o caminhão retornar vazio de uma entrega, que foi outro acerto
de última hora com a categoria dos caminhoneiros.
Outro questionamento existe
de empresário da cadeia dos combustíveis. Embora o Ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen, haja afirmado que o Governo usaria
poder de polícia para que o desconto
de R$ 0,46 por litro de diesel chegasse
às bombas, poucos postos repassaram os descontos, de acordo com levantamento de alguns Procons.
Tal ocorreu por razões de mercado. A medida provisória determinou o desconto
na refinaria. Da refinaria até os postos, vale a livre negociação. Muitos juristas dizem que o Governo agir na
bomba seria inconstitucional.
Ao questionar a tentativa de intervenção,
Leonardo Gadotti, presidente da Plural,
entidade do setor da distribuição, chegou a dizer que "a
Venezuela começou assim"...
Na primeira reunião com
representantes dos caminhoneiros, realizada no auge da paralisação nacional, o
Palácio do Planalto conseguiu resistir e não ceder ao estabelecimento do frete
mínimo e à isenção do pedágio sobre o eixo suspenso. Naquele momento, a
avaliação interna já era de que fazer concessões sobre esses dois pontos
poderia criar um efeito cascata e criar insatisfação com outras categorias.
Havendo sido, no entanto,
mantida a paralisação, tal levou Temer a afrouxar um pouco mais e a fazer novas
concessões.
Nesse sentido, assessores afirmam
que, para o PresidenteTemer se fazia necessária uma solução imediata para que o
problema do desabastecimento não se transformasse numa revolta popular que
ameaçasse sua permanência no cargo. Assinam o artigo Gustavo
Uribe, Laís Alegretti, Julio Wiziack, Ana Paula Ragazzi e Filipe Oliveira.
Da
Folha - Seção Mercado -sob o título "Acordo com caminhoneiros deflagra crise"
se transcreve o modus faciendi das concessões feita ao movimento, a que
pretendo intentar em próximos blogs interpretações próprias.
( Fonte: Folha de S.Paulo (Caderno Mercado) )
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