domingo, 3 de junho de 2018

A fuga do inferno


                                      
         Não importa como Maduro conseguiu a reeleição. Se todos sabem que a coação e a fraude são suas agentes devotadas, o resultado não será de molde a facilitar-lhes a vida na Venezuela.
          Há muitas condicionantes que tornam a existência no paraíso chavista um verdadeiro inferno, e não carece aqui repeti-las, porque é chover no molhado. Que pessoas de todas as condições empreendam essa custosa e arriscada travessia para além do paraíso, é um fato, e não discutível premissa. Ao virarem essa página, esses novos, hodiernos miseráveis, escarnecem não só das matérias pagas nos jornais, senão da vociferante propaganda dos que antes se cognominava inocentes úteis.
           Assim, a fuga de ônibus, ela não é paga com o meio-óbulo de Caronte, pois carrega os passageiros para muito além das sombras do Hades. É gente humilde que ora empreende essa viagem.
            Se é um escândalo a céu aberto,  que tal regime não só persista, mas logre, pela fraude, a coação e a geral indiferença das Américas, manter-se no poder,  o que dizer da condição imposta aos refugiados? Se entre eles haverá quem imite a jornada dos desgraçados, ainda que não lhe faltem os meios, a travessia daqueles cobra a cada milha o viático da esperança.
             Não será fácil, portanto, ter pelas costas o inferno chavista, feito de carestia, penúria e, sobretudo, a incerteza que visita a pobres e ricos, na terra de Maduro. Em penosos transportes, forçados a parar menos pelos achaques de um governo corrupto, mas pelo das próprias conduções que se aventuram nessa dúbia rota da fuga, elas serão acompanhadas pelos abutres que voejam à volta da carniça.
              É raro, surpreendente mesmo, que os percalços e dissabores das classes em geral submersas nas páginas da mídia repontem em publicações que em geral não lhes abrem o espaço para as próprias misérias do cotidiano.
              Sem embargo, se essas nesgas de luz e conhecimento chegam a espaços ditos nobres, elas trazem consigo o luor da esperança. Pois a esperança não tem classes, nem restrições burguesas.  Pois ela ousa aninhar-se em todos os peitos e mentes. Tanto aquelas forjadas nas cuidadas aléias dos bairros elegantes, quanto nos ínvios, tortuosos caminhos dos casebres e das favelas.
               Quando eles se tornam comuns e a todos desejáveis, se o eldorado não está próximo, o inferno está ficando para trás.

( Fontes: Dante, La Commedia, Inferno; O Estado de S. Paulo )

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