Angela Merkel e seu
gabinete se defronta com grande, temível desafio para a sua sobrevivência
política. Há uma pesada, cruel ironia em que a Chanceler alemã que se
distinguira diante dos governantes mundiais, todos unidos na recusa em receber
refugiados, através de seu ato corajoso de abrir as fronteiras da Alemanha para
acolher cerca de oitocentos mil, tangidos pela guerra civil na Síria.
Foi uma decisão em que marcou a
própria coragem, abrindo as fronteiras da Alemanha para esses infelizes, a que
a maioria dos governantes das nações europeias fechava as próprias portas,
alguns por ideologia, como o primeiro ministro da Hungria, Viktor Orban, outros por egoismo ou indiferença, e muitos por temor
pelas consequências políticas.
Quando a Chanceler Merkel tomou tal decisão - a de
acolher os prófugos da guerra civil na Síria - incorria com coragem nos perigos
e nas previsíveis resistências que essa determinação causaria.
Diante do egoismo de tantos outros países,
restringindo muita vez a um ridículo filete o ingresso desses infelizes, a
Merkel mostrou através da própria firma que assumia com a consciência dos
riscos enormes dessa determinação solitária, o quão diverso era seu
comportamento político, se cotejado com a coorte de tantos outros líderes
nacionais.
Fê-lo consciente do alto, altíssimo
preço que lhe viria bater às portas, por um gesto isolado nesse mundo do século
XXI, em que se multiplicam as barreiras, com que muitos governantes se
acomodam, seja pela dificuldade de receber o Outro - como a então guerra civil síria tangia para a Europa as
multidões de refugiados, que o egoismo dos gabinetes fingia ignorar.
Esse desafio, no entanto, a Chanceler
Merkel continua a arrostar, seja no crescimento do partido neonazista - a Alternativa para a Alemanha - mas também
no temor que esse flagelo redivivo - reporto-me às ideologias da direita
ensandecida - vem provocando em
partidos do arco constitucional, ainda que infelizmente fragilizados pelas
chantagens do fascismo com suas novas vestes.
O destemor da Merkel não é
suficiente para que ela possa manter a indis-pensável maioria no Bundestag. A União Social-Cristã (CSU) tem sido um aliado de longa data da
CDU. A CSU, na prática, representa os cristãos democratas na Baviera, e por
isso o seu partido (CDU) não concorre eleições nesse Land, delegando a sua representação à CSU, que por conseguinte
integra a bancada cristã-democrata no Parlamento federal.
Por isso, a CSU deu quinze dias de
prazo à Chanceler para negociar um acordo com a União Européia, que restrinja a
chegada de imigrantes à Alemanha.
O ultimato da CSU tenta proteger
um de seus líderes, Horst Seehofer, ministro
do Interior. Seehofer deverá enfrentar eleições regionais nesse segundo
semestre. Diante da agressiva propaganda realizada pelos neofascistas da Alternativa para a Alemanha (AfD),
os sociais-cristãos temem perder a hegemonia na Baviera para esses extremistas
da direita.
Com vistas a enfrentar o
desafio colocado pela AfD, a estratégia de seu líder Seehofer tem sido
radicalizar o discurso do partido sobre imigração.
Nessas condições, o líder da
CSU propôs a criação de uma aliança internacional contra a imigração aos
governos populistas da Itália e da Austria. A estratégia seria forçar a
Chanceler a adotar um limite máximo no acolhimento de refugiados
Como é seu hábito, a Merkel
respondeu a Seehofer de forma moderada, tentando abrir espaço para a
negociação. "Nós não queremos agir
de forma unilateral, sem concertação e prejudicial a terceiros",
ponderou a Chanceler. Nesse
sentido, ela propôs reforçar as
fronteiras externas da União Européia, mas rejeitou criar alfândegas entre
países do bloco.
Não se exclui a
possibilidade, segundo analistas políticos alemães, que a estratégia de
acomodar interesses de diferentes partidos na coalizão, usada pela Chanceler
nos seus três primeiros mandatos, esteja chegando ao fim.
Consoante a opinião de Thorsten Faas, cientista político da
Universidade Livre de Berlim "a situação é explosiva. Para os
protagonistas, o que está em jogo é sua sobrevivência política". Se a
coalizão explodir, aduz Faas, é dificil imaginar
como Angela Merkel e Horst Seehofer poderão sobreviver no plano político.
Além da crise na coalizão,
quanto a uma eventual pressão externa sobre seu governo, não me parece que o twitter do Presidente americano - que
com a sua falta de elegância pensa servir-se da presente crise na Alemanha,
para trazer água para o seu moinho - vá resistir a uma simples checagem de
dados. Irresponsavelmente Trump pensa
instrumentalizar dados sobre o crime na Alemanha. Ora, dados do Ministério do
Interior indicam que a criminalidade naquele país caíu 9,6% em 2017, em
comparação com 2016, atingindo seu nível
mais baixo em 25 anos.
Por fim, resta assinalar a
visita do Presidente francês Emmanuel Macron à Alemanha. Há
poucas dúvidas que ele trará apoio para a sua aliada Angela Merkel, nesse
momento difícil que ela atravessa.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário