sexta-feira, 22 de junho de 2018

A Cidade Maravilhosa virou monstro ?


                                           
                        
     O Rio que conheci, menino,  vindo em 1948 para esta cidade, então capital da República, nos últimos anos da presidência do General Eurico Dutra, esse Rio de Janeiro, também chamado Cidade Maravilhosa,  essa hoje megalópole poderia ainda reter tal designação que lhe deu em 1935 a marchinha de André Filho?   
        Para nós, moradores do Rio de Janeiro, essa pergunta só pode ser agora acolhida com um sorriso, cujas características hão de variar segundo a relação de cada um com essa megacidade.
        O Rio, como metáfora, há de variar enquanto megacidade na vivência de seus moradores.  A primeira coisa a evitar, no entanto,  é amalgamá-la em um conceito ou numa experiência única.
        Porque esse Rio de Janeiro, se algum dia existiu, não é mais encontrável como experiência singular.
        Basta ler o noticiário citadino para que essa imagem romântica da cançoneta carnavalesca se transforme ou numa velha, esmaecida fotografia em cuja projeção não muitos poderão penetrar, ou na face cruel da mega-urbe que nos repele, seja pelo seu caráter em que a violência passou a representar-lhe a face em múltiplas extensões, a ponto de torná-las irreconhecíveis, ou - o que é ainda mais grave - trazer a violência e com ela a visão horrenda de uma sociedade deformada, em que qualquer convívio se torna impossível pela ínsita malignidade do Outro, que além de poder estar em toda parte, tampouco é compatível com a coexistência, na medida em que esse tipo de rela

         Transcrevo a seguir o caput da notícia sob o titulo "Mãe acusa a polícia por morte de jovem no Rio" : "Os pais de Marcus Vinicius da Silva, de catorze anos, morto anteontem em operação das forças de segurança no Complexo da Maré, Zona Norte, acusam a polícia do crime e prometem   processar o Estado. Em  depoimento emocionado, a diarista Bruna da Silva contou que, antes de ficar inconsciente, o filho disse que o disparo  que o atingiu partiu de um blindado. A Polícia Civil, que coordenou a operação, limitou-se a dizer que o caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios.


          "Atrasado para a escola, o adolescente saíu de casa uniformizado, com a mochila nas costas, quando foi surpreendido pelo início da operação. Resolveu, então, voltar para casa, mas, no meio do caminho, acabou sendo atingido pelas costas. "Quando eu cheguei à UPA, meu filho estava vivo e falou : 'Mãe, eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou', contou Bruna. "Eu perguntei quem tinha atirado e ele respondeu: 'Foi um blindado, mãe, que não viu minha roupa de escola." Depois disso, continuou ali, ainda segurando a camiseta ensanguentada do uniforme do filho."Ele começou a gemer, a pressão caíu e não conversamos mais. Parece que estava esperando eu chegar." 

          "Mais cedo, no Instituto Médico-Legal (IML), Bruna já havia acusado a polícia pelo crime: "Espero justiça. Calaram meu filho, mas não vão me calar. Por ele, eu vou falar." Segundo ela, testemunhas relataram que pediram para que os policiais não atirassem. "Uma moça me disse que gritou: 'Não atira, é uma criança, ele está com roupa de escola." Só que eles não ligaram e atiraram."
            "As 44 escolas que funcionam dentro do Complexo da Maré não funcionaram ontem. Diversos professores da rede municipal e o próprio secretário de Educação, César Benjamin, afirmaram que helicópteros  dispararam tiros contra os colégios. A ONG Redes da Maré contabilizou  na área próxima às escolas mais de cem marcas de tiro.

            Por primeira vez, o prefeito Marcelo Crivella cedeu o Palácio da Cidade para o velório de uma vítima da violência e decretou luto oficial por três dias. Nesse sentido, afirmou o Prefeito Crivella no velório: "O velório no Palácio é um gesto. A população do Rio, eu, o secretário de Segurança, não aguentamos mais ver crianças inocentes morrendo em tiroteios que, a experiência mostra, têm tido pouco resultado efetivo no combate ao crime organizado. Nós precisamos de ações de inteligência que evitem a morte de inocentes."

              Procurado pela reportagem de O Estado de S. Paulo, o Gabinete de Intervenção afirmou que não iria se manifestar sobre a operação.

              Segundo o presidente da ONG Rio da Paz, Antônio Carlos Costa, que questionou a eficácia da operação: "As mortes de crianças vítimas de balas perdidas nas favelas, por causa de confrontos  entre policiais e traficantes ou disputas entre facções criminosas rivais, são a face mais hedionda da violência no Rio de Janeiro. Já foram oito crianças mortas este ano. Que ganho para a segurança pública justifica a morte de um menino morador de favela?"


( Fonte: O Estado de S. Paulo )
          
          
              

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