O
Rio que conheci, menino, vindo em 1948 para
esta cidade, então capital da República, nos últimos anos da presidência do
General Eurico Dutra, esse Rio de Janeiro, também chamado Cidade Maravilhosa, essa hoje
megalópole poderia ainda reter tal designação que lhe deu em 1935 a marchinha
de André Filho?
Para
nós, moradores do Rio de Janeiro, essa pergunta só pode ser agora acolhida com
um sorriso, cujas características hão de variar segundo a relação de cada um
com essa megacidade.
O Rio,
como metáfora, há de variar enquanto megacidade na vivência de seus
moradores. A primeira coisa a evitar, no
entanto, é amalgamá-la em um conceito ou
numa experiência única.
Porque
esse Rio de Janeiro, se algum dia existiu, não é mais encontrável como
experiência singular.
Basta
ler o noticiário citadino para que essa imagem romântica da cançoneta
carnavalesca se transforme ou numa velha, esmaecida fotografia em cuja projeção
não muitos poderão penetrar, ou na face cruel da mega-urbe que nos repele, seja
pelo seu caráter em que a violência passou a representar-lhe a face em
múltiplas extensões, a ponto de torná-las irreconhecíveis, ou - o que é ainda
mais grave - trazer a violência e com ela a visão horrenda de uma sociedade
deformada, em que qualquer convívio se torna impossível pela ínsita malignidade
do Outro, que além de poder estar em toda parte, tampouco é compatível com a
coexistência, na medida em que esse tipo de rela
Transcrevo a seguir o caput da
notícia sob o titulo "Mãe acusa a
polícia por morte de jovem no Rio"
: "Os pais de Marcus Vinicius da Silva, de catorze anos, morto anteontem em operação das forças de segurança no Complexo da Maré, Zona Norte, acusam a polícia do crime e prometem processar o Estado. Em depoimento emocionado,
a diarista Bruna da Silva contou que, antes de ficar inconsciente, o filho
disse que o disparo que o atingiu partiu
de um blindado. A Polícia Civil, que coordenou a operação, limitou-se a dizer
que o caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios.
"Atrasado para a escola, o
adolescente saíu de casa uniformizado, com a mochila nas costas, quando foi
surpreendido pelo início da operação. Resolveu, então, voltar para casa, mas,
no meio do caminho, acabou sendo atingido pelas costas. "Quando eu cheguei
à UPA, meu filho estava vivo e falou : 'Mãe, eu sei quem atirou em mim, eu vi
quem atirou', contou Bruna. "Eu perguntei quem tinha atirado e ele
respondeu: 'Foi um blindado, mãe, que não viu minha roupa de escola."
Depois disso, continuou ali, ainda segurando a camiseta ensanguentada do
uniforme do filho."Ele começou a gemer, a pressão caíu e não conversamos
mais. Parece que estava esperando eu chegar."
"Mais cedo, no Instituto Médico-Legal (IML), Bruna já havia acusado
a polícia pelo crime: "Espero justiça. Calaram meu filho, mas não vão me
calar. Por ele, eu vou falar." Segundo ela, testemunhas relataram que
pediram para que os policiais não atirassem. "Uma moça me disse que
gritou: 'Não atira, é uma criança, ele está com roupa de escola." Só que
eles não ligaram e atiraram."
"As
44 escolas que funcionam dentro do Complexo da Maré não funcionaram ontem. Diversos
professores da rede municipal e o próprio secretário de Educação, César
Benjamin, afirmaram que helicópteros
dispararam tiros contra os colégios. A ONG Redes da Maré contabilizou na área próxima às escolas mais de cem marcas
de tiro.
Por primeira vez, o prefeito Marcelo Crivella cedeu o Palácio da Cidade
para o velório de uma vítima da violência e decretou luto oficial por três
dias. Nesse sentido, afirmou o Prefeito Crivella no velório: "O velório no
Palácio é um gesto. A população do Rio, eu, o secretário de Segurança, não
aguentamos mais ver crianças inocentes morrendo em tiroteios que, a experiência
mostra, têm tido pouco resultado efetivo no combate ao crime organizado. Nós
precisamos de ações de inteligência que evitem a morte de inocentes."
Procurado pela reportagem de O
Estado de S. Paulo, o Gabinete de Intervenção afirmou que não iria se
manifestar sobre a operação.
Segundo o presidente da ONG Rio da Paz, Antônio Carlos Costa, que
questionou a eficácia da operação: "As mortes de crianças vítimas de
balas perdidas nas favelas, por causa de confrontos entre policiais e traficantes ou disputas
entre facções criminosas rivais, são a face mais hedionda da violência no Rio
de Janeiro. Já foram oito crianças mortas este ano. Que ganho para a
segurança pública justifica a morte de um menino morador de favela?"
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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