A captura e prisão de Ratko Mladic, o último fugitivo da guerra da Bósnia, veio virar embaraçosa página para a Sérvia. Por mais de quinze anos, o general Mladic, a terceira figura do triunvirato responsável pelos massacres do conflito – com Slobodan Milosevich e Radovan Karadzich – lograra escapar à prisão. Tão longo espaço de tempo só poderia alimentar fundadas suspeitas de muitas conivências e proteções que permitiam a esse oficial manter-se ao largo do longo braço da justiça, por muitas atrocidades e crimes de guerra, notadamente a tragédia de Srebrenica, em que foram trucidados mais de oito mil homens e meninos bósnios muçulmanos.
Srebrenica constituíu a maior matança de civis após a segunda guerra mundial. Se é um crime de genocídio, metodicamente implementado por unidades do exército da chamada república Srpska (VRS), sob o direto comando do general Mladic, esta oprobriosa mancha não recai apenas nos facínoras que a planejaram e executaram.
Com efeito, as Nações Unidas haviam proclamado em abril de 1993 Srebrenica área de salvaguarda (safe area). Fiados nessa solene declaração, cerca de quarenta mil pessoas, nacionais da Bósnia, ali se tinham refugiado, sob a proteção do UNPROFOR, contingente militar das Nações Unidas, a cargo da Holanda.
A área dita de salvaguarda se revelaria uma ficção, verdadeiro embuste que seria exposto e escarnecido pela ação criminosa das unidades do exército sérvio sob as ordens de Mladic. Nesse contexto, o contingente holandês, pela sua completa omissão de qualquer resistência, tanto na rendição da cidade, quanto na posterior entrega dos refugiados bósnios muçulmanos, escreveria indigna, desonrosa página nos anais das forças ditas de paz sob a bandeira azul das Nações Unidas.
A intenção do genocídio foi plenamente caracterizada pela realização metódica deste crime, singularizados os adultos, jovens e crianças de extração bósnio-muçulmana. Foram mais de oito mil e trezentas pessoas do gênero masculino que os soldados de Ratko Mladic assassinaram em julho de 1995.
A frágil figura hoje estampada pela mídia é o mesmo homem que determinara o genocídio. Os longos anos de vida nas sombras, homiziado em diversos covis e tugúrios, na precariedade de existência sob as mais díspares proteções, terá cobrado o seu preço ao antes robusto e arrogante general.
Nada disso, no entanto, o exime de comparecer ao tribunal da Haia, única instância imparcial que lhe deverá julgar, com critérios equitativos, consoante os mesmos princípios elementares de justiça, jamais obedecidos por este último membro do sinistro triunvirato sérvio na eventual aplicação aos infelizes que lhe caíssem debaixo do respectivo poder.
A coragem e a resolução que faltaram por tantos anos veio demonstrá-las o atual presidente da Sérvia, Boris Tadic, perseguindo, encurralando e enfim prendendo o fugitivo da lei internacional. Essa condição representava, a par de embaraço para o estado sérvio, empecilho para que a sua eventual admissão na União Europeia pudesse ser apreciada e recomendada.
Não basta, contudo, a detenção de Ratko Mladic. Não há óbviamente condição de julgá-lo em território sérvio. Como os demais criminosos dessa guerra, Mladic carece de ser extraditado para a Haia, a fim de aí ser julgado e eventualmente condenado. Por ora, correm nos tribunais sérvios os recursos que intentam obstaculizar-lhe o desígnio. É de esperar-se que tais intentos possam ser superados com a possível brevidade.
( Fonte: International Herald Tribune )
terça-feira, 31 de maio de 2011
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