A política sempre foi havida como a arte do possível. À medida que se revelam os pormenores da derrota do Governo na Câmara quando da aprovação da chamada emenda da vergonha, mais se torna necessário aprofundar o exame de suas causas determinantes.
Até ontem, a estória era que o ex-presidente Lula descera em Brasília em missão urgente para ativar os contatos entre o poder executivo e o legislativo. Por motivos não especificados, não haveria diálogo satisfatório entre a Administração Dilma e os representantes do povo. O próprio Ministro-Chefe da Casa Civil não estaria encontrando o tempo apropriado para as conversas indispensáveis.
Daí a súbita aparição do presidente (de honra do PT), distribuindo sorrisos em encontros políticos – inclusive com o Vice Michel Temer – e outras providências mais incisivas e menos públicas, como pitos a ministros e recomendações à sua ex-pupila.
Hoje, no entanto, a verdade – essa recatada senhora que se exibe através da exposição de seus sucessivos véus – se nos mostra em formas de progressiva nitidez.
As causas da crise não tinham sido bem descritas. Houvera ríspido telefonema do Ministro Antonio Palocci ao Vice-Presidente, em que o Chefe da Casa Civil, a mando da Presidenta, ameaçara a demissão de ministros do PMDB na hipótese de o partido votar a favor da anistia aos desmatadores.
E Palocci teria ido ainda mais fundo, ao especificar para o interlocutor que o primeiro a cair seria Wagner Rossi, Ministro da Agricultura e aliado de Temer. O em geral compenetrado Vice-Presidente (e ex-presidente do PMDB) haveria respondido com um palavrão.
As consequências desse diálogo são conhecidas. Estaríamos agora na fase a cargo da turma do deixa-disso, como de resto assinalado na antevéspera com a passagem de Lula pela capital, nas vestes de deus ex-machina.
No entanto, a análise inicial nos deixa insatisfeitos. Sente-se que o exame se afigura incompleto, porque se deteve em causas secundárias, e não buscara levantar mais um véu dessa decorosa dama.
Se virmos o quadro um pouco além, captaremos melhor a razão da pressa do presidente Lula. Ele interveio prontamente por não desconhecer a origem do problema.
Quando tirou da própria algibeira o nome de sua sucessora e o impôs ao partido e aos escassos contendores da situação, Lula o fez guiado pela convicção de que escolhia a melhor candidata.
O seu equívoco estava em que confundira a parte com o todo. Explico-me. O presidente, no seu segundo mandato, tivera ampla oportunidade de comprovar a capacidade gerencial de sua Chefe da Casa Civil. Sem embargo, esqueceu-se ou julgou que seria simples acessório facilmente ajustável, que tal qualidade não se apoiasse em experiência política correspondente.
Ao tentar a oposição tornar evidente e marcada essa lacuna, o seu discurso desconexo e pouco incisivo não criou empecilho para que na imagem da candidata oficial se lograssem confundir as duas experiências – a administrativa e a política – como se fossem, na realidade, uma só.
Mais uma vez, o presidente Lula prevaleceu. Sem embargo, por mais hábil e carismático que seja, o ex-líder metalúrgico não tem o dom da alquimia. Sua candidata vitoriosa continuou uma experta dirigente administrativa, mas o seu aprendizado político não pode suprir em contados meses toda a experiência no ramo da composição e da negociação que constituem a essência da política em uma democracia.
O seu auxiliar-direto – que tampouco atravessa um momento favorável – igualmente ignorou regra básica em quem faz ou transmite uma ameaça. O alvo da advertência não deve ter dúvidas sobre a sua intenção de levá-la a cabo.
Ameaça sem sequela crível é coisa de fanfarrão. Ou de inexperiente em política.
Dado o erro inicial do presidente Lula – derivado de sua hubris de fazer e desfazer – não nos resta outra coisa senão torcer para que Dilma aprenda depressa, de modo a que seus objetivos possam ser realizados.
Eis que desejaríamos muito – como no caso em tela – que eles se tornassem realidade.
( Fonte: O Globo )
sábado, 28 de maio de 2011
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