A derrubada de Hosni Mubarak não só trouxe para o Egito, além de promessa de democracia, governo militar que se supõe provisório. Junto com a euforia popular da liberdade, conquistada pelas manifestações na praça Tahrir, surgiu outra criatura, que malgrado exista sempre, agora se externaliza com inquietante força, que semelha fora de controle.
Uma onda de violência que não é política irrompeu na antiga terra dos faraós. Mais do que grupos, são bandos e mesmo turbas que investem aos mais diversos alvos. Aquela religiosa, se ora recrudesce, marca em verdade mais contraposição permanente do que coexistência fundada no respeito por um credo minoritário.
O islamismo – e disso há exemplos tanto na Turquia, quanto no Paquistão e no Iraque – tem incidido, pela própria radicalização, em lamentáveis episódios de perseguição a minorias cristãs. Tais surtos podem dirigir-se seja contra os próprios cristãos, seja aos símbolos de sua fé.
No Egito, existe substancial minoria cristã-copta que, a exemplo das restrições reminiscentes àquelas impostas no passado, pelas respectivas crenças majoritárias, tanto a católicos, quanto a protestantes, padece igualmente de violências ocasionais, dirigidas a suas igrejas.
Depois de efêmera composição, motivada pelo comum objetivo da derrubada da ditadura de Mubarak, a violência da maioria, muita vez desperta por simples boatos – como o da suposta conversão de criança muçulmana à fé cristã – torna a lançar-se sobre os templos coptas. Essa exteriorização da violência da intolerância – indício de que ainda não alcançou a necessária maturação, de que é galardão o respeito pelo direito alheio – constitui característica que desde muito atenaza a minoria cristã nesse país cujas pirâmides milenares são o símbolo da passagem da predominância de muitos credos.
Há pouco se assistiu a mais um incêndio de igreja. Se os autores de tais delitos ficam impunes, os coptas recebem duplo castigo, eis que a perda do templo que poderia ser temporária, dados os empecilhos políticos, muita vez se transforma em permanente, pela omissão da necessária reparação pelo Estado.
Sem embargo, o poder da turba e do bando registra no Egito pós-Mubarak um recrudescimento inquietante. Da violência esportiva, refletida na agressividade das torcidas – fenômeno que, de resto, também assola o Brasil – esse comportamento antissocial se alastra a outros grupos, todos imantados pelo ódio a comunidades a que se contrapõem, seja por motivos corporativos, seja por outra qualquer manifestação de diferença.
Das ondas desta militante e exacerbada intolerância, já tinham sido vítimas repórteres que a aglomeração (esportiva, política ou religiosa) identificasse como seus opositores.
No entanto, a ausência do poder coercitivo estatal – de que padecem muitas nações e de o nosso próprio país não constitui exceção – em condições de afirmar-se como autoridade inconteste, capaz de garantir ao cidadão morigerado poder deslocar-se não impunemente, mas com tranquilidade em qualquer hora do dia e da noite, atualmente quiçá apenas prevaleça na Suiça. Nos demais,essa relativa falta de segurança tende a estar em limites toleráveis para a comunidade social, posto que, em Estados como o Brasil, tal situação só se acha no limite do aceitável se o cidadão comum prover, pela respectiva cautela e indispensável precaução, a precária manutenção de seu bem-estar social.
O que está ora acontecendo no Egito configura o caso limite, em que esta ficção condicional – que o cidadão brasileiro consegue, mal ou bem preservar – se vê quebrada flagrantemente.
Se o Brasil já assistiu a casos episódicos do poder criminal, na terra dos Faraós a criminalidade se tem alçado a níveis intoleráveis. A prudência de antes se transmuta em medo, pela presença insolente e ameaçadora de bandos de facínoras, de que a própria polícia egípcia foge, falta de meios ou de coragem para enfrentá-los.
Os incidentes, sobretudo à noite, passam a ser rotina. As cadeias são abertas, por dentro ou por fora, e a força policial se vê tangida às pernas pra que te quero que antes se afigurava apanágio do cidadão comum.
A onda criminal egípcia atinge tal nível que suscita dois temores: de não ser movimento espontâneo, e sim o prenúncio do restabelecimento do regime forte (aquele que, pelo menos, mantém as aparências da ordem).
(Fonte subsidiária: International Herald Tribune )
sábado, 14 de maio de 2011
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