quarta-feira, 4 de maio de 2011

Tirando a Floresta do Código

            Aos trancos e barrancos, tramita na Câmara de Deputados o chamado projeto de novo Código Florestal. Supostamente, o texto do relator entra na pauta de votação como se guiado por imponderáveis. No dizer das forças políticas envolvidas, o projeto de Aldo Rebelo, que fora adrede escolhido pela frente ruralista, a todos desagradaria.
            Tentemos esmiuçar melhor essa estória que nos parece mal contada.
            Para começar, há muito jogo de cena. Digladiam-se diversos grupos, às voltas com pré-posições de quem busca resguardar a respectiva retaguarda, ou que temem pela sobrevivência de pontos havidos como indeclináveis. Outros vêem configurar-se grave problema, ou mesmo uma crise, que não se teria materializado, caso tivesse sido dada maior atenção à matéria por quem de direito.
            Algumas lições podem ser tiradas desses exercícios preliminares de uma votação prevista para esta quarta-feira, quatro de maio. Escusado acrescentar que as semanas no Congresso, por considerações demasiado conhecidas, se restringem, no que tange aos projetos a serem decididos pelo sufrágio dos deputados – e não de simbólicos votos de liderança – somente à quarta-feira, único dia em que os nobres congressistas comparecem em peso.
            A primeira lição é que o Governo errou em não apresentar substitutivo ao anteprojeto do deputado Aldo Rebelo. Assim como Clemenceau declarara que a guerra era importante demais para ser deixada ao arbítrio dos generais, a Presidente Dilma Rousseff deveria ter pensado que mais valeria a pena elaborar código florestal com texto equilibrado e abrangente, de que a ciência ambientalista não fosse excluída. Tudo dentro da linha e do espírito do documento endossado no compasso do segundo turno da eleição presidencial, para atrair a caudal de votos da candidata Marina Silva.
            Talvez o erro venha de antes, ao não indicar para a Pasta um grande nome político, que desse mais consistência à causa do meio ambiente.
            Das reuniões coordenadas pelo Ministro Antonio Palocci resultou o contrário de o que se exigia para o desafio aprontado pelos ruralistas e pelo seu relator : exposta a descoordenação do governo, a situação disso decorrente só debilitou ainda mais o propósito de estruturar posição em que se resguardassem tópicos cujo abandono pode significar calamidades futuras de Mãe Natureza.
            Na prática, a comissão informal dirigida por Palocci deixou à deriva toda a questão da elaboração de código florestal digno deste nome ao permitir que os ruralistas e seu relator ad hoc mantivessem um texto que não está à altura da grande questão que nos confronta a todos: salvaguardar o nosso maior recurso natural e fazê-lo de modo a integrá-lo na economia, mediante a sua exploração sustentável e harmônica.
            Não é cabível, no entanto, responsabilizar singularmente o Ministro Palocci por tal falha. Sem a determinação presidencial, não se pode exigir do Ministro-Chefe da Casa Civil que implemente uma instrução que não lhe foi dada.
            As aparências para tanto não faltam. E não me resporto às discordâncias dos Ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Veja-se a respeito a postura equívoca do Presidente da Câmara de Deputados, Marco Maia. Quero crer que ele seja filiado ao P.T., mas ao pôr na pauta de votação de hoje o projeto de Código Florestal, dá a impressão de haver consultado mais a compromissos pregressos com a bancada ruralista, do que à orientação da Presidente Dilma Rousseff.
            Aliás, há outros indícios de que o Partido dos Trabalhadores semelha algo esquecido da correligionária que preside a República. Pois José Dirceu não acaba de infligir uma segunda derrota à Presidente ? Após colocar Marco Maia na presidência da Câmara, volta a contrariar a Presidenta ao eleger Rui Falcão para substituir, por motivo de doença, a José Eduardo Dutra.
            Marina Silva, apesar de não ter atualmente mandato, fez-se mais presente na defesa do ambientalismo do que muitos personagens oficiais sem liderança. A ex-senadora e ex-Ministra, soube extrair do Ministro Palocci a asserção de que o governo discorda cem por cento do relatório.
            Ouçamos as palavras da candidata à Presidência da República: “É um absurdo tomar conhecimento de um texto na segunda-feira, às cinco da tarde, e ele ir para votação na quarta-feira. Aparentemente, o texto atende às demandas da sociedade, mas é só aparentemente, porque está cheio de pegadinhas. É imprudente e desrespeitoso com o processo democrático colocar esse texto em votação.”
            Se não agir prontamente, e com o denodo que a questão merece, o Governo de Dilma Rousseff poderá em breve colher o amargo fruto de uma desastrosa negligência política.


                                                        ( Fonte: O Globo )

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