A maneira com que foram ‘terminados’ os trabalhos para o Pan-Americano não deveria ter sido esquecida tão depressa. Como é público e notório, tal resultou da abúlica e incompreensível atítude da última gestão de Cesar Maia na prefeitura do Rio de Janeiro. Tampouco é segredo que o atual prefeito, Eduardo Paes, fora então convocado de urgência na qualidade de interventor plenipotenciário.
Bem ao modo tupiniquin, todos os prazos haviam sido irresponsavelmente ignorados. Na vigésima-quinta hora, com o vexame pan-americano à espreita, adentrou a cena o antigo auxiliar do prefeito Maia, para salvar as aparências no que se afigurava humanamente realizável.
Como espécie de deus ex-machina, Eduardo Paes fez o que era possível. No entanto, dados os prazos e as condições em que encontrou as obras, foi apenas factível, de acordo com esquema conforme às condições pan-americanas, dar por terminado o trabalho para as inúmeras construções exigidas por aquela competição.
As condições decerto não mais respondiam ao ideal, mas às características do relativamente aceitável. Abundaram reclamações de atletas e delegações quanto à situação da chamada Vila Olímpica. Tampouco, a piscina Maria Lenk e o seu entorno, e otras cositas más não resplendiam com as qualidades e o visual do país que, sob Juscelino Kubitschek, levantara a Capital federal em meio ao então ermo do Planalto Central
O pior de tudo, no entanto, não estava nas pouco satisfatórias condições com que foram recebidos os atletas, em 2007, para o Pan-Americano.
Mais grave ainda é que a mesma irresponsabilidade parece ter sido mantida na preparação de dois grandes eventos, que Lula, Sérgio Cabral e Eduardo Paes, trataram de trazer para o Rio de Janeiro e o Brasil. A Olimpíada, para que preparamos magnífico visual ( em Vilas Potiomkin concorremos com os russos ) e também a Copa do Mundo, esta ainda mais próxima, ambas as empolgamos. No caso da Olimpíada, com manifestações emocionantes e profusas lágrimas.
Aí interveio síndrome também tipicamente tupiniquim. Conquistado o direito de realizar em solo pátrio os magnos certamens, governo e assemelhados passaram a agir como se tudo estivesse decidido e acertado.
O atraso – que já é palavra benigna, pois pressupõe um começo, que, na mor parte dos casos, inexiste – se escancara por toda a parte, enquanto – outra característica de nossa gente – zune o fogo cruzado das recriminações.
Somos apequenados pelas comparações. Houve cidades que concorreram às Olimpíadas e que já dispunham de grande parte das obras necessárias realizadas. O Comitê Olímpico se rendeu aos encantos do Rio de Janeiro e, neste momento, caro leitor, não sei se em boa ou má hora.
Aparece na imprensa quem recomende a opção da renúncia – a exemplo da Colômbia, então sob o ataque da guerra civil. Mas o Brasil vive a nossa normalidade, aquela das disputas partidárias menos pelas grandes obras do que pelos ministérios das vultosas verbas em que, para as principais pastas o crachá do partido semelha valer mais do que
Quiçá o que enfrenta agora o Prefeito Eduardo Paes não seja estritamente responsabilidade de sua administração. Pergunto-me, no entanto, se Sua Excelência desconhecia as condições em que foi construída a Vila Olímpica. Agora, as fendas aparecem no asfalto, os postes ficam tortos, e se teme – apesar dos desmentidos oficiais – pelas fundações nos edifícios do entorno. É voz corrente que se levantou a citada ‘vila’ sobre terreno pantanoso. Não surpreende, pelas características da área da Barra. Uma das questões que avulta é determinar o que fazer: levantar obras sobre tal superfície será providência suscetível de aprovação por quem tem títulos e competência para tanto ?
A improvisação é parente da irresponsabilidade ou mesmo da desídia, que deixa passar os prazos. Assim, num arremedo daquele credo da Polinésia – o ‘cargo cult mentality’ – que acredita piamente na onipotência divina (nela incluída a capacidade de fazer as obras dos humanos) para num piscar de olhos sanar todas as falhas e salvar-nos uma vez mais do descrédito e da zombaria alienígena.
Pois não é que Deus é brasileiro ?
( Fonte subsidiária: O Globo )
segunda-feira, 2 de maio de 2011
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