Jonathan Swift escreveu as Viagens de Gulliver pensando na Inglaterra setecentesca, mas a sua sátira famosa pode bem aplicar-se ao Brasil do século XXI, ao gabado membro dos BRICS, esse acrônimo costurado por Jim O’Neill da Goldman Sachs unindo cinco países emergentes que pouco ou nada têm em comum, a não ser o tamanho dos respectivos PNBs.
O Brasil, o gigante rasgado pela audácia dos bandeirantes, refletido nos velhos mapas das cortes portuguesas e no traço sapiente e seguro de Alexandre de Gusmão e Rio Branco, ora corre o risco de transformar-se no país de Lilliput, despedaçado por minúsculos legisladores, que na sua mofina ambição o pensam tão pequeno quanto as próprias mentes.
Não é que essa inerente pequenez de tal gente nascida em país que se acreditava grande pela própria natureza se circunscreva ao que pomposamente denominam de Congresso Nacional. A mesquinhez é dessas plantas vadias que crescem ao deus dará. Como o inço, invadem com sua feiúra agressiva plantações, jardins e fendas em pisos descuidados. Vivem da complacência e do desleixo alheios.
A vocação deste país, herdada de antepassados que se debruçavam em estreita faixa atlântica e singraram os sete mares, indo além da Taprobana, a gente apequenada do presente parece havê-la esquecido.
Semelha que nos olvidamos de quem projetara grandes destinos para a nossa nação. Por toda a parte a gente miúda se espalha. Se Gulliver aparecesse em Brasília, não tardaria em descobrir-se atado ao chão, sob as vistas nervosas de anõezinhos empenhados em resguardar os respectivos privilégios de qualquer ameaça do gigante emboaba.
Leitor amigo, não sorria antes de pesar os fatos e as vergonhas dos dias que correm. Pois esse Congresso, tão cioso de suas prerrogativas, somente delas se serve em acintoso proveito próprio, quando em um dia aprovou a legislação e as disposições que lhe inchava os estipêndios, assim como aos demais poderes, todos cevados com a prodigalidade e a presteza que é vedada aos demais cidadãos.
Não que desejemos partilhar essa fácil munificência, pois não queremos, antiquados que somos, a ruína de nossa mãe gentil. Gostaríamos sim de vislumbrar não a arrogância dos fora da lei, mas um pouco de austeridade republicana.
E que dizer desse triste espetáculo de dilacerar o antigo patrimônio, construído com a ciência dos velhas cartas e a geopolítica dos fortes a ajudar-nos, com o dédalo dos canais, a impedir o cúpido acesso das potências europeias às riquezas da Amazônia ? O Grão-Pará, apequenado por ambições lilliputianas, e transformado em três estados, mananciais de inúteis despesas com custosas estruturas burocráticas, ninhos cobiçados para mais vinte e um senadores, e outras 54 deputanças, sem falar nas assembleias estaduais, nos desembargadores e nos juízes !
É para isso que se reúnem a Câmara Federal e o Senado ? Já não se pejam do exemplo que dão de escárnio à ética que nos acaba de exibir um bando de pais de pátria, que um único Senador digno desse nome ousou negar pelo voto ?
Os congressistas choramingam da judicialização da política, como se o Supremo invadisse a sua seara. Mas se a deixam derelicta e não cumprem a própria faina, que razão lhes assiste de reclamar contra pretensas exorbitâncias do judiciário ?
Se os atuais 513 deputados e os 81 senadores – em breve, pelo visto, o grupo será ainda maior – não atendem às instâncias da Constituição, deixando sáfaras muitas áreas que careciam de ser ordenadas pelo trabalho da legislação complementar, talvez alguns deles saibam que o poder abomina o vácuo. Aos indolentes e praticantes de semanas de dois dias, só resta o consolo de ver outrem fazer o que Suas Excelências não se dignam realizar.
Este Congresso, sem embargo, se o bem não pratica, cogita muita vez de contribuir para livrar-nos das esplêndidas florestas e dos aquíferos e mananciais que outros, de maior estatura do que os nacionais de Lilliput, conquistaram e preservaram.
Bem disse Jânio de Freitas que se prepara um Código contra o Brasil. Entregou-se a feitura do Código Florestal às vistas pequenas e oportunistas de um legislador com grandes ambições e rasteiras realizações. Ignoram o parecer da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a entidade mais habilitada para opinar sobre o tema, e correm para depositá-lo em mãos propensas a atender as broncas ambições da coalizão ruralista.
Engana-se, contudo, quem atribui a tais senhores a grave responsabilidade de terminar a nefasta obra iniciada pela coorte dos desmatadores, dos inimigos do verde e da água, dessa estranha urgência de querer juntar-nos àqueles países despojados deste recurso natural inigualável e irrecuperável. Em breve, formaremos sólida união com a Malásia, a Índia, a China e tantos outros que a ignorância e a cobiça do capital cuidam de lançar sobre o Pantanal e a Amazônia ainda restante as hordas dos lemingues do abate desenfreado e estúpido.
A quem culpar então pela feliz conjunção de oportunidades abertas aos ávidos e amigos do hoje e inimigos do amanhã ?
Uma voz no passado se elevou na defesa de um homem, injustamente condenado e degredado. Se teria a honra de chamar às falas o próprio país, não teve a satisfação de contemplar a tarda porém efetiva justiça feita ao inocente.
À nossa volta deparamos na capital de Lilliput os felizes e nédios detentores de um poder que se funda no corporativismo das vistas curtas e tacanhas.
Antes a Nação buscava na sede do poder a voz que lhe desse o rumo, e que se fizesse intérprete das necessidades do país. Não me refiro, decerto, à fácil demagogia e às promessas ligeiras. Pergunto-me onde está quem deva preservar o interesse nacional e não ganhos míopes e enganosos.
Onde está, por exemplo, quem tenha a coragem de atalhar esta farsa do Código Florestal, que na sua redação sectária vai acelerar o desmate, as inundações e tudo o mais que, cinicamente os falsos poderosos chamam de fatalidade ?
Num deserto de homens será insano esperar a intervenção de uma mulher ?
segunda-feira, 9 de maio de 2011
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