Perspectivas do Código Florestal
O recuo do líder Vaccarezza na quarta-feira, onze de maio, deixa muitas interrogações. A maioria do governo, imbatível no papel, não parece ter a consistência que a votação do salário mínimo prenunciara. Nessa imbatível couraça surgiram inesperadas rachaduras, como as 88 defecções que aprovaram a urgência do regime.
Não só integrantes da maioria, mas do próprio PT se manifestaram na contramão de o que se propunha a administração.
Não é só, no entanto, o líder do governo que sai chamuscado do episódio. A posição do líder do PMDB, Deputado Henrique Alves (RN), que no calor da refrega afirmou que nada se votará até a aprovação do Código, deverá ser objetivo de tratativas. O Ministro Antonio Palocci fez um apelo ao líder, para que permita a votação de MPs que interessam diretamente as obras da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, e que correm o risco de perder a validade, se a pauta ficar trancada.
Deverá crescer, outrossim, a participação nas conversações do Vice-Presidente Michel Temer. Nesse sentido, ele defende a necessidade de mais uma semana de debates, de modo a evitar maiores desgastes na base aliada.
De todas as partes, o relator Deputado Aldo Rebelo perdeu credibilidade. Se havia dúvidas sobre a sua imparcialidade, o texto do chamado Relatório as desfaz. Nos pontos da controvérsia, ao invés de seguir a cartilha de alguém encarregado de elaborar articulado aceitável para ambas as partes, o deputado Rebelo mostrou claramente a que lado pertencia.
O Ministério do Meio Ambiente encaminhou à Casa Civil levantamento com dez problemas graves no texto preparado pelo relator.
O mais sério deles foi a inclusão da anístia a desmatadores – que a Presidente Dilma Rousseff prometera vetar ainda na campanha eleitoral.
Outro tópico desastroso do relatório Rebelo é a abertura de crédito a produtores que cometeram infrações ambientais. Segundo João de Deus Medeiros, diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, se volta à situação em que o crime ambiental compensa.
No texto confuso, encaminhado à votação, se diz que todas as multas serão suspensas mediante recuperação das áreas desmatadas – com o que o governo concorda. Sem embargo, o relatório legaliza as chamadas áreas consolidadas – as de vegetação nativa (floresta) convertidas em plantio ou pasto até julho de 2008 – com que o governo não concorda.
Consoante Medeiros, ou você faz uma coisa ou outra: recuperar áreas consolidadas e ao mesmo tempo mantê-las, é algo incoerente, incompatível. Trabalha com a hipótese da anistia, que nunca foi aceita pelo governo.
Outra decisão questionável de Aldo foi retirar todo o art. 58, que torna impossível a concessão de crédito rural para quem tiver infração ambiental confirmada em decisão definitiva de procedimento administrativo. A esse respeito, o ex-Ministro Carlos Minc (PT-RJ) asseverou que a retirada desse mecanismo “é muito grave” : “Você continua financiando o destruidor do meio ambiente. Corte de crédito a desmatadores foi essencial para termos chegado à menor taxa histórica do desmatamento na Amazônia.”
Mas o que Marina Silva qualificou de ‘pegadinhas’ de Aldo Rebelo – as mudanças em que desvela o desequilíbrio do texto em favor dos ruralistas – não se limitam a esses pontos. O artigo 3º do texto do relator suprime trecho que estabelecia que a previsão de ‘pousio’ (descanso que se dá a pastos e lavouras) é apenas para pequenos agricultores, deixa em aberto a possibilidade de que a prática venha a ser obedecida por todos.
Na avaliação técnica do MMA, grandes produtores mal-intencionados poderão fazer desmatamentos em novas áreas, e justificá-los como sendo ‘pousios’. E, no entendimento do Ministério, será difícil fiscalizar tais atos.
Se preciso fora, está mais do que confirmada a parcialidade do relator para o Código Florestal. É lógico que parte da mídia comprometida com os ruralistas – como o evidencia a edição da VEJA deste fim de semana – continuará a entoar loas para o trabalho de Aldo Rebelo. Mas tais tentativas não hão de obscurecer a verdade, que é o favorecimento, em pontos capitais, do relatório Aldo às teses de ruralistas e da CNA.
O tempo pode e deve favorecer a boa causa, que é a do Ministério do Meio Ambiente. Recuperada plenamente a Presidente Rousseff de seu problema de saúde, com a ajuda do Vice-Presidente e o estreitamento dos contatos do Ministro Palocci, estarão colocadas as condições para a costura de um Código Florestal digno desse nome, e não o aleijume presente, que apenas reflete míopes cálculos politiqueiros e ávidos, obtusos interesses que levam à savanização e aos desastres climatéricos.
É indispensável a preservação de nossas florestas e outros biomas como o Pantanal e o Cerrado, para assegurar os aquíferos e a abundância da água em nosso cultivo. Não se deve esquecer que um bom Código atende a ambientalistas e produtores agrícolas, através de exploração auto-sustentável dos recursos naturais.
Os demagogos não são só inimigos da preservação da natureza e de nossos recursos, mas também trabalham contra os reais interesses dos produtores agrícolas. Os grandes e pequenos proprietários devem operar em simbiose com os recursos naturais, dos quais, em última análise, dependem estritamente. O desmate é receita certa de desastre ecológico e de futura e permanente pauperização do meio rural.
Povo derrota absurdo projeto de vereadores cariocas
É um episódio local, mas que traz lição relevante a ser aprendida pela sociedade civil. A mesa da Câmara de Vereadores aprovara projeto de aquisição de carros importados Jetta para o uso pessoal dos edis cariocas.
Ao tomarem conhecimento da medida, apenas cinco vereadores (num total de 46) se negaram a compactuar com a imoralidade. No entanto, a rejeição popular, expressa pelos mais diversos condutos de opinião, foi tão forte, que em semanas o presidente da mesa, Jorge Felippe (PMDB) teve de abortar a absurda iniciativa. O seu único problema será tentar reaver os R$ 2,3 milhões já pagos à Volkswagen pelos 33 primeiros veículos.
A maciça revolta da opinião pública carioca constrangeu os demais vereadores a se associarem ao núcleo ético que rejeitara prontamente o favorecimento inaceitável.
É reação que tem tudo para ser imitada no caso de mamatas estaduais e federais.
A Tragédia Síria: desespero do Ditador al-Assad ?
No cômputo aproximado de macabra estatística, dada a proposital política de mascarar a realidade, será bem possível que as mortes de manifestantes na Síria já tenham superado o milhar, ao invés da enganosa exatidão da contagem à distância por agências de direitos humanos.
A repressão na terra da dinastia de al-Assad desde muito abandonou o approach soft (brando), partindo para a escala de um massacre sistemático dos prováveis opositores do regime.
O atual paroxismo da reação, com amplo emprego do exército e de seus blindados, indica que Bashar al-Assad semelha recorrer à estratégia seguida pelo pai, Hafez al-Assad, quando esmagou o reduto islamista de Amah, com um total presumido de 25 a 30 mil mortos.
Embora a carnificina atingida pelo general al-Assad não se compare aos totais atuais, o desafio ao regime se localizava naquela cidade, ao passo que hoje ele se espalha por todo o país.
Mutatis mutandis, no entanto, o filho parece acreditar na possibilidade de silenciar a resistência através da mesma tática de intimidação adotada pelo pai. A partir dessa inferência, se podem fazer as seguintes deduções:
(a) Bashar ainda tem o apoio de parte substancial do exército, entregue a comandantes da seita minoritária alauíta, que é a da família do ditador;
(b) a opção pela conciliação, seja real, ou simulada, já estaria superada pela mútua radicalização;
(c) a aplicação de uma tática similar à de Amah traz consigo risco considerável, eis que não se pode extrapolar a todo um país uma repressão maciça porém localizada.
A reação internacional ao uso indiscriminado da força pelo ditador al-Assad continua em nível que não apresenta ameaça de porte ao regime. A própria Secretária de Estado Hillary Clinton tem ainda graduado os seus protestos. A administração Obama, por enquanto, não se pronuncia pela saída do presidente Bashar al-Assad. Limita-se a denunciar o incremento da repressão: “Tanques, balas e porretes não resolverão os desafios políticos e econômicos com que se defronta a Síria.”
Por outro lado, as sanções até agora impostas tem sido bastante simbólicas (atingiram três autoridades de segurança). Estariam agora em consideração sanções contra o próprio presidente, assim como possível ação no Conselho de Segurança, que até hoje não foi utilizado.
A tática de al-Assad de luta contra os manifestantes inclui a sua detenção em estádios de futebol – o que recorda o regime do general Pinochet nos seus começos -, a par das buscas casa a casa, partindo da premissa de que todos os estudantes seriam suspeitos. Esses approachs irrestritos e multitudinários apontam não só para um grau extremo no combate ao ‘inimigo interno’, senão e sobretudo para características típicas do desespero, como se o regime de al-Assad, paradoxalmente, nessa suposta demonstração de força, estivesse desvelando a sua falta de opções políticas. Nessa interpretação, portanto, seria a atitude de quem descobre que o recurso ao fuzil já não lhe promete a vitória final.
A confusa situação na Líbia
Nesta semana, foi anunciada a tomada do aeroporto de Misurata pelos rebeldes, constrangendo à retirada as forças que apoiam o coronel Muammar Kadaffi.
Assinale-se que essa cidade na Líbia ocidental, conquistada pela liga rebelde, suportou um assédio e um bombardeio de dois meses pelos contingentes pró-Kadaffi.
Esse triunfo da resistência contra o ditador de Trípoli é considerado como um dos mais significativos na longa e árdua luta da liga de Bengazi e das cidades da antiga Cirenaica para derribar um regime corrupto e farsesco de mais de quarenta anos.
Depois de relativa escalada nos bombardeios da OTAN – no que foi interpretado como tentativa de exterminar Kadaffi provocou a morte de dois membros de sua família -, e a despeito de que as tropas rebeldes se sintam comparativamente mais seguras, nem tudo ainda são flores para a liga de Bengazi e as comemorações da liberação de Misurata.
Com efeito, se presume que haja bolsões de contingentes pró-Kadaffi dispondo de artilharia e de foguetes, ainda com proximidade que lhes permita atingir bairros de Misurata e o porto, que é a única saída da cidade para reabastecimento e evacuação de feridos.
Outra questão que provoca atenção é o possível emprego do regime de Kadaffi da emigração africana como ‘arma’ contra a União Europeia. Além de as cargas humanas a serem despejadas na ilha de Lampedusa serem sobretudo atribuíveis a fluxos da África subsaárica, e que nada têm a ver com a situação líbica, semelha que Trípoli vem incentivando essa corrente, possibilitando inclusive que navios com maior tonelagem utilizem o seu porto para embarcar esses migrantes africanos.
Em outras palavras, tais levas de migrantes estão sendo utilizadas pelo regime de Kadaffi como espécie de retaliação contra a U.E. pelo seu apoio à liga rebelde.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )
domingo, 15 de maio de 2011
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