A Arábia Saudita defende a Reação
De início, o rei Abdullah e o estamento saudita viram a revolução democrática árabe como ameaça para o próprio regime. Tal inquietude, assinalada sobretudo na fase em que a onda libertária derrubara o Presidente Hosni Mubarak, e se manifestara no vizinho reino insular do Bahrein, buscou contra-arrestar o contágio interno através do incremento das contribuições sociais.
Como é o vezo da monarquia absolutista de Ryadh, sua resposta se orientou no sentido de uma virtual compra de segmentos que se afiguravam como alvos potenciais da revolução. A mesma orientação foi seguida pelos nervosos emires do Golfo, e tem sido até o presente coroada de êxito.
No que tange à família al-Khalifa – da minoria sunita que domina o Bahrein -, o rei Abdullah mandou de bom grado uma força expedicionária. A intervenção militar saudita atendia a dois interesses básicos. O estabelecimento de regime democrático naquele reino iria favorecer a maioria xiita – atualmente submetida a um virtual apartheid. Além de suas conexões com Teerã, o eventual enfraquecimento, ou mesmo queda, do rei Hamad bin Isa al-Khalifa representaria perigoso efeito demonstração para a monarquia absoluta dos príncipes sauditas. Por outro lado, também no Bahrein – e desde 1947 - situa-se em Juffair, a cerca de 8km da capital Manama a base naval da frota americana para o Golfo Pérsico.
Nesse sentido, a crescente agitação revolucionária no Bahrein – igualmente evidenciada na praça central de Manama, em modelo similar ao da praça Tahrir no Cairo – levou à subsequente repressão do movimento, com o determinante apoio militar saudita.
O aparente sucesso dessa expedição terá animado o governo saudita a tentar estender a sua influência no mundo árabe. A comparação histórica que vem à mente seria a atuação no cenário europeu pós-napoleônico da chamada Santa Aliança, constituída por iniciativa do Czar Alexandre I da Rússia, em setembro de 1815, com a participação inicial do Império Austriaco e do Reino da Prússia. O escopo precípuo dessa aliança – que durou até 1825 – visava a defender – ou a reestabelecer – as monarquias conservadoras na Europa.
Embora atue isoladamente, fundado nos seus petrodólares, não é diverso o objetivo do reino saudita. No entanto, essa ‘contrarrevolução’ atua de forma mais discreta. A chamada ‘primavera árabe’, a seu ver, quebrou o longo controle por regimes autoritários de uma diplomacia dita ‘moderada’, fundada em entendimento entre o Egito de Mubarak e a monarquia saudita.
Por isso, Ryadh se empenha em apoiar o governo militar no Egito. No seu intento de manutenção da ‘ordem’, os sauditas buscam ajudar monarquias que, eventualmente, enfrentem distúrbios. Nesse contexto, vêm à mente a Jordânia e o Marrocos, posto que a situação dos respectivos soberanos não seja a mesma. Com efeito, o rei Abdullah II tem menos sustentação do que o rei Mohamed VI, do Marrocos. Sem embargo, ambos se deparam com dificuldades.
A motivação do regime saudita em auxiliar essas monarquias será menos ideológica, do que pragmática. Em verdade, a defesa de tal sistema de governo é feita tendo presente sobretudo as molestas consequências que teria a derrubada – no momento ainda improvável – de um monarca na Nação árabe, como ‘exemplo’ para uma monarquia de estampo conservador como a implantada pelos Saud após a desagregação do império otomano e o chamado acordo Sykes-Picot, que procedera à partilha do Oriente Próximo entre a Grã-Bretanha e a França.
Essa política externa conservadora de Ryadh se caracteriza por alguma flexibilidade. Os sauditas admitem exceções quanto a tais princípios. Abstem-se, por isso, de tentar sustentar regimes como o da Jamairia líbica. O fato de nunca terem sido próximos de Muammar Kadaffi – que iniciara o seu longo predomínio apeando do poder o rei Idris em 1969 – lhes terá facilitado a concordância com os emirados do Golfo, que apóiam ações bélicas contra o coronel líbico.
Tampouco se opõem em princípio à saída do presidente iemenita Ali Abdullah Saleh. O pequeno vizinho do sul é visto com atenção pelo reino. Interessa-lhe, portanto, que o diferendo seja resolvido de forma pacífica, evitando-se, assim, a involução para confrontação armada entre as ligas tribais que sustentam Saleh e a coalizão oposicionista. Diante da resistência de Saleh e da manifesta maioria popular favorável à sua partida, o interesse de Ryadh está em solução pacífica com a manutenção de um mínimo de ordem em Sana.
As dúvidas nas simpatias sauditas crescem ainda mais quanto à ditadura de Bashar al-Assad em Damasco. Em princípio, como se sabe, o rei Abdullah apóia regimes estabelecidos, sobretudo se autoritários. No entanto, não só a larga oposição do povo sírio e os repetidos massacres pelas forças militares de al-Assad indispõem a Ryadh. Em verdade, a Síria de al-Assad tem outras características que desagradam aos sunitas do reino dos Saud. A ditadura dinástica da Síria, se baseia em seita minoritária muçulmana , os alauítas, que tem estreitos laços com os xiitas. Daí, a aliança de Damasco com a teocracia xiita de Teerã, que é o principal adversário regional da Arábia saudita. Tal circunstância tende a abrir uma exceção em Ryadh para cerrar fileiras com o atual governo sírio.
Na terra dos Irmãos Lumière veremos o mesmo filme ?
A direita sempre foi força a ser respeitada na França. Em janeiro de 1898, a vitimização do oficial francês Alfred Dreyfus, a eclosão do enfrentamento do affaire Dreyfus – que Émile Zola, para sua honra, com o ‘Eu Acuso’ divulgaria e tornaria nacional – já mostrava a difusão da postura conservadora, reacionária por vezes e até xenófoba, no território do chamado hexágono gaulês. Na época, a França se dividiria entre dreyfusards e anti-dreyfusards – i.e., partidários pró – e contra Dreyfus – congregando assim a esquerda e a direita de então.
No período de entre-guerras, Charles Maurras seria o símbolo da direita, com a sua Action Française, a um tempo conservadora e antirrepublicana. O general Charles de Gaulle, com a sua reação à derrota francesa de 1940, e participação com os aliados na luta contra o nazismo, tornaria o gaullismo uma nova posição na política francesa, que desembocaria na fundação da V República em 1958. No entanto, com a sua posterior renúncia e morte, os sucessivos avatares do partido de De Gaulle voltariam a agregar a direita republicana e democrática.
Na França presente há três grandes partidos. Na esquerda, com o encolhimento do partido Comunista, há o domínio do Partido Socialista. François Mitterrand consolidou essa preponderância, com dois septenatos nas décadas de oitenta e noventa. De parte gaullista, surgiria o antigo Maire de Paris, Jacques Chirac, que por sua vez exerceria dois mandatos presidenciais (o segundo já encurtado para cinco anos).
A sua reeleição em 2002 teria a singular ajuda do lider socialista Lionel Jospin.
Primeiro Ministro na época – dividindo o poder com os gaullistas de Chirac na dita coabitação – Jospin incentivou no primeiro turno (era também candidato ao Elysée) a chamada esquerda plural. Esta singular estratégia faria com que o candidato do Front Nationale (a extrema direita) Jean-Marie Le Pen chegasse em segundo lugar, o que o tornaria o adversário de Chirac no turno decisivo. A derrota de Jospin tornaria, por um tempo, acéfalo o partido socialista.
A situação política na França parece ora encaminhar-se para outro desafio do Front Nationale, agora sob a liderança da filha de Le Pen, Marine Le Pen. Mais hábil do que o pai, ela deseja apresentar-se ao eleitorado como uma perspectiva de direita que possa ser digerida pelo establishment. Se o carismático pai soubera forjar a união da extrema-direita fragmentária contra os demais, o objetivo de Marine Le Pen semelha ser diverso. Dentro de um novo cenário europeu, em que governos de direita, como o da Hungria, podem ambicionar a formação de maiorias relativamente sólidas, a filha de Jean-Marie, advogada de profissão, tenciona evitar o estampo de extrema direita (que a destinaria a ‘vitórias’ no primeiro turno e a derrotas no segundo).
Ainda é muito cedo para formular prognósticos. O Presidente Nicolas Sarkozy, que pleitearia a reeleição, sofre por ora de uma grave enfermidade política, que é a impopularidade. Não se pode, contudo, excluir a possibilidade de que Sarkozy venha a reverter essa tendência.
O partido socialista, que tinha em Dominique Strauss-Kahn um pré-candidato forte e popular, por peripécia estrangeira, fora de todo o controle da opinião pública francesa, se viu de repente, órfão desse nome antes prestigioso.
Reaberta a disputa entre os socialistas, com o retorno de pré-candidatos já atuantes no pleito anterior, o presidente Sarkozy, por uma série de fatores, inclusive de ordem orgânica, teria maiores possibilidades de ir para o segundo turno.
Se o desafio apresentado pela herdeira do Front Nationale se acentuará ou não, será decorrência da situação política francesa e da atuação de Marine Le Pen. Se teremos a repetição do filme de 2002 ou não, essa é outra estória.
( Fonte: International Herald Tribune )
domingo, 29 de maio de 2011
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