Entre os nomes de inegável brilho no em geral opaco ministério de Dilma Rousseff, Anna Maria Buarque de Hollanda, fora saudada pela imprensa com algum destaque. Além do nome ilustre, com o título paterno de Sergio Buarque de Hollanda e do irmão, o cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda, hoje doublé de celebridade literária, Anna de Hollanda trazia consigo respeitável fé de ofício.
Com efeito, Anna, a par de cantora e compositora, não se assinala tampouco por curriculum vitae de paraquedista cultural. De 1983 a 1985, chefiara o setor musical do Centro Cultural de São Paulo, no quadro do governo Franco Montoro (PMDB). De 1986 a 1988,foi secretária de cultura de Osasco, na gestão de Humberto Parro (PMDB).
Vencido sério problema de saúde, Anna dirige, de 2003 a 2007, o Centro de Música da Funarte, durante a gestão de Antônio Grassi.
Ao ser convidada para integrar o gabinete, Anna de Holanda portava já bagagem de relevo, a par de ideias próprias na floresta cultural. Como se sabe, este ministério, de pouco poder e menor provisão de verbas, é um feudo em que aguerridas facções se digladiam, em proporção talvez inversa ao prêmio do almejado controle.
Contrariamente a outros ministros, como o latinista Pedro Novais no Turismo, cuja única marola terá sido a respectiva mediocridade, Anna de Hollanda tem agenda. Como os acontecimentos subsequentes demonstram, tal originalidade na conduta está eivada de perigos.
Assim, em assumindo o ministério, retira do site do órgão o selo ‘creative commons’, que é sistema de gestão de direitos autorais mais flexível do que o conhecido ‘copyright’. Em consequência, ainda em fevereiro, a acusam de trabalhar contra a reforma da Lei de Direito Autoral, promessa do ministro Juca Ferreira, que sucedera ao operoso Gilberto Gil, na Pasta da Cultura, sob Lula da Silva.
Em março, espouca o ataque de Emir Sader, que tinha ideias muito próprias sobre o que fazer da Casa de Ruy Barbosa. Sader critica cortes orçamentários no ministério, jogando parte da culpa sobre a vítima principal, no caso a Ministra, a quem chama de ‘meio autista’. A Ministra, talvez com demasiada tolerância, tarda um pouco em cancelar-lhe a nomeação. Colhe, então, os primeiros sinais do desagrado presidencial.
Ainda em março, em providência que seria inatacável em outra administração, se suspende o pagamento de programas irregulares. No firmamento petista, há insatisfação entre os beneficiários ligados a movimentos sociais. No jargão por vezes promíscuo ligado ao destino dos fundos públicos, alas do PT vêem a medida como indício de ‘ruptura’.
Já em abril, dentro de conflito intestino, a Ministra é sinalizada por um grupo como ‘defensora dos interesses do ECAD’ (órgão que arrecada direitos autorais no Brasil).
A par de tais iniciativas – em que observador isento, sem as lentes de igrejinha, teria dificuldade em estigmatizar a priori – a Ministra cometeu um engano pessoal (o caso das diárias) e decisão em área cinzenta. Quiçá por zelo de secretária, Anna de Hollanda recebeu cinco diárias por estadas no Rio (onde tem residência), em fins de semana sem compromissos oficiais. A Controladoria-Geral da União (CGU) recomendou o recolhimento das diárias.
Quanto à decisão que classifico de cinzenta, o Ministério autorizou a captação de R$ 1,9 milhão para a primeira tournée no Brasil da cantora Bebel Gilberto, sobrinha de Anna de Hollanda.
A aparência de nepotismo é negada por Andréa Ferraz, dona da Super Amigos (que apresentou o projeto ao ministério): “(tem) alguns projetos aprovados na Lei Rouanet e nunca precisou de ministro algum para aprová-los dentro das exigências legais”.
Na atual conjuntura, é difícil afirmar o proceder que teria sido quiçá mais adequado no caso. Como na estória do velho, do burro e do menino, semelha quase impossível obter a aprovação de todos. Outrossim, a dita captação constitui objeto demasiado atraente para a eventual instrumentalização.
Nesse roteiro de inferno astral, de que Anna de Hollanda parece ser mais vítima do que autora, se agrega agora a decisão, descrita como governamental, mas com a evidente caligrafia de Dilma Rousseff, de intervir no Ministério da Cultura ‘para tentar controlar o bombardeio sofrido pela titular da Pasta'.
A Secretária nacional de Cultura do P.T., Morgana Eneile, foi nomeada assessora especial da Ministra, com a missão expressa de ajudá-la a debelar a crise e construir uma agenda positiva para a chefe.
Assinale-se que Eneile, em dezembro de 2010, apoiara a indicação de Anna de Hollanda para o MinC.
Dentro do cenário de potencial fritura, Dilma autorizou a operação para salvar sua auxiliar direta, mas espera que ela dê demonstrações de que consegue neutralizar os ataques internos.
‘Ela está sob uma guerra psicológica pesada’, declarou o Secretário-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. “A posição no Planalto é de apoio e respaldo a ela. Agora, tudo depende dela e da capacidade de sua equipe de cerrar fileiras em sua defesa.”
Há diversas interpretações sobre a ofensiva desencadeada contra a atual Ministra. Definida como uma das mais ‘sórdidas’ campanhas já protagonizadas por um ministro com tão curto período de gestão, o ex-Ministro Juca Ferreira – que lutou muito para permanecer no cargo – é encarado como um dos interessados no enfraquecimento da sucessora.
Se bem que o estilo de cada um possa sempre ter alguma parcela na quota de agruras que cada personalidade venha a arrostar, se se analisa com cuidado o doloroso itinerário presente da Ministra, semelha árduo culpabilizá-la pelas diversas cascas de banana culturais que lhe foram adrede lançadas.
Agora veremos como a controlada e serena Anna de Hollanda há de lidar com a ‘ajuda’ que lhe vem proporcionar, alguém que chega carimbada pelo Palácio do Planalto como xerife da Cultura.
( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
quarta-feira, 11 de maio de 2011
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