domingo, 19 de maio de 2019

O falso enigma do plebiscito


         
       Quem se aferra ao plebiscito estival de 2013 como se aquela expressão da vontade popular britânica tivesse significado marcante para nortear a posição de Londres, não pode ser levado a sério. Com a débil maioria de 3% e com afluxo de votantes que bem correspondeu àquele falso marco de resolução demasiado importante para ser debatida e votada em época de veraneio, que é tempo de praças vazias e de praias - mesmo aquelas britânicas - cheias, na verdade deverá merecer tanto respeito quanto o pobre David Cameron, cuja carreira e ambição política foram ceifadas por aquele resultado que jogou na lata de lixo da História tanto a sua carreira política quanto o desígnio da plêiade que não se intimidara com os vetos sucessivos de de Gaulle.
        Todas as dificuldades que a Theresa May vem encontrando e a sua disposição de tentar absolutamente quase tudo, menos mostrar o brio de promover um debate para valer quanto a virar essa página e ao invés de aferrar-se a imaginários  empecilhos, aceitar que desde muito soou a hora de pôr a nu  aquele falso enigma. Na verdade, todas essas hesitações, todo esse temor em derribar o que não passaria  de um ilusório quadro que não atende ao interesse inglês.
           Que pulsões se escondem em tantas hesitações, em tal encarnecida disposição de preservar a todo custo o que não passa de uma falsa maioria, produzida por infeliz conjunto de circunstâncias ?  Decerto faltou sangue e gente nessa desastrada resolução, e reconhecer tal verdade não me parece coisa que justifique continuar a enfiar a cabeça na areia grossa daqueles pífios resorts em litorais tão esquecidos quanto pouco frequentados, como se tal lamentável e mentirosa decisão devesse ser preservada ad aeternitatem, malgrado todas as consequências que há de trazer a estultícia de um ex-primeiro ministro, e os estranhos jogos de um parêntesis que se compraz em trazer de volta um nevoeiro que apenas esconde um porvir da mediocridade extrema?


( Fontes: Carlos Drummond de Andrade; o verão europeou e o inverno de ideias. )

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