domingo, 31 de agosto de 2014

Colcha de Retalhos B 34

                                        

 Getúlio –  3º Volume

 
       Mesmo para os que não leram os dois volumes anteriores da biografia de Lira Neto, recomendo a leitura de Getúlio 1945-1954 (Da volta pela consagração popular ao suicídio), com que se conclui a bem-pesquisada e ampla narrativa da vida de  um dos maiores presidentes da história brasileira.

       Sem tomar partido, o acompanhamento da trajetória de Getúlio Dornelles Vargas por Lira Neto é, em geral, equilibrado e minucioso.

       Em certos aspectos, basta a descrição isenta e pormenorizada para que se tenha ideia da atmosfera que preside à vida do ex-Presidente e recluso da Fazenda Itu, à de candidato a Presidente constitucional, e por fim a seu retorno ao Palácio do Catete, desta feita utilizando não apenas como gabinete e escritório presidencial, mas também como residência, eis que, talvez por lembranças desagradáveis, Getúlio não mais se serviu do Palácio Guanabara como residência oficial.

       O Brasil de então e sobretudo o Rio de Janeiro, capital da república, é um mundo bastante diverso do da atualidade. Mais acanhado e provinciano, as cenas no Palácio Tiradentes nos evocam  atmosfera que se tornaria irrespirável para o Presidente, dada a animosidade que prevalecia nas suas relações com as bancadas notadamente da UDN e a sua chamada Banda de Música.

        A descrição cuidadosa de Lira Neto reexuma esse mundo acanhado, provinciano, em que o fel do ressentimento será notado por Getúlio, seja senador, seja presidente constitucional a cada dia e a cada hora.

        A imprensa imita o estamento político – com a exceção do PTB – na oposição sem peias a quem consideram ainda como o Ditador do Estado Novo. Até o aparecimento do vespertino  Última Hora, de Samuel Wainer – já no último governo Vargas – não havia sequer jornal que defendesse o Presidente. Desde o principal, o matutino Correio da Manhã, de Paulo Bittencourt, passando pelo vespertino O Globo (de Roberto Marinho) até o pasquim da Tribuna de Imprensa (o jornal de Carlos Lacerda) não havia exceções na avaliação de Vargas. Todos, de forma uníssona, respondiam àquela pergunta pelo automatismo de parcial, até monótono refrão: Hay gobierno? Soy contra!  A própria rede dos Diários Associados,  com o oráculo Assis Chateaubriand, vertia o fel de seu negativismo. Era o maior conglomerado de imprensa e radiofonia no Brasil, com 36 jornais, 18 revistas, inclusive a maior delas, O Cruzeiro, e 36 emissoras de radio.

         A única coisa em que a imprensa de então diferia da atual seria na respectiva pluralidade, embora esse aspecto vário não se refletisse num arco de que constassem as diversas visões políticas. A tônica estava na oposição  e as variações em estilo, mas não na substância, que sofria de adiantado processo de provincianismo terminal. Até mesmo  revista nova que entra para fazer concorrência ao estabelecido semanário O Cruzeiro e que luta para ter substância além da boa feição gráfica – a Manchete dos irmãos Bloch – resolveria adentrar pela avenida oposicionista, pela mão do diretor Hélio Fernandes.

          Em termos de penetração popular, o Senador Getúlio Vargas estava em outro nível das igrejinhas que dele escarneciam. O lugar de crítico-mor seria em breve futuro – como nas velhas películas do cinema mudo tudo parecia ter pressa naquela corrida de lemingues – açambarcado por quem viria a confundir-se com o Corvo – e não o de Edgar Allan Poe, quase um brinquedo de criança perto das características do jornalista Carlos Lacerda.

           A bile que destila em sua coluna, a oratória a que a nascente televisão abre as então deficientes projeções, que por mais vezes se resumem a  torrente de apodos cercada de sombras, tudo isso teria a pertinácia (e a mendacidade) das acusações sem base que eram sédula e avidamente acolhidas pela carente  classe média.

           Sem que se pudesse saber, tudo fazia parte de um processo, como em tragédia grega, que algum diretor maluco tivesse transplantado para o trópico. O fim era a destruição do ditador (apesar de eleito com vasta maioria em pleito aberto). Para que tal fosse possível, qualquer pretexto seria acolhido e de braços abertos.

           A oposição tinha sólida implantação nas Forças Armadas de então. Conspirar naquela época para coronéis e generais – com as exceções de regra – constituía uma segunda natureza. As vivandeiras da política – boa parte da UDN e setores do PSD, como Armando Falcão por exemplo – se esmeravam em cultivar os militares (e já aparecem nas páginas de Lira Neto os nomes que pontificariam mais tarde na chamada Revolução de 31 de março).

           Por isso, Carlos Lacerda tomaria a si a triste missão de derrubar o presidente eleito, diplomado e reconhecido pelo Povo. As ofensas contínuas, a comovente má-fé, a parcialidade inabalável, tudo isso contribuiria para criar atmosfera que seria propícia para abater quem chamavam de Tirano. Não importa que não o fosse. Para Lacerda, talvez fiel ao seu namoro com o comunismo (logo enjeitado), o que era relevante seria o dito processo.

            Criada a atmosfera irrespirável, não assombra que repontaria um energúmeno nas hostes governamentais, que pensou fazer um serviço para o Chefe, armando a eliminação de quem lhe parecia um tão exasperante e pernicioso indivíduo.

            A morte do major Rubens Vaz e a participação de sicário da Guarda presidencial, estabelecido o mandante em Gregório Fortunato, criaria as condições para a crise política, a conspiração militar e a exigência do afastamento de Getúlio Vargas da Presidência. Com a dança macabra das traições (a começar pelo Vice Café Filho e o Ministro da Guerra Zenóbio da Costa) foram preenchidos os ulteriores detalhes para efetivar a demissão oportunista do Presidente. O sacrifício de Getúlio Dornelles Vargas não tinha sido inserido no script como suicídio. Estava computado como humilhação terminal ao presidente. Com o gesto extremo, Getúlio mostrou ao Povo quais eram os culpados e quem era a vítima. Venceu porque não trepidou em pagar o preço – mas sem concessões – de o que lhe era exigido. E com isso, mudaria o Brasil.  





Generoso aumento aos Ministros do STF?

 

              Já se comparou a inflação a muita coisa, mas a carestia – e o leitor bem sabe a quem devemos esse presente de grego – é um câncer que corrói o sistema econômico-financeiro, estimulando toda série de fenômenos negativos, dos quais o surto de greves no serviço público e nas diversas carreiras empregatícias é uma triste, lamentável e perniciosa consequência.

              O novel Presidente do Supremo Tribunal Federal vem suceder a quem sai com um alto nível de avaliação popular (o Ministro Joaquim Barbosa). Depois de entoar loas ao trabalhos dos magistrados no Brasil que por cumprirem o respectivo dever garantiriam a paz social, o presidente Lewandowski vai adiante. Prepara projeto de lei ao Congresso Nacional, com um aumento de 22% sobre a remuneração de Suas Excelências.

                R$ 35.919,00!  Ricardo Lewandowski acredita que este é o aumento da remuneração que serve de teto à remuneração de todo o funcionalismo público da União. Como a inflação ainda não está em 22% a.a., deverá haver outros motivos que justifiquem esse polpudo incremento  de R$ 6.457,00. Todo o procedimento do incremento do salário dos Ministros não durou nem cinco minutos. Á toque de caixa, a colenda assembleia aprovou o respectivo aumento, não havendo qualquer discussão sobre o assunto.

                 E, no entanto, além da pressa – que é um sinal premonitório do clima inflacionário prevalente – os Senhores Ministros terão presente que, excetuadas as alturas dos nobres dignitários,  não há registro de aumentos salariais em nove meses? E que o teto do Judiciário produz o chamado efeito cascata.

                 Aprovadas pelo Congresso Nacional as novas remunerações – e alguém duvida que tentarão reduzi-las, para poupar o Tesouro Nacional? – vão repercutir nos bolsos dos magistrados: eis que o salário de ministros  de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU) corresponde a 95% dos salários dos ministros do STF.  Por sua vez, a escadinha baixa, mas não tanto no salário de desembargadores de Tribunais de Justiça, que corresponde a 95% do valor pago a ministros de tribunais superiores.  Por sua vez, a primeira instância, a dos juízes singulares, em começo de carreira, recebe  salário 5% menor do que o pago a desembargadores.

                  Segundo consta, no entanto, da matéria de O Globo de 29 de agosto, o Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, não está satisfeito: “Não é aumento, aumento  nós nunca tivemos. É uma recomposição que reduz as nossas perdas. Não era o que nós queríamos (alega-se 32% de defasagem). A  proposta  aprovada pelo STF é aquém do que estávamos esperando. É um valor que não satisfaz.”

  

Magia ao Luar

                         

                    O último filme de Woody Allen, lançado a meados do ano, retoma um filão a que o veterano diretor americano parece demonstrar crescente pendor. Na sua filmografia, é com óbvio prazer  que ele retorna aos roaring twenties (os ruidosos vinte). Meia noite em Paris é outra película dessa década entre-guerras, na qual a fantasia está presente, o que não é o caso de Magia ao Luar.

                   Espiar nesse pacífico, alegre e despreocupado período parece vir a calhar para o diretor de Manhattan. De um exórdio da Berlim dos vinte – que se diverte com a intensidade reservada aos intermezzi felizes  - de um espetáculo de mágica do falso chinês Wei Lin Soo surge o tema do filme que é o exame pelo cético Stanley Crawford – interpretado por Colin Firth – da suposta médium Sophie (Emma Stone). A tarefa é dada pelo amigo  Howard Burkan (o ator inglês Simon McBurney).

                    A dupla corre para a Riviera, onde W. Allen nos presenteia com a radiosa atmosfera dessa costa mediterrânea, com o azul encrespado daquele antigo mar. Crawford está ansioso em desmascarar a suposta charlatã, armado de seu sólido materialismo e confiante no próprio currículo de caçador de fraudes mediúnicas.

                     A simpatia da jovem prodígio enfrenta o mau humor persistente e as seguidas contestações do caçador de embustes. A paciência de Sophie e o encanto radioso da própria juventude não abalam a princípio o arraigado ceticismo ex-officio, que na insistência da desconfiança vai beirando os limites da cortesia, senão da boa educação.

                     Como a jovem não se abala, e continua a surpreender e a desconstruir aquele que pretende ser o seu algoz, a trama vai tomando um outro rumo que, se se tiver presente o estilo de Woody Allen, que, em surpreendendo, não há de espantar muito os admiradores desse quase isolado grande diretor no pálido cenário da presente filmografia.

                    Não pretendo revelar o segredo do filme. Se a recepção da crítica pode-se considerar um tanto mista, de minha parte apreciei-lhe o estilo conhecido, com frases inteligentes e irônicas, distribuídas por cúmplices velhotas. As interpretações – notadamente de Colin Firth (lembram-se do discurso do rei ?) e de Emma Stone (esta diáfana e radiosa como um fim de tarde nas estradinhas da Riviera) – são primorosas.

                   Os filmes do quase exilado Woody, o mais europeu dos diretores nova-iorquinos, são em geral tarde ensolarada no atual pouco imaginativo panorama do cinema americano.

 

(Fontes:  Lira Neto (Getúlio 1945-1954, Cia. das Letras); O Globo; Magia ao Luar (Magic in the Moonlight), Woody Allen (2014).
 

sábado, 30 de agosto de 2014

Papai Putin bate à porta...


                                     

          É difícil determinar até que ponto o Presidente Vladimir V. Putin quer ir na sua campanha de baixa intensidade contra a Ucrânia. Como se vivesse em um mundo em que inexistisse direito internacional, em que o respeito às fronteiras constitui norma comezinha da lei das gentes, o presidente de todas as Rússias continua a agir de forma esquizofrênica, pairando em esfera que ele pensa sua, a qual em princípio deve permitir-lhe responder aos telefonemas de autoridades de vizinhos países europeus – como a Chanceler Angela Merkel - que porventura lhe peçam explicações sobre as repetidas incursões de seu exército na Ucrânia oriental.

          Com o nível de seu respeito à verdade, não semelha difícil que a gospodin Putin acudam desculpas verossímeis, que possam envolver com uma esgarçada tela as contínuas incursões de seu exército em terras ucranianas.

           No passado, existiam os chamados kremlinologistas, que eram jornalistas estudiosos do mundo soviético e, em particular, de sua instância colegial de governo. Não era, decerto, ciência exata, e muita vez as suas ilações sobre a posição e a influência dos membros do Politburo – que era a mais alta expressão do poder soviético – tinham de sustentar-se na ordem de colocação, sobre o monumento da Praça Vermelha, dos gerarcas soviéticos, na ritual assistência aos desfiles do Exército Vermelho, nas suas grandes datas.

            Na encolhida Rússia da atualidade, talvez a principal preocupação de seu Presidente, estaria na afirmação do respectivo poder internacional. Até hoje Putin guardaria rancor acerca da maneira com que se tratava o seu predecessor Boris Ieltsin, e a não suficiente deferência prestada pelo Ocidente à nova Rússia, saída do inusitado fenômeno da autodissolução da superpotência União Soviética.

           Não é de hoje que a Rússia de Putin brinca de gato e rato com os seus vizinhos menores, como foi no caso da Geórgia do Sul e da Abkazia do Sul. No entanto, George Bush Jr. sofreu na carne a passageira ilusão de que, enquanto superpotência, os Estados Unidos poderiam exercer alguma influência para impedir que o chamado modelo imperialista século XIX pudesse ser empregado impunemente por Moscou.

           Não tardou muito para que o 43º presidente americano se desse conta das tristes condições que pairam sobre os estados colindantes com o urso do Kremlin.  Já o 44º Presidente, Barack H. Obama, pode chamar a Federação Russa de potência regional – ali o jurista Obama sabe que toca em nervo à flor da pele de Putin – porque o que o antigo membro do Grupo dos Oito (dele afastado justamente pelas tropelias contra a Ucrânia)  mais anseia é voltar a ter posição similar à da extinta URSS.

            Se a Rússia é ainda o país mais extenso do planeta, a dissolução pacífica de 1992 a fez perder muito território – como as repúblicas do Báltico, e as suas vizinhas da Sibéria – mas conservou o assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a capacidade de influenciar as antigas repúblicas soviéticas.

             Se ainda por cima dispõe de considerável arsenal termonuclear, e a possibilidade de alimentar fumaças da chamada doutrina eurasiana (sob o corte do eclético alfaiate Putin, com suas pretensões de hegemonia a que servem fazendas de direita e esquerda). Esqueceu-me dizer que o braço do ex-KGB  também alcança o acrônimo BRICS...

                  Como já foi dito neste blog – e mais de uma vez – gospodin Vladimir Putin admira il Duce, aquele que inventou o Estado fascista, e que, à distância, lhe ensinou alguns truques como o do torso nu, na batalha do trigo, e o gosto tão italiano da encenação.

                  Nesse contexto, na internet tropecei em uma assertiva do presidente russo que me parece importante, na medida em que lhe desnuda o pensamento (mas também as próprias limitações).

                  Disse o Presidente: “Quero lembrar que a Rússia é uma das nações nucleares mais poderosas. Isto é a realidade e não somente palavras. Não se metam com a Rússia (don’t mess up)”.

                  Não há negar que, por tal circunstância, o presidente russo reivindica respeito. Dá a impressão, outrossim, de alguém que julga merecer mais atenção do que aquela que vem recebendo. Se não se pode duvidar do poder inerente às armas nucleares, dadas as suas implicações de destruição, na verdade esse poder é muito mais deterrente do que pro-ativo (dadas as impensáveis consequências de seu uso).  Em outras palavras, como instrumento de política esse arsenal se afigura bastante limitado em termos de uso.

                    Até o presente, o acosso da Ucrânia não tem custado demasiado à economia russa. São sabidas as limitações de sua economia. Até o momento as sanções do Ocidente podem ter incomodado Moscou, mas não são de molde a induzir o invasor russo a recuar.

                     O presidente Petro Poroshenko tem continuado a encontrar-se com quem instrumentaliza o acosso de seu país, com o provável escopo de apoderar-se de mais uma fatia de território ucraniano. Nada foi dito pelo governo de Kiev quanto a uma estratégia de reação na Ucrânia oriental e de eventual recuperação da Crimeia.

                      O Kremlin vem forçando a Ucrânia a batalhar em duas frentes, uma contra forças separatistas pró-Rússia (Donetsk e Luhansk) e a outra, em Novoazovsk, contra coluna entre quatro mil e cinco mil de militares russos.  O escopo dessa última incursão – fica a 20 km da fronteira e a sudeste de Donetsk – seria a de minorar o ataque das forças de Kiev contra o bolsão de Donetsk.

                      Caso não baste essa incursão no sul da Ucrânia, se prevê o recurso a um    exército russo com vinte mil homens na fronteira.  Nesse contexto, é importante a declaração do Secretário-Geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen: “Fique claro que tropas russas e equipamento ilegalmente atravessaram a fronteira na Ucrânia leste e sudeste. Malgrado os desmentidos sem consistência,  a real intenção é desestabilizar a Ucrânia como país independente e soberano.”

                       Pode-se dizer que a Ucrânia está sendo ‘castigada’ pelo atrevimento de escorraçar o quisling Viktor Yanukovych – que cancelara a assinatura do pacto com a União Europeia – através da revolta da Praça Maidan.  Como o escopo do então presidente ucraniano era fazer a Ucrania parte da União Aduaneira Russa,  a agressão sistemática contra a Ucrânia, nas suas províncias orientais, faz parte de um programa de desestabilização desse país, com o escopo de transformá-lo em algo similar à Bielo-Rússia.

( Fonte:  CNN )

                        

Dilma desmorona ?

                                         

        Notícias ruins nunca vem sozinhas, como reza a sabedoria popular.  No caso de Dilma Rousseff isso é mais do que compreensível.

        A grande gerente – no dizer de Lula da Silva – se fosse empreendedora privada, já teria falido, pela sua má-gestão da economia, e por uma série de escolhas insensatas.

        Além de ter trazido a inflação de volta – talvez o seu maior equívoco, dentre os erros garrafais com que nos tem mimoseado – a gerentona mostraria em relativamente pouco tempo o quão ilusório e mau-caráter tinha sido o famoso elogio do Líder Máximo.

        Segundo a fonte – que é das melhores – além de enveredar no que chamaríamos de propaganda enganosa, ele o fez, não por gesto de desprendimento, mas com o intuito de vender gato por lebre. Malgrado as advertências recebidas – e não teriam sido de má fonte – o ex-torneiro mecânico decidiu ir em frente, para guardar a carta junto ao peito de possível decisão de, em último caso, entrar ele na refrega.

        Tais espertas cautelas muita vez as levam, as águas do futuro. Como terá determinado, para seu desaponto, quem se intitula Nosso Guia, a astúcia em demasia pode às vezes sair pela culatra.

        Vejam só, ilustres passageiros do bonde Brasil, a peça que pregou o Destino. Lula da Silva, o estadista, apesar de todas as precauções – e, convenhamos, ele as tomou e muitas – ora vê afundar sua candidata de algibeira – cujo pregresso lançamento funcionara à maravilha para a eleição de 2010, desbaratando pela sagrada aliança do caudilhismo com a sólida ignorância, as hostes do então candidato tucano, José Serra, quiçá o brasileiro mais bem preparado para assumir a presidência da república.

         Convenhamos que dona Dilma exagera na sua bagagem de malogros. A economia continua a encolher, e a recessão está aí. Contra a cidadela petista, convergem muitos erros (inflação, gestão ruinosa, encolhimento do PIB, inchação da máquina, excesso de malfeitos – que é apenas o roto disfarce da corrupção,etc.).

          Por isso, o congresso das más notícias não acontece por acaso: enquanto se noticia o encolhimento da economia e a velha recessão, vêm as pesquisas bater nos pregos de um caixão ainda aberto: além de empatar com Dilma no primeiro turno, com 34% dos votos, Marina a ultrapassaria no segundo turno, com dez pontos de vantagem.

          Em tertius, assiste de longe o patético Aécio Neves. Depois de negar, em três campanhas seguidas, qualquer mãozinha aos companheiros tucanos de São Paulo, o neto de Tancredo Neves (que, pelo visto, dele herdou apenas a ambição, mas não a visão política e o bom-senso) se vê consignado à rabeira da eleição.

          O já-ganhou, esse nefário personagem – que reponta por esses brasis afora – é a grande ameaça para Marina Silva. Chegando tão alto, e com tantas risonhas perspectivas,  todo o cuidado será pouco.

           No mar de encômios e abraços que a sauda, ela deve seguir o conselho do jacaré. Nadar com prudência e de costas, semelha mandatório.

(Fontes:  O  Globo, Folha de S. Paulo)

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Assustada Direita Esquerdista

                                        

         O  crescimento de Marina começa a assustar esquerda e direita.  É o que se vê em vários de seus corifeus, que, para ajudar na reanimação dos próprios candidatos, correm solícitos a gavetas, socavões e até latas de lixo, na busca de tópicos e questões que possam trazer água ao moinho pelo qual antes nutriam tantas ardentes esperanças.

         Lula, que tanto fez para inviabilizar a candidatura de Marina, morde o pó de uma inesperada fatalidade. Muito engenho e arte nem sempre alcançam o escopo desejado.

         A sua candidata, a que preferiu não desalojar, não tem muito o que mostrar, com a inchação persistente da inflação, a estagnação da economia e a desordem imposta como regra. O grande mágico pensa tudo remediar com a sua voz rouca e as alianças com os coronéis, a que antes combatera. O atual premente perigo força a união.

         Eis que nessa hora, em que a verdade da vontade do Povo se alevanta, ele e suas criaturas correm como baratas tontas. E de longe e de perto se forma a consciência de que o líder máximo, seus coronéis e prepostos são todos farinhas do mesmo saco. E as mágicas e as maldades já não surtem efeito.

         Pois se acerca a hora da verdade e da cobrança de contas. A velha urna se alevanta como espectro de ameaças temidas e até hoje, a custo, à distância mantidas.

         Fazedor de postes, aquele que acredita pairar acima dos elementos e da fortuna madrasta, contempla desfazer-se o seu castelo.

         O processo é lento, mas ganha a temida força acrescida, que vem de muitas maldades padecidas, muitas mentiras a circularem com foros de verdade, e o espetáculo dos coronéis encimado e manipulado por quem acreditara valer-se dos meios do entorno, sem pagar o preço das aspirações e expectativas de um Povo ludibriado.

        É nervoso, por vezes patético, esse despertar da direita, que no doce embalo das balelas do Líder Máximo, se acreditava a salvo dos programados encontros com o Povo soberano.

        Ele também pensava que mal ou bem lograria inventar mais um falso combate para que dele surgisse uma vez mais a sua hoje bem-nutrida campeã, a acenar frenética com os novos velhos ouropéis do populismo lulista.

        Pois que é disso que se trata. Dos recursos do Povo se forjarão os mecanismos para eternizar o predomínio do Partido. A este todas as honras serão dadas, esquecendo-se a básica premissa: do Povo sairão os meios para enganá-lo. Em demagógica demência se pensa eternizar um instrumento de submissão a partido, a cujos corifeus se distribuirão os louros e para sempre.

        É a velha cantilena que terá parecido persuasiva e aliciante para o operário da política, mas que, como todo ludibrio, traz dentro dela o germen do próprio desfazimento.

        É terrível quando soa a hora da prestação de contas. Não aquela de que se encarregam os contadores de sempre, mas uma outra, de muito alarido, de tentativas desordenadas e de comoventes auxílios, que caem aos pés do Líder Máximo e de sua Criatura em comovente derradeira prestação de serviços.

       Essa prestação de contas, no entanto, difere das usuais, a que se costuma delegar aos solícitos de sempre.

       Esta é outra, e anuncia mudanças terríveis para a grei do Líder Máximo. A eles cabe o transe cruel de assistirem impotentes à formação de uma Situaçâo Nova.

        A eles todos um castigo se avizinha que na sua húbris coletiva não pensavam merecer:    a  perda do poder ! Haverá castigo pior para quem dele se locupleta há doze anos ?      

 

(Fontes  subsidiárias:  O Globo, Folha de S. Paulo )

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

As estrepolias do Urso


                           

          É difícil conceber que as sistemáticas invasões pela Federação Russa do território ucraniano se tenham  transformado em fait divers internacional. Seria uma espécie de contravenção além fronteiras, vista com aparente indiferença pela comunidade das nações, dada a sua contínua e impune repetição pelo Presidente Vladimir V. Putin.

         Nesse conflito não-declarado entre dois países pertencentes à antiga União Soviética, as fronteiras da Ucrânia são transpostas por Moscou com total menosprezo pela soberania de Kiev, cujos limites viraram motivo de anedota.

         Como assinalam os dados da OTAN, Putin vem menoscabando a independência do território da Ucrânia com crescente desenvoltura.

          Será a Ucrânia um país tão sem espinha e brio, que o seu Chefe de Estado, Petro O. Poroshenko continue a encontrar-se com gospodin Putin como se nada fora?

         O avanço do exército ucraniano e os bombardeios das duas áreas vinham aumentando a possibilidade de que tais bolsões viessem a ser dominados e recuperados pelas forças de Kiev.

        Sem embargo,  depois de insuflar a rebelião na região oriental ucraniana, em que predomina a fala russa, há cerca de cinco meses, o Kremlin não admite perder a face com uma eventual derrota dos separatistas pró-Rússia, nas regiões de Donetsk, grande polo industrial da Ucrânia, e de Luhansk, esta mais ao norte.

           Nesse sentido, Moscou, em movimentos além de suas fronteiras, tem posicionado destacamentos dentro da terra ucraniana, para através de artilharia socorrer os rebeldes cercados em Donetsk. A tentativa seria, nesse caso, de abrir um corredor para a fronteira russa.

            Ainda nos combates em torno de Luhansk (norte-oriental), a artilharia russa age para enfraquecer a investida contra essa cidade pelo exército ucraniano.

            O exército russo intervém com dois objetivos: conter o avanço ucraniano, assim como reforçar a posição russa. Outro objetivo provável dos invasores é abrir ligação por terra com a Crimeia, que, como se sabe, foi anexada em março pela Rússia. O sucesso desta operação, feita à revelia do direito internacional público e do princípio de pacta sunt servanda, além da chocha reação do Ocidente e das Nações Unidas (inclusive em termos de sanções da U.E. e de Washington) constituiu não-pequeno sinalizador para o Presidente Putin que a porteira estava aberta.

             Posto que haja soldados russos feitos prisioneiro pelas forças ucranianas, a capacidade de reação do militar de Kiev, tanto por falta de treinamento, quanto por armamento deficiente vem igualmente facilitando a desenvoltura das ações russas. Por outro lado, para o soldado ucraniano, uma coisa é enfrentar as milícias rebeldes separatistas, e outra bem diferente é deparar-se com o exército russo.

             A Chanceler Angela Merkel, da Alemanha – que mantém com o Presidente Putin relacionamento dito cordial – telefonou para o Senhor do Kremlin para “pedir explicações”.  Seria interessante saber como gospodin Putin terá ‘explicado’ o ingresso da coluna blindada russa no lugarejo de Amvrosiyivka, a sul de Donetsk, assim como o envio de outra coluna blindada para a cidade costeira de Mariupol, que dista bastante dos combates ao redor de Luhansk e Donetsk, e cujo escopo presumível seria o de desviar forças ucranianas dos fronts de Donetsk e Luhansky para a distante Mariupol, no litoral do Mar Negro.    

 

( Fonte:  The New York Times )

Pinga Fogo


                                                  

‘Entrevista’ da Candidata Marina

 
        Os dois apresentadores do Jornal Nacional têm marcado as suas ‘entrevistas’ com os candidatos à presidência – até o Pastor Everaldo (PSC) foi incluído – com carregadas doses de ‘pro-ativismo’.  As entrevistas passaram para arguições, como se William Bonner e Patrícia Poeta vestissem a negra indumentária dos promotores públicos.

        É importante, decerto, que o público tome ciência dos diversos tópicos de interesse, mas a entrevista não pode virar pretexto para dar um outro viés às perguntas dos jornalistas. Se a informação é importante, as questões devem ser formuladas no respeito ao candidato ou candidata. Ele está ali para responder sobre assuntos do interesse geral. A entrevista deve ser equilibrada, e não dedicada a uma série de acusações ou insinuações  quem se apresenta na postulação do mais alto cargo da República.  O respeito aos fatos mas também ao interlocutor deve presidir à solicitação de informações e comentários.

         Desde a sessão com o saudoso Eduardo Campos se inseriu na entrevista um tom que privilegiava, por vezes, a inquisição. Essa postura não se modificou nas sessões seguintes,  que se caracterizaram por doses elevadas de censuras embutidas, como se o(a) candidato(a) deve-se mais explicar-se de supostos erros, do que apresentar as suas propostas de campanha.

         Nesse contexto, a apresentação da candidata Marina Silva (PSB) foi submetida a muitas perguntas em que se duvidava de seus propósitos, ou em que se insinuava uma tendência à contradição. Nesse sentido, Marina deu respostas firmes, negando haver contradição com a sua candidatura a circunstância de que o seu vice Beto Albuquerque tenha sido apoiado por fabricantes de armas. Considerou, outrossim, uma lenda dizer que é contra transgênicos.

          Marina respondeu de forma firme aos quesitos. A informação para o telespectador é decerto relevante, mas não se deve assumir um viés acusatório e até mesmo irônico, como se a tendência o ocultar fosse a característica marcante do(a) convidado(a).  Posturas inquisitórias, carregadas de insinuações acusatórias, deveriam ser evitadas.  Todos os três principais candidatos fazem jus a respeito. Ninguém chega a esse patamar por acaso.

           Seria interessante que os apresentadores do JN assistissem a entrevistas feitas pelos locutores da PBS, a tevê pública americana. Nenhum detalhe que deva ser do conhecimento é omitido,  mas preside às perguntas o indispensável respeito a candidato ou candidata.

 

Estranho Almoço

 

          A Candidata Dilma Rousseff apareceu ontem em um restaurante popular que serve os almoços a um real, marca registrada do candidato Garotinho. Segundo O Globo, quatro fiscais do TRE acompanharam a visita ao restaurante, que durou cerca de quarenta minutos. Eles filmaram o encontro, enquanto Dilma e Garotinho almoçavam.

           O candidato Garotinho (PR) lidera as pesquisas com 28% das intenções de voto, Pezão (PMDB) segue com 18%, Crivella (PRB) com 16%, e Lindbergh (PT) com 12%. Apesar de que este último tenha o apoio de Lula, Dilma comparece ao restaurante de Garotinho. A Presidenta parece estar muito precisada de sufrágios, para ir a um restaurante popular de Garotinho, o que levanta a questão do apoio da mandatária a quem se apresenta como o principal adversário de Pezão – que é o único candidato a defender de forma clara a continuação das UPPs.

           Com o seu jeito meio discutível de governar, Garotinho e suas práticas populistas não dá nenhuma indicação de que continuará a prestigiar a filosofia do Secretário de Segurança José Mariano Beltrame em favor das UPPs. Um retrocesso nesta política traria de volta a cidade partida de Zuenir Ventura. Já se vê um recrudescimento do tráfico e da milícia, inclusive com exigências a candidatos para adentrarem áreas que ainda estariam sob o seu domínio.

            Dona Dilma terá tido isto presente ao comparecer ao demagógico restaurante popular de Garotinho? Ou será que está chegando a hora da onça beber água, quando vaca desconhece até bezerro ?  

 

( Fontes:  O  Globo, Rede Globo )          

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Marina: pesquisa e debate

                                     

         O primeiro debate dos presidenciáveis foi realizado ontem à noite pela Rede Bandeirantes.  Sete candidatos participaram. Além dos três principais – Marina, Dilma e Aécio – quatro dos chamados nanicos: Luciana Genro (PSOL), Pastor Everaldo (PSC), Eduardo Jorge (PV) e Levy Fidelis (PRTB) também foram chamados. Dentre esses quatro, o que deu a melhor impressão – e de longe – foi Eduardo Jorge.

        Para um telespectador ignaro das últimas pesquisas Ibope, ter-se-ía a impressão de que tudo continuava na mesma. No entanto, o quadro se alterou drasticamente depois da morte de Eduardo Campos e sua substituição por Marina. No primeiro turno, ela tem 29% das intenções de voto contra 34% de Dilma e 19 % de Aécio. Já no segundo turno, a candidata do PSB venceria com facilidade à Presidenta (45% a 36%).

       Como se previa, o candidato do PSDB é o que mais sofre com o ingresso de Marina.

       Esse crescimento da candidata do PSB/Rede Sustentabilidade já tem provocado análises contrárias e críticas de parte de colunistas simpáticos, seja à Dilma, seja ao candidato tucano.

       O analista eleitoral Merval Pereira aponta a verdadeira ‘limpa’ feita por Marina nas intenções de voto. No seu entender, sobrou até para o nanico Pastor Everaldo, entre 3% e 4% . Com o fenômeno Marina, Everaldo perdeu muito de seu pequeno cacife. Nas perdas e danos dos dois candidatos dianteiros, Dilma e Aécio perderam quatro pontos cada. Também os nulos ou em branco caíram seis pontos; e os indecisos, mais três.

       No debate de ontem, no entanto, se Aécio dirigiu críticas à candidata do PSB, ainda não se observou  o intuito de singularizar ataques à concorrente, em função de seu avanço nas pesquisas.

       Dentre os nanicos, Luciana Genro aproveitou para atacar a trinca da frente: se disse expulsa do PT pela “turma do ex-ministro José Dirceu”,  e quanto a Marina , que se vende como terceira via, mas tem banqueira tradicional na sua campanha (Neca Setúbal).

        Nos próximos debates das redes de tevê, tanto Dilma, quanto Aécio deverão tentar desconstrui-la. Como aponta Merval, Dilma montara “toda sua campanha eleitoral no contraponto com o PSDB, tentando diluir seus fracassos nos doze anos de governos petistas.  Por sua vez, Aécio Neves preparou-se para discutir os quatro anos de Dilma”. Visava apresentar-se como o meio seguro para pôr fim ao poder do PT.

        Como se sabe, a decisão do TSE – com o único voto contrário do Ministro Gilmar Mendes – denegara à Marina autorização para a Rede Sustentabilidade. O futuro, que a Deus pertence, iria, no entanto, alterar de forma imprevisível a constelação de forças.

        Dessarte, de novo, na curva do caminho, apareceu Marina, desfazendo o cenário que seria o preferido do líder máximo da constelação petista, Lula da Silva. Para Merval Pereira a marca do novo, que traz Marina, seria “fantasiosa”, pois está na política há muito tempo (vereadora, senadora, ministra de Estado) e ‘prepara sua Rede para mais adiante’.

         Para o analista Merval, desconstruir Marina será tarefa árdua para Dilma e Aécio. Tal se deve à circunstância de que se manteve fiel a seus princípios éticos na política, a ponto de transmitir a impressão a seus seguidores de que ela nunca esteve envolvida na política tradicional, que rejeita.  Antevê, por isso, que seria difícil para eles (Dilma e Aécio) desconstruir-lhe a  imagem.

           Merval Pereira, portanto, - e decerto outros analistas, interessados ou não – não semelha descartar a priori a possibilidade de que tal empresa, posto que árdua, seja acaso impossível.

           O observador político não poderá excluir tal possibilidade. Não há muito tempo, no entanto, para uma dramática reviravolta. Ela se choca, decerto, com as qualidades oratórias de Marina e a sua experiência. No debate de ontem, foi a que melhor impressionou, cometendo apenas um deslize (no que tange a Aecio Neves ela se referiu de forma crítica às condições da área de Jequitinhona, que é, por assim dizer, o Nordeste em Minas).

            Não é prudente contestar a um ex-governador de Minas particulares que devem ser de seu amplo conhecimento. De qualquer forma, como tornou a mostrar ontem à satisfação, Marina discorre de hábito nessas justas políticas com facilidade, clareza e segurança. Dos três para valer, foi quem melhor impressionou como oradora. Aécio Neves não lhe fica muito atrás. Quanto à Presidenta vem, dentro do possível, melhorando. Para Marina,  o episódio de ontem – no percalço acima referido, decerto menor – toca uma campaínha. É melhor não embarafustar-se em mata alheia, se não a conhece bem.

 

(Fontes: Rede Bandeirantes,  O  Globo)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Dois Desafios

                                                 

Ucrânia

               O Presidente Petro Poroshenko encontrou-se em Belarus com o Presidente Vladimir Putin. Ao partir de Kiev, o novel mandatário ucraniano não podia estar muito otimista quanto às possibilidades de uma verdadeira paz com Moscou. Pois, na verdade, disso se tratava.

               A onda separatista na região oriental, de fala russa, na Ucrânia surgira após a queda de Viktor Yanukovych, derrubado pelas manifestações da praça Maidan. O protesto e o descontentamento generalizado com o corrupto Yanukovych não se deveu à manifesta desonestidade do então presidente, mas à sua abrupta mudança de orientação, com o fechamento da opção ocidental com a União Européia, e a anticlimática  ‘escolha’ da União Aduaneira com a Rússia.

              O povo ucraniano acreditara em um acordo com Bruxelas, que lhe abrisse as portas do Ocidente. Dos resultados dessa opção, bastava à Ucrânia pautar-se pelo ingresso da vizinha Polônia na U.E., e os seus resultados, para que o recuo de Viktor Yanukovych fosse visto pelo que, na verdade, representara, mais uma rendição aos ditames de Moscou. 

               As duas agressões da Rússia contra a Ucrânia – a anexação da Crimeia e o movimento separatista pró-Moscou – foram produzidas pelo mesmo evento: a queda de Yanukovych e o consequente fechamento da falsa opção russa.

               O homem forte Vladimir Putin – como os seus modelos, dos quais Benito Mussolini é o mais copiado – não gosta de ser contrariado. A sua irritação tenderá a ser maior se algum país do entorno da Federação Russa ousar afrontá-lo em alguma opção que venha no futuro a fortalecer o candidato a trânsfuga. Nada pior para Putin e seus largos domínios do que uma nação na sua cercania com perspectivas pró-ativas de progresso e desenvolvimento.

                Para lidar com esse desafio de Kiev, não terá surgido opção melhor de o que o seu enfraquecimento, seja através da reconquista da Crimeia, seja pelo fomento do dissídio do leste de fala russa com o oeste pró-ocidental da Ucrânia.

                Por esses motivos, semelha óbvio que conversar ou parlamentar com o presidente Vladimir V. Putin é, nesse contexto,  perda de tempo. O que Pòroshenko ouvirá do senhor de todas as Rússias, e os seus eventuais votos de respeitar a soberania ucraniana, terão um valor tendente a zero. Basta repassar as promessas pretéritas, por ele formuladas, ou por seus auxiliares, como o seu ministro Sergei Lavrov.

                 A Ucrânia terá que investir em seu povo, lutar para erradicar a praga da corrupção, e armar-se adequadamente. Não há melhor maneira de preparar a paz, de o que criar condições para que seus inimigos se dêem conta de que nada lograrão fomentando a discórdia e os passados rancores. A Putin, só se deve pedir ajuda e quartel quando a nação será forte bastante para deles não mais carecer.

 

A Síria de Assad:  a mãe de todas as rebeliões


                Quando se projetou nas telas de todas as mídias a bárbara decapitação do jornalista americano James Foley, talvez tenha escapado a maior ironia daquela trágica encenação.

                No fértil território da rebelião, a princípio liberal e democrática, do povo sírio contra a ditadura dos Assad, ora tem crescido plantas e inços que só poderiam ter ali surgido pelo virtual abandono do movimento da Liga Rebelde.

                Por uma decisão da Casa Branca – que contrariou recomendação das então quatro principais autoridades da primeira Administração Barack Obama no que concerne à segurança – esse Liga Rebelde foi deixada à míngua de recursos.

                Por tal grande recusa, a causa da opressão teve as velas pandas. O ditador, que parecera encaminhar-se na ladeira do Sunset Boulevard,  recebeu a notícia para ele alvissareira, de que os seus fornecedores – a Rússia de Putin, o Irã do Ayatollah Khamenei, e seus prepostos – disporiam da segurança de que a Liga teria apenas a assistência inconstante das monarquias do Golfo.

                Para reforçar a resistência ao alauíta (e portanto próximo da variante xiita) Bashar al-Assad,  terá pensado em uma reedição da luta afegã, com o surgimento de novas versões da dissensão sunita.

                 Foi o que se viu naquela velha terra da passagem. A al-Qaida se fez representar pela al-Nusra, que é uma sub-espécie do movimento de Osama ben Laden.

                 Nesse embate de contrastes, a ajuda que veio do Reino Unido não foi exatamente aquela computada pelos chefes das agências de segurança nacional da superpotência.  A caricatura do ISIS – que se prefigura como um dos espantalhos da pós-modernidade – tem recebido o aporte de emigrantes da velha Inglaterra, que, no entanto, diferem da imagem pacífica dos súditos de Sua Majestade.  Para a decapitação do pobre Foley – que caíra nas malhas do radicalismo islâmico talvez por acreditar que a coragem é o melhor passaporte para informar dessa nova e deprimente frente do atraso -  a ironia de sua morte nas mãos de um suposto súdito britânico se transforma em agressivo escárnio do mínimo respeito ao ser humano.

                 Estaremos de volta aos tempos da investida árabe sobre o Ocidente, quando aos cristãos, para escapar da cimitarra, somente existia a estreita porta da conversão in extremis?

                 As autoridades britânicas acenam com a possibilidade de desvendar quem é o autor encapuçado de mais este acinte ao que resta de princípios humanitários e de comezinho respeito ao ser humano. Na verdade, pelas suas inflexões já se lhe conhece a origem. Acrescentar nome e prenome não me parece de grande importância. Por que a acusação principal – a de ser o criadouro dessa bestialidade – já está firmada.

                 Assim como no tardo Império Romano – quando os seus limes não mais impediam o estabelecimento de populações contrárias ao ethos da Roma imperial – os perigos mais temíveis poderiam vir de suas províncias, seria de grande interesse determinar-se as causas de que movimentos de tamanha intolerância possam surgir no país da Magna Carta.

 
(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, CNN)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A Gerentona Dilma

                                            
 

          Lula, que carecia de apoio administrativo para governar, apresentou  Dilma Rousseff como espécie de primeiro ministro, fazendo passar as suas funções de chefe de gabinete à conta de gerentona das diversas pastas.

          Que o líder do Partido dos Trabalhadores careceu de ajuda nesse capítulo, não é segredo para ninguém. Hão de recordar-se que no seu discurso de despedida das funções de Chefe da Casa Civil, José Dirceu, já ferido pelo escândalo do Mensalão, timbrou em lembrar o “meu Governo”, assim mesmo no possessivo, como se Lula fosse o chefe de estado e ele, enquanto Primeiro Ministro, ‘o chefe do Governo’.

          Ao cuidar da própria sucessão, uma vez abandonada a veleidade inconstitucional de pleitear um terceiro mandato,  Lula resolveu apresentar ao eleitorado o seu Primeiro Poste.

         Malgrado expoentes partidários hajam tentado dissuadi-lo – dos pormenores da indicação a fonte é Ricardo Noblat – o então presidente fez ouvidos de mercador e persistiu no respectivo propósito, elevando na prática o trabalho de Dilma Rousseff à conta de primeira ministra,  como se a sua chefa da Casa Civil fosse a gerentona do Brasil.

         Que desígnios tinha o líder do PT em lograr que ‘a mulher do Lula’ se tornasse a primeira presidente do Brasil – mas não a primeira chefe de Estado, que o apanágio, embora a título interino, cabe à  Princesa Isabel – só nos resta especular. E apenas o eleitorado brasileiro ratificaria uma tal escolha, preterindo a quem dispunha de folha corrida e experiência política muito superior à indicação presidencial.

         Os resultados desse pistolão presidencial estão aí. A suposta ‘gerentona’ de Lula mostrou a sua capacidade de enfrentar problemas quando, em plena crise das passeatas de junho de 2013, ela correu para São Paulo, na busca de indicações que lhe faltavam  do Líder Máximo, para orientar-se no que fazer, para enfrentar o desafio do generalizado descontentamento.

          Também em termos de economia e finanças, a ficha corrida deixa a desejar e muito. Trouxe, de forma irresponsável, a inflação de volta, atacando, inclusive, os fundamentos do Plano Real, tratando essa conquista nacional como se fosse obra de partido. Nesse contexto infeliz, também se insere a investida contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

           Até  dá para entender. Quem trata as finanças públicas com as dúbias poções da contabilidade fiscal criativa, e quem, com as suas erráticas iniciativas, lança a confusão no empresariado e condena a economia, sob a gerência de medíocres, a uma sucessão de taxas que nos colocam na área cinzenta dos prognósticos.

            Dilma pensa saber tudo e a sua falta de sentido crítico se reflete em todas as áreas da Administração. Montando um ministério que, apesar de nulidade nos inchados números, representa um peso inútil para o Erário, enquanto se pensa assegurar maioria no Congresso.

            Mesmo em pastas de interesse nacional – e aqui falo de carreiras de Estado – Dilma de forma mais do que questionável corta as dotações de ministérios como o Itamaraty – V. denúncia de Alexandre Vidal  Porto e o meu blog Colcha de Retalhos B 33  - a ponto de lhe cortar drasticamente as verbas até o ridículo 0,16% do Orçamento da União. Não é só pendurar contas das missões diplomáticas, mas também afeta a participação em reuniões internacionais de nosso interesse, além do pagamento das contribuições compulsórias das organizações internacionais, com as da família das Nações Unidas. Ao reduzir o Itamaraty a 0,45% do orçamento a Presidenta se transforma na coveira de nossa política externa.

             Antes da surpresa dos cartórios do ABC paulista, e a negação do registro pelo TSE, já assessoravam Marina grandes nomes, e não só das finanças e da economia. Os desígnios insondáveis da Providência divina cuidaram de trazê-la de novo à primeira linha da política nacional.

             Marina não pretende tudo saber, nem dar opinião sobre tudo. Se eleita, não postula a reeleição. Já é um princípio saudável e ainda mais se contribuir para nos livrar do flagelo da reeleição no Brasil que ora multiplica a corrupção em todos os níveis da administração. 

             O bom político não sabe de tudo. Deixa as intricâncias da administração e das finanças ao parecer da gente do ramo. Porque a conhecem, e sabem do próprio discernimento a ela acorrem pessoas com experiência nos respectivos campos, que com a própria fé de ofício, competência e honestidade oferecem a eventual Presidente conselhos avisados, que estão sujeitos ao crivo do discernimento da autoridade máxima.

             Não carecemos de gerentonas e similares. Precisamos de autoridades políticas que ouçam os pareceres de seus assessores e decidam em consequência. Sem gritos nem improvisações, por favor.

 

( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo )


domingo, 24 de agosto de 2014

Lembranças de um Menino


                                           

          Menino ainda acompanhou acontecimentos que, mal sabia, marcariam o fim de longa existência política. Ao acordar na manhã de 24 de agosto ignorava a mudança radical que o ato extremo provocaria.

          Em agosto, após o atentado que vitimou o Major Rubem Florentino Vaz, a impopularidade do Presidente Getúlio Vargas que o cercava por toda a parte, das ruas até o Jockey Club, onde a previsível vaia seria sufocada por uma banda colocada ao pé da tribuna, não o surpreendeu, pois já se acostumara às vozes da oposição, cada vez mais alçadas e agudas a perseguirem, implacáveis, o Chefe da Nação.

         A imprensa, em todos os seus diapasões, fustigava Getúlio. Havia para todos os gostos: da estridência da Tribuna da Imprensa aos artigos de primeira página do vespertino O Globo, em que o companheiro de lutas João Neves da Fontoura, modulava noutro tom, em que com as atenções de estilo avançava um discurso que não era favorável ao velho conterrâneo.

         Com exceção da Última Hora, que defendia o Presidente, não se divisavam muitos partidários de Getúlio. Na própria televisão, dominava Lacerda e sua grei, com as exigências e incriminações a crescerem no compasso dos dias.

         Na noite de 23 para 24 de agosto, ele soube da reunião ministerial no Palácio do Catete.

         Concluída de madrugada, o rumor correu de que o Presidente aceitara tirar uma licença.

         A arrogância da Aeronáutica e o surdo apoio do Exército fazia correr na boca do povo, que não era para valer. Ele se licencia sim, mas não volta.

         De repente, no entanto, muda a chacota das ruas.

         É que no quarto do Presidente, de repente, um tiro de revólver ecoou.

         Como? Então o Presidente se matou?

         E não tardou muito para que a poeira baixasse. Emudece a estridência dos inimigos, militares e paisanos.

         Faz-se o vácuo da surpresa, a que sucede a dor do arrependimento.

         Acossado pelas campanhas e calúnias, ele se matou ?!

         E o mar dos impropérios recua.

         A notícia se espalha. E a conscientização, também.

         Outra gente aparece, e em muito maior número. O seu luto, será misturado a princípio, com um sentimento de culpa – por que deixamos que as coisas ficassem assim, e não aparecemos para dar-lhe o nosso apoio ?

           Mas a raiva se alimenta da realização embora tardia de quem estava certo, e merecia apoio, e não o recebeu.

           As aglomerações se transformam em multidões e em certos casos em turbas com sede de retribuição. São os empastelamentos de jornais, e as tentativas que falham, mas deixam a marca.

          Nas ruas, praças e logradouros a turba enraivecida e enojada se transforma em  Povo. Dir-se-ia um rio, imensa caudal  a portar nos seus ombros, o gigante morto, em impressionante cortejo sem ouropéis nem luxo, mas com majestosa dignidade, de que o menino só veria algo similar decênios mais tarde, em outro enterro nos ombros do Povão, o de JK, em Brasília, nas barbas da ditadura militar, no chamado Eixo Monumental.

           São impressões de um filme de que o menino ignorava ser personagem. 

            Na tarde de 24 de agosto, entra na fila de banca de jornal para comprar a edição extra de O Globo.  Na sua frente, dois homens jovens, com vestes melhores, conversam. Para o menino, são universitários.

            “Parece que deixou carta-testamento.”

            “É. Dizem que é apócrifa...”

             O menino ignora o termo. Chegando em casa, irá procurá-lo no dicionário.