terça-feira, 1 de outubro de 2013

Eleições intermediárias nos EUA

                            

           A veterana politóloga Elizabeth Drew nos brinda neste número de outono da New York Review com um seminal artigo – a que já me referi, en passant, no blog – e que peço licença para resumir em seus aspectos mais relevantes.
          O corpo eleitoral estadunidense tem o hábito de não dar importância às eleições intermediárias – aquelas em que não há eleição presidencial. Isso tem muitas consequências negativas.
          Apesar de menosprezadas, cada eleição intermediária renova a totalidade da Casa de Representantes, várias governanças estaduais e um terço do Senado Federal.
          Nos últimos dez pleitos, as eleições presidenciais atraíram entre 51.7% e 61.6% dos votantes. Por sua vez, as intermediárias oscilam na faixa mais alta dos 30%. Quando prevalece a oposição, em geral há comparecimento maior dos eleitores: em 1994, com o Contrato com a América o GOP arrebatou a maioria dos democratas (votaram 41.1); em 2010, na famigerada tunda compareceu 41.6 do eleitorado. Foi nessa eleição, que os republicanos recuperaram a maioria na Câmara, até hoje por eles mantida.  Por sua vez, com um Bush júnior enfraquecido, e no segundo mandato (2006), os democratas se apoderaram de Senado e Câmara. Naquele ano o comparecimento foi de 40.4%, e tal se refletiu também nas governanças estaduais.
            É importante notar que os resultados das midterm elections dependem das principais questões e da qualidade dos candidatos, mas no entender de E.Drew o afluxo às urnas (turnout) é quase sempre decisivo.
            Na eleição de 2010 – que foi desastrosa para Obama e o Partido Democrata – os republicanos estavam exasperados com a nova Lei da Assistência Sanitária e o sovado bordão do governo gastador, em especial a Lei de Estímulo (tão mal falada e tão importante para relançar a economia) – e por isso foram às urnas em maior número que os democratas. Na citada eleição, o GOP ganhou 63 cadeiras na Câmara e passou a controlar as governanças e as assembleias em doze estados. Por sua vez, o controle dos democratas sobre as assembleias diminuiu bastante, com relação de forças somente comparável a 1946 (um ano após a morte de FDR, e com a baixa popularidade do vice Harry Truman).
             De acordo com a análise de E.Drew, esta eleição intermediária é a principal responsável pela paralisia no Congresso e o extremismo prevalente nos republicanos da Casa – de que é exemplo a irresponsabilidade hodierna de provocar o fechamento das principais atividades do Estado, e aponta para a insânia do default (calote) nas contas americanas, se o GOP não autorizar a elevação do teto da dívida.  
             Consoante demonstra E. Drew no seu artigo, a atual disfunção política tem sua origem nos Estados. O total controle do GOP se estende a 24 estados (quase a metade desses resulta da eleição de 2010). Por sua vez, os Democratas controlam catorze estados. Dentre os estados dominados pelo GOP, estão os mais populosos (excetuados California e New York). Há uma coordenação nacional da agenda regressiva implementada pelo GOP nos estados. Tal se verifica tanto no aspecto econômico, quanto em política social truculenta (favorecimento dos ricos, redução das conquistas das mulheres, a começar pelo aborto).
               Dessarte, com a falta de interesse e sobretudo de empenho nas eleições intermediárias, sobreveio em muitos estados o sistema político mais polarizado na história moderna estadunidense. Essas políticas estaduais estão divorciadas por inteiro de o que acontece no plano federal, e em alguns casos isso se estende à lei e à Constituição.
               Para E. Drew, o pleito de 2010 foi o evento mais importante que levou ao domínio pela extrema direita da Casa de Representantes. Tal não aconteceu por acaso. A recessão (causada, é bom lembrar, pelo governo Bush), e o ‘aparecimento’ do Tea Party[1], com a sua agitação e demonização do Obamacare,- a nova Lei de Assistência Sanitária Custeável (ACA), aprovada pelo Congresso sem um voto sequer do GOP – tudo isso energizou os republicanos e os ditos ‘independentes’ para darem este presente de grego para a democracia americana.
               O relativo autismo de Barack Obama neste primeiro biênio – de que o livro Homens de Confiança, de Ron Suskind, é o relato mais abrangente – também contribuíu para o dito shellacking (tunda), nas próprias palavras do 44º presidente. Para que se tenha idéia do landslide (avalanche) eleitoral, além de abocanhar a maioria na Casa de Representantes, o GOP passou a controlar doze estados adicionais, inclusive Ohio, Florida, Wisconsin, Pennsylvania e Michigan.
               As eleições gerais expuseram diversos fatos, a começar pela não-representatividade da Casa de Representantes. Em 2012 – quando Obama foi reeleito – os democratas obtiveram mais l,7 milhão de sufrágios que os republicanos, mas essa diferença lhes deu só oito cadeiras adicionais. A esse propósito, Drew assinala que esta foi a maior discrepância entre votos e a divisão na Casa desde 1950. Trocando em miúdos: Obama obteve 51,1% do voto popular em 2012, mas em consequência do redistritamento (por força da eleição de 2010), na Casa de Representantes, a maioria republicana corresponde a 47,5 % , enquanto os 48,8% de votos para os deputados democratas se metamorfoseia na bancada minoritária. O gerrymandering pode assumir proporções escandalosas, como no caso de Ohio, em que Obama ganhou o estado (com 51% dos votos), mas a votação para a Câmara produziu 75% de republicanos e 25% de democratas!
                 O timing da eleição de 2010 – e a passividade de Obama – foram determinantes para que a vitória do GOP no shellacking se traduzisse na mão pesada do gerrymander, que ultrapassou todos os limites. Embora a desfaçatez seja tal, que é difícil compreender que os abusos não sejam corrigidos por via judicial, há um aspecto positivo na livre discussão desse agressivo gerrymandering.
                  Tudo isso indica que, como tudo está torto, fica muito mais difícil criar condições para que as eleições não sejam adulteradas pelo redesenho fraudulento dos distritos eleitorais. A ânsia, contudo, de criar distritos seguros (safe seats), desestabilizou a suposta segurança dos atuais detentores das deputanças, pelo fato de que eles podem ser derrotados por adversários ainda mais radicais à sua direita. O GOP ao criar um monstro não imaginou que poderia desestabilizar os seus líderes, por ataques vindos da direita.                                                   
                                               
                                                                                                                   (a continuar)

 
(Fonte: O  Nó em nossa Política, de Elizabeth Drew, apud  The New York Review)



[1] O Tea Party é movimento extra-parlamentar (e agora parlamentar, por sua penetração no GOP) que surgiu instigado pelos velhos profissionais republicanos Karl Rove e Dick Armey, sem falar nos irmãos Koch, os petroleiros multimilionários.

Nenhum comentário: