terça-feira, 30 de julho de 2013

Papa Francisco: a Renovação na Igreja

                                  
          Quis o Senhor que a primeira viagem de Papa Francisco tenha sido ao Brasil. Esta nossa terra – que ainda é  o maior país católico do mundo – deveu essa graça à circunstância de que Bento XVI agendara a próxima Jornada Mundial da Juventude para o Rio de Janeiro.
          Mais uma vez o homem põe e Deus dispõe. Quero crer – e não vai aqui nenhum bairrismo – que foi uma boa oportunidade para que Francisco mostrasse que o seu estilo, a sua visão pastoral (o que inclui os respectivos meios) e adumbrasse as principais notas e objetivos de seu ministério. Para tanto, a doutrina – que na essência permanece – admitirá visões mais consentâneas com a pós-modernidade que vivemos. Volta, portanto, o espírito que presidiu o pontificado do Papa do Concílio, santo João XXIII, com as janelas abertas de par em par aos ares dos novos tempos.
          Por muitos e muitos anos, a Igreja viveu sob a sombra do conservadorismo. De certa forma, seria como se tivéssemos de volta o pontificado de Pio XII. Paulo VI completou o Concílio – e nisto está a sua magna obra -, mas levado pela sua hamletiana indecisão, não enfrentou com a mesmo postura joanina os desafios da modernidade. Nem coragem teve de beatificar o Papa do Concílio.
          João Paulo I e seus trinta e poucos dias foi uma esperança cortada de modo abrupto. O Papa do sorriso adumbrou muitos perspectivas, que um destino cruel atalhou.
          Vieram em seguida dois pontífices conservadores – João Paulo II e Bento XVI – que com suas boas intenções arrastaram a Esposa de Cristo para, nas palavras  um tempo pressagas e sem esperança, a um longo inverno.  A frase como bem sabem os que me honram com sua leitura não é minha. É de Karl Rahner, S.J., que seria considerado  o teólogo do Concílio Vaticano II,  e que pertenceu à Companhia de Jesus, como o nosso atual Papa.
          Por primeira vez, a Igreja tem um jesuíta como Sucessor de Pedro.  E não por acaso, este soldado de Cristo escolheu como nome – o que descortina todo um programa de ação – o do seu quiçá maior santo, aquele mais próximo do laicato e da pobreza evangélica.
         A par disso, as similitudes com Papa Giovanni logo apareceram com a evidência quase corriqueira, a ponto de ser sinalizada por pessoas comuns, que viam no seu poder de comunicação e na sua humilde simplicidade sinais demasiado fortes para não serem considerados.
        Que outro Papa terá pedido aos fiéis congregados na Praça São Pedro, na sua primeira mensagem e logo após a ritual proclamação do Cardeal-Diácono, que  rezem por ele ?
         Por outro lado, considero relevante para um pontificado que se assinala promissor, que uma das escolhas de Papa Francisco tenha passado pelo crivo de multidões. Todos nós temos presente o erro das autoridades civis que ensejou a momentânea prisão em um engarrafamento, na Presidente Vargas, da viatura pontifical.
          Em seu nervosismo, devido ao descuido da Prefeitura, chegaram a considerar a hipótese de retirá-lo manu militari para, por assim dizer, colocá-lo a salvo. No entanto, como declarou a posteriori, Francisco não sentiu medo algum nesse instante. Submetido ao contato extremo, todos viram o que isso significava: mais uma oportunidade de homenageá-lo, e de aproximar-lhe o que têm de mais precioso, os próprios filhos, para que os seus infantes dele merecessem a tão desejada bênção.
           O Papa, que disse não conhecer o sentimento do medo, verificou então, naquele momento que tensionava os responsáveis pela segurança, que não errava ao confiar nas multidões. E estas, que são humanas e apreciam não só o respeito senão o prazer do Santo Padre em praticá-las, corresponderam naturalmente à expressão daquela lídima mostra de afeto sem limite.
            Francisco já sinalizara que preferia não ser aprisionado no papamóvel  blindado, porque essa proteção o confina em uma gaiola, na qual não pode tocar nem retribuir o apreço dos fiéis e dos entes queridos que oferecem a ele por um instante  eterno penhor da sua admiração.
            Ora, a Praça de São Pedro é um ambiente cujas dimensões não podem comparar-se aos espaços de uma grande metrópole como o Rio de Janeiro. Não ignoro – e estava mesmo na Via dela Conciliazione – quando ocorreu o inominável sacrilégio contra Papa Wojtyla. Mas eram outros tempos, a mão foi decerto armada por um poder que hoje não mais existe. De toda forma, em logradouro como o abraçado pela colunata de Bramante, nos achamos em espaço que não pode ser cotejado em amplitude àqueles múltiplos de uma grande cidade. Portanto, o Rio de Janeiro confirmou na sua sempre corajosa opção do chamado banho irrestrito na multidão o que Papa Francisco sinalizara com firmeza, diante das reiteradas ponderações da segurança.   
            Como toda personalidade de grande importância – e são poucas na atualidade – Sua Santidade o Papa Francisco requer resmas de considerações, que nos levam a estender-nos. Por isso, antes de interromper os comentários – contando retomá-los adiante – desejaria frisar dois ou três tópicos que me parecem de grande peso e oportunidade.
            Dessarte, se ao Rio de Janeiro coube a alegria de participar no indispensável aprendizado – eis que tudo carece de aprender, e até mesmo a condução da Sé de Pedro – de Sua Santidade, e não só nos banhos de multidão que lhe são tão caros. Na vinda, se não me engano, Papa Francisco se perguntara se havia alguma disposição sobre a concessão de entrevistas, eis que semelhava não ser próprio do Sumo Pontífice concedê-las.
           E não é que o risco de giz desapareceu ,quiçá, pelas areias de Copacabana ? Pois Francisco concedeu no Rio de Janeiro, uma entrevista a repórter de O Globo, e no avião da Alitalia, cercado dos vaticanistas, não é que consentiu em dar outra ?
           Papa Francisco quer mostrar ser um homem do século XXI, na era digital e da internet. O seu papel e importância não se cingem, é certo, a esse avatar, mas ele deve fazer parte do dia-a-dia do Santo Padre. Nos palácios vaticanos, mesmo nas construções mais simples  que sinalizou preferir, a tradição tende a ser onipresente e às vezes constrangedora ou esmagadora.
        Ele tem consciência de que representa muito mais do que a simples modernidade. Ao agraciar o Brasil com a primeira viagem de seu pontificado, atendida  sua condição de natural da Argentina, país tão próximo e com tantos desafios similares àqueles do Brasil, terá sido uma compreensível falta de entendimento da expressão do poder civil que não haja captado na extensão e aprofundamento devido essa memorável homenagem que nos foi prestada, a nós cariocas adotivos ou não, e que o Brasil, pela sua antiga metrópole do Rio de Janeiro tenha dado os primeiros frutos a esta personalidade histórica, que nos rendeu  a suma honra de iniciar em nosso solo pátrio o seu múnus pastoral além das usuais fronteiras da Sé pontifícia e da Itália.
       Há muitas folhas ainda em branco no pontificado de Papa Francisco. Que a sua ação pastoral e doutrinal seja longa e profícua, seguindo as linhas que ora o Santo Padre principia a traçar.
        Apenas uma palavra de cautela. Dentro dos muros vaticanos, de há muito acostumados a uma relativa reclusão, assim como a abertura das janelas na época joanina terá indisposto alguns, não será difícil prever que aquele que deseja renovar se encontrará com muitas vozes a quem aproveita estarem as coisas como estão.
         Como na velha Roma, os harúspices eram chamados para decifrarem as entranhas das pobres vítimas da superstição de então. Habituados aos palácios e às suas pesadas portas, a imprensa tem representantes que se reputam fundos conhecedores dos desvãos e das aulas por que passam não apenas o Pontífice, mas também os Cardeais, com os respectivos séquitos.
          É uma cultura de cruzes ornadas com metais preciosos, que cresceu – malgrado a sua ínsita contradição com o sacro lenho – na atmosfera própria, de muitos segredos e falsos enigmas dos palácios da Corte pontifícia e das inúmeras, todas elas sacras, Congregações vaticanas.
           Pelo acesso que possuem – ou dizem ter – surgiu o grupo dos chamados vaticanistas, expertos em questões inacessíveis para o vulgo. Nesse círculo – como em  tais agrupamentos informais – haverá os bons, os maus e os indiferentes.
           O único que aqui me preocupa é o rótulo que separa e que alegadamente distingue. Por acompanhar os assuntos – e os negócios – da Santa Sé, é difícil aos pássaros mudarem de plumagem. O mistério, o esotérico, será para alguns a ferramenta do mister. Por outro lado, é difícil manter a distância e não se deixar envolver o mensageiro pela mensagem que pensa transmitir, e que pode ser apenas uma secreta arma de que, por trás de vestes e de longas pausas, está a instrumentalizar alguém, à guisa de prestar serviço a uma comunidade imprecisada.
          Como quem disse que temia os gregos, sobretudo quando davam presentes, a prudência sempre necessária ao avaliar-lhes os ditos. Porque será sempre importante determinar se atrás de muito mistério, nada exista de relevante. E nesse grupo, ornado com palavras oriundas de conhecimento, será tarefa árdua verificar o que procede e  verdade é, e o que não o é, sendo tão só arcanas hipóteses para defender causas indefensáveis.
 

 
( Fontes: Rede Globo, O Globo, Folha de S. Paulo )       

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